Na
sua obra, o escritor e político são-tomense Albertino Bragança deixa
transparecer a crítica a realidades pré e pós-independência e revela as
preocupações de quem contestava o regime de partido único, estabelecido em
1975. Em entrevista ao Ponto Final, o autor convidado do Festival Literário de
Macau – Rota das Letras, opositor do regime colonial, que esteve na linha da
frente da democratização de São Tomé e Príncipe, descreve-se como sendo,
sobretudo, um “homem de consensos”. Recentemente pediu a demissão do cargo de
Embaixador de Boa Vontade da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, que
ocupava desde 2006
Com “Rosa do Riboque e Outros Contos”, de 1985, Albertino Bragança dá
início a um percurso pioneiro na literatura são-tomense que se foca em relatos
ficcionais sobre a realidade do arquipélago formado por duas ilhas principais,
São Tomé e Príncipe, no período anterior e posterior à sua independência, em
1975. Nos seus contos e romances o autor aborda temas ‘tabu’, preconceitos e
estigmas sociais, entretanto esbatidos na realidade actual, mas não
necessariamente resolvidos. Um dos seus contos, “Preconceito”, trata a questão da discriminação entre descendentes
de escravos alforriados e os trabalhadores contratados para as roças de cacau e
café, vindos de Cabo Verde, Moçambique, Angola, que chegavam a São Tomé e
Príncipe para trabalharem “em regime de escravatura mascarada de contrato”,
descrevem os historiadores. Os contratados viviam em condições precárias e eram
marginalizados, tanto por colonizadores como por nativos. Estas condições
laborais, defendem alguns investigadores, estiveram na origem do massacre de
Batepá, em 1953, que opuseram trabalhadores contratados e nativos
instrumentalizados pelo poder colonial.
“Rosa do Riboque”, a heroína ficcionada que organiza o apoio aos
estivadores em greve e é presa e torturada pelas autoridades coloniais
portuguesas, teve grande impacto no país, tornou-se leitura obrigatória, alguns
dos textos entraram nos manuais escolares. “Hoje, quando se fala em literatura
de São Tomé e Príncipe, é esta a obra de referência”, refere o autor em
entrevista ao Ponto Final. Com “Um Clarão
sobre a Baía”, de 2005, Albertino Bragança publica aquele que, na altura,
foi considerado “o mais importante romance são-tomense”, por “quebrar a regra
do silêncio” sobre o regime de partido único que dominou os primeiros anos de
independência do país. Nesta obra, o autor faz uma crítica ao Governo, que terá
perseguido e encarcerado os chamados “contra-revolucionários”, numa repetição
da história, antes protagonizada pela polícia política do regime colonial
português. A “Rosa do Riboque e Outros
Contos” e a “Um Clarão sobre a Baía”,
de 2005, seguiram-se “Aurélia de Vento”,
de 2011, “Preconceito e Outros Contos”, de 2014, sendo a última obra publicada
“Ao Cair da Noite”, de 2017.
Albertino Homem dos Santos
Sequeira Bragança nasceu em 1944, estudou em Portugal, onde frequentou o Curso
de Engenharia Electrotécnica da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra.
Considerado pelos seus pares como “um homem com margem para consensos”,
Albertino Bragança acaba quase inevitavelmente por integrar a vida política do
seu país, pouco depois de regressar, em 1976, altura em que começa por exercer
funções no ensino. Desempenha vários cargos partidários, governamentais e
parlamentares. Foi um dos fundadores do movimento de oposição que deu origem ao
Partido da Convergência Democrática – Grupo de Reflexão, colocando-se na linha
da frente da democratização do país, que permitiu a mudança política no país,
de um regime de partido único para o multipartidarismo, com o seu partido a
vencer as primeiras eleições democráticas realizadas no país, em 1991,
derrotando o partido que estava no poder desde a independência, o MLSTP (Movimento
de Libertação de São Tomé e Príncipe).
O escritor e político visitou
a China pela primeira vez em 1978, com a selecção são-tomense de futebol.
Regressou em 1993, enquanto ministro dos Negócios Estrangeiros, integrado na
comitiva do Presidente são-tomense da altura, Miguel Trovoada. A presença do
autor no Festival Literário de Macau – Rota das Letras marca o regresso ao
território de Albertino Bragança, que aqui esteve no contexto daquela viagem
oficial à China. Na altura, a comitiva foi recebida pelo governador Rocha
Vieira.
–
O Albertino Bragança fez a sua formação universitária em Portugal, antes da
independência em São Tomé e Príncipe, em 1975. Conte um pouco sobre essa
vivência de um são-tomense num Portugal pré-25 de Abril.
Albertino
Bragança – Fiz a minha formação escolar em São Tomé e Príncipe, em
São Tomé neste caso [a capital], parti para Portugal em 1964. Segui para fazer
medicina, mas depois mudei para engenharia electrotécnica, na Faculdade de
Ciências. Naquele tempo em Coimbra só se estudava até ao terceiro ano, eram as
bases para depois irmos estudar no Porto ou em Lisboa. Estive em Portugal até
1976. Foram 12 anos em que fui estudante, praticava futebol, na Académica,
depois fui para a União de Coimbra, estudava e jogava futebol, na altura. Isto
para dizer que, em Coimbra, tive uma orientação, cheguei através de um colega
mais velho, um são-tomense, o doutor Celestino Costa, hoje já desaparecido
[Celestino Costa foi primeiro ministro de São Tomé e Príncipe, entre 1988 e
1991]. Ele levou-me para a casa onde vivia, que era a Real República Kimbo dos
Sobas, na rua Antero de Quental, em Coimbra, e que tinha defronte a República
dos Milionários. Era uma residência de africanos, negros, brancos, angolanos,
moçambicanos. Nós éramos os dois são-tomenses que estávamos na Kimbo dos Sobas.
Nessas duas repúblicas havia uma orientação anti-regime, notória, inculcada, e
consagrada ao nível de algumas repúblicas e de estudantes que não estavam de
acordo com o regime da época, o regime fascista. Portanto, eu segui esse
caminho, que se fazia através de muita leitura, encontros e conversas.
–
Essa convivência com os estudantes de Coimbra despertou-o para a forma como
Portugal era então visto no mundo?
A.B.
–
Foi graças à ida ao Kimbo dos Sobas que comecei a aperceber-me de outras coisas
que não me apercebia antes. Aperceber-me com mais fundamento, com elementos
teóricos extremamente importantes para a compreensão, não só do que se passava
em Portugal, mas do que se passava no mundo. Estive na República Kimbo dos
Sobas durante uns anos até ser chamado para o serviço militar. Acabei o
terceiro ano do curso e de imediato fui chamado para Mafra, onde estive durante
um tempo. Depois estive em Vendas Novas e finalmente em Torres Novas, onde
estive durante três anos como alferes miliciano. Depois, regressei a Lisboa e
claro que vivi intensamente o 25 de Abril, na medida em que vínhamos
contestando o regime colonial implantado nos nossos países. Nós estávamos muito
ligados às Forças Armadas e às forças revolucionárias da época até se conseguir
as negociações entre o MLSTP [Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe] e
o Governo português, que terminaram a 26 de Novembro e que, depois, conduziriam
ao 21 de Dezembro, que foi a data da entrada de São Tomé e Príncipe no Governo
de transição. Aí foi marcada a data da independência para 12 de Julho do ano
seguinte, de 1975.
–
Onde é que se encontrava exactamente quando se dá o 25 de Abril?
A.B. – Já
tinha saído da tropa, saí da tropa em Janeiro de 1972, estive lá desde 1968 a
1972. Já me encontrava em Lisboa, como civil, estava a estudar no Técnico e
trabalhava no ministério, cujo ministro era o pai do actual Presidente da
República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa. Estava a trabalhar na direcção
de estatística do Ministério do Trabalho [que, na altura, tinha a designação de
Ministério da Saúde e Assistência, das Corporações e Previdência Social], que
era no Campo Pequeno e estudava no Técnico. Em Julho vim para assistir à
independência, esse era o meu projecto, mas estava em Portugal e só consegui
chegar na semana seguinte.
–
Que país encontrou no seu regresso?
A.B. – Em
São Tomé, os dirigentes da época, do MLSTP começaram a fazer pressão no sentido
de que deveríamos regressar, porque o país estava sem quadros. Os portugueses
tinham partido. Em Janeiro de 1976 regressei a São Tomé e Príncipe
definitivamente.
–
Qual é o seu percurso quando regressa a São Tomé e Príncipe, em 1976?
A.B. –
Chego a São Tomé e havia poucos professores, por isso, fui orientado para dar
aulas de português, foi uma grande sobrecarga, porque eram muitas turmas,
éramos muito poucos, os quadros nacionais na altura. Depois disso fui director
de uma série de instituições que foram criadas na altura. Estive sete anos como
director do Gabinete de Estudos de Pesquisas Pedagógicas do Ministério da
Educação. Com a doutora Lígia Costa, hoje em Portugal, reestruturamos o
ministério, estive lá de 1984 a 1991. Em 1991, entretanto, um grupo de cidadãos
criou um grupo de reflexão, que era uma associação política que, na altura,
pressionou muito o regime e conseguiu que se orientasse para o multipartidarismo.
Fizemos muitas actividades e, mais tarde, conseguimos, através de um referendo,
que a visão multipartidária fosse consagrada em São Tomé e Príncipe. A partir
daí vieram as primeiras eleições democráticas, a 20 de Janeiro de 1991. As eleições
foram ganhas pelo nosso partido, o grupo de reflexão transformado no Partido de
Convergência Democrática/Grupo de Reflexão, que ganhou as primeiras eleições
democráticas. Fui designado Ministro da Defesa num contexto, como calcula, de
muita pressão e muita tensão no ar, na medida em que era uma mudança política
muito profunda, passar de um sistema de partido único para o multipartidarismo
e as forças militares, a polícia, estavam muito emanadas com o regime que tinha
estado no poder 16 anos. Depois, caiu o Governo, em 1992. Eu deixei a Defesa e
fui indigitado ministro dos Negócios Estrangeiros, onde estive dois anos e
meio. O Governo caiu novamente, em 1994. Voltei à Assembleia, como deputado
(…). Mais tarde, em Dezembro de 1996, fui indigitado ministro da Educação,
Cultura e Desporto, foi o meu último cargo governativo.
–
Esta carreira política era incontornável, estava em circunstâncias em que não
tinha opção?
A.B. – Eu
tinha opção, poderia ter recusado. Mas no primeiro cargo contou muito o facto
de eu ter sido militar, depois contou também o facto de, no país,
considerarem-me, e sou considerado, como uma pessoa que está em todos os
núcleos sociais, que se envolve muito com as pessoas, isso dá-me uma certa
margem de consenso e foi isso que levou os meus companheiros a indicar-me como
ministro da Defesa num contexto que era muito complicado. Depois deixei a
Defesa e fui para os Negócios Estrangeiros, não foi nenhuma imposição aceitei
porque achei que estava em condições de exercer o cargo, depois regressei à
Assembleia por três vezes, como deputado. Entretanto ia escrevendo livros.
–
O que é que o fez divergir das ciências e das engenharias para a literatura?
A.B. – Vou
lhe dizer, quando era aluno no liceu aqui em São Tomé e Príncipe, desde o
princípio, eu estava no lote dos alunos um pouco mais credenciados na língua
portuguesa. Tinha as suas causas, porque o meu avô materno era um literato, o
meu avô Albertino, de quem eu herdei o nome. Ele era um homem que viajava muito
por São Tomé e Príncipe, Portugal, nos princípios do século passado. E era um
homem que gostava muito de ler, era um amante da leitura, era um amante de Eça
de Queirós, Camilo Castelo Branco, aqueles grandes nomes da literatura
portuguesa daquele tempo e de hoje. Eu gostava muito de futebol, ia jogar com
os miúdos da minha idade no campo do Riboque que era um bairro onde vivi e onde
me apercebi de coisas de que não me tinha apercebido noutras ocasiões. (…)
também tinha lições e estudava por capítulos, que ia explicar ao meu avô e ia
conversando com ele, sobre aquilo que eu entendia. Com essa convivência, eu,
aos 13, 14 anos, tinha lido grande parte de Eça de Queirós, Júlio Dinis e
Camilo Castelo Branco. Quando fui para o liceu já tinha todo esse contacto e,
claro que, na disciplina de português, fui considerado, naquele tempo, um dos
melhores alunos do liceu. Entretanto, só em 1984 é que começo a escrever, “Rosa do Riboque” [“Rosa do Riboque e Outros Contos”].
–
Precisou de atingir um certo ponto de maturação para escrever?
A.B. –
Cheguei aos 40 anos e comecei a pensar em tudo o que significou para mim ter
ido viver para o [bairro do] Riboque. Vivemos durante nove anos no Riboque.
Tive contactos com a garotada do sítio, os meus companheiros faziam coisas que
eu não fazia, iam pescar no cais, iam ao cinema à noite sempre que quisessem,
eu só podia sair com os meus pais, era um filho da classe média. Tinha as
regalias, mas não tinha a liberdade. A liberdade entre aspas, talvez, que eles
me vinham contar e que eu gostava de ter um dia. Lembrei-me, também, do
sacrifício das mães, das pessoas mais pobres e das camadas menos literatas.
Inventei uma mulher que não existiu, mas que era uma homenagem que eu fazia às
mulheres do Riboque, inventei a Rosa, uma ficção, pura ficção, e começo o livro
pelo funeral da Rosa. E esse funeral é grandioso, no aspecto em que o povo mais
simples, os amigos, familiares, os acompanhantes, claro que não eram da classe
média, eram trabalhadores, camponeses, era uma massa enorme que seguia o
funeral da Rosa. Depois de tanta grandeza no funeral, tanta virtude, depois de
escrever o primeiro capítulo, comecei a pensar comigo: “o que é que esta Rosa
teria feito em vida para merecer tanta consideração e tanta amizade por parte
das pessoas”. E claro que tinha que inventar e inventei. Claro que ela,
enquanto mulher, naquela época não poderia estar à frente da greve, mas poderia
angariar fundos para a greve dos estivadores, que iam descarregar os barcos. E,
nisso, a Rosa foi perita, conseguiu grandes apoios para a greve de estivadores.
Tanto que assim criou-se uma heroína que ao nível da população foi a que mais
marcou, que é estudada no liceu, nas universidades. Esta obra situa-se nos anos
de 1950. “A Rosa do Riboque” ficou
muito ligada a Albertino Bragança e fez com que eu escrevesse o segundo livro.
Foi um livro muito lido, alguns textos entraram nos manuais escolares, é assim
que, quando se fala em literatura em São Tomé e Príncipe fala-se de “Rosa do Riboque”, o meu primeiro livro.
–
O Albertino foi testemunha de situações que depois descreve nas suas obras?
A.B. – Não
observei. Algumas situações são fictícias. Em São Tomé e Príncipe não se faziam
greves, podia haver protestos, mas greves não havia. Eu inventei para
representar a Rosa enquanto angariadora de meios para a concretização dos
objectivos dos trabalhadores. Depois escrevi “Um Clarão sobre a Baía”, um clarão que se reflecte sobre a baía de
Ana Chaves, que é a baía mais importante de São Tomé e Príncipe, esse clarão
era uma crítica directa ao regime de partido único, que fiz através de uma
série de personagens que foram presas. Aí, houve um morto, na época do regime
que torturou, de 1975 a 1991, fiz uma crítica àquilo que se passou. Houve
várias edições do livro, uma em São Tomé e duas em Portugal, pela editora
Caminho.
–
“Rosa do Riboque” inclui outros
contos.
A.B. – Há
outros três contos, um dos quais foi publicado no Brasil, chamado “Solidão”, em que criei uma personagem
muito viva e extrovertida, trabalhadora, que aparentava muita alegria, mas que
vivia sozinho. O conto é triste, falo da solidão. Esse conto é baseado numa
figura real, verídica (…). Considero que “Solidão” é das melhores coisas que
escrevi até hoje (…). Foi uma forma que aproveitei para trazer o mito para a
literatura são-tomense.
–
Escreveu também “Preconceito e Outros
Contos”, editado em 2014
A.B. – É
sobre as relações que existiam, o preconceito que havia em relação aos
trabalhadores contratados por parte da população são-tomense, tentei explicar
as razões de fundo desse fenómeno, que hoje está um tanto ou quanto esbatido em
São Tomé e Príncipe. Há uma maior aproximação entre as pessoas, os
trabalhadores contratados das roças do cacau e do café são muito retratados,
são apresentados como tal, se bem que o preconceito hoje é diminuto.
–
De que preconceito é que se trata?
A.B. – Isso é uma questão
importante. Em São Tomé e Príncipe, em 1953, 3 de Fevereiro, houve o massacre
de Batepá, em que um governador Carlos Gorgulho procedeu à matança de muita
gente. É um evento assinalado todo os anos, fala-se com os jovens, as razões do
massacre, as remotas e as próximas, para dizer o seguinte: o porquê dessa
discriminação que havia entre os são-tomenses e os contratados. Os contratados
são pessoas que vieram de Angola, Moçambique e Cabo Verde. Sabe que nas
colónias portuguesas, pelo menos em São Tomé e Príncipe, a escravatura
encontrou os seus últimos dias, o seu fim, em 1875. Quando acaba a escravatura,
os escravos deveriam continuar a trabalhar nas roças como homens livres durante
nove anos para não fazerem cair os preços da produção de cacau e café, mas eles
recusaram-se e abandonaram as roças. Eram forros que dependiam de uma carta de
alforria de libertação. Para salvar a produção, o Governo português teve de
recorrer a contratados. Aparentemente eles assinavam o contrato com o Governo,
que lhes dava garantias no papel mas, na prática, continuavam a ser escravos.
Os contratados eram chicoteados como escravos. Eles vinham de Angola,
Moçambique, porque os são-tomenses foram sendo considerados homens livres (…) e
havia uma classe política muito forte, tanto em Portugal como em São Tomé, de
nativos são-tomenses, e isso fazia de São Tomé e Príncipe uma colónia muito
especial. (…) Gorgulho veio de Portugal com a convicção de que ia resolver o
problema de mão-de-obra em São Tomé, mas os são-tomenses mantiveram-se firmes
perante os propósitos de Gorgulho e, por isso, vinham os contratados trabalhar
na rudeza das roças, (…) Por essa razão se criou esse complexo social, nós
somos homens livres, aqueles são contratados, por isso, naquele tempo havia
essa separação que eu tentei apresentar no conto “Preconceito”, que retrata essa discriminação entre os chamados
nativos de São Tomé e os contratados de Angola e Moçambique e Cabo Verde.
–
A origem do seu nome vem do seu avô, quem era o seu avô?
A.B. – O
meu avô pertencia à classe dos “moradores da cidade”, à classe dos literatos.
Albertino dos Santos era uma figura conhecida dos meios citadinos. Era o pai da
minha mãe e de uma figura que foi ilustre, que ficou célebre, muito renomeada
na libertação de São Tomé e Príncipe do regime colonial, que era o camarada
Oné. Um homem muito culto, António Barreto Pires dos Santos, vulgo “Oné”.
–
Em relação à retoma das relações diplomáticas de São Tomé e Príncipe com a
República Popular da China, em Dezembro de 2016, esteve ligado a este processo?
A.B. – Fui
durante muitos anos, desde 2006 até à semana passada, Embaixador da Boa Vontade
da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa). Pedi a demissão há dias.
Claro que durante a fase em que ocupei o cargo de ministro dos Negócios
Estrangeiros estive na China e em Taiwan. O corte de relações com Taiwan e a retoma
de relações com a China apanhou algumas pessoas desprevenidas, se bem que
soubéssemos dos contactos que têm vindo a ser feitos com a China Popular e no
regresso deste país a São Tomé e Príncipe. Ora, eu não quero estar a falar
muito sobre isso sem estar por dentro, não sabendo quais os interesses para São
Tomé e Príncipe nesta retoma de relações com a China. Politicamente ainda estou
no activo e não quero pronunciar-me sobre o fundo da questão. Queria dizer-lhe
que em São Tomé e Príncipe, no princípio da independência, a China foi um
grande parceiro, porque patrocinou os projectos mais importantes daquele tempo.
Em 1997 rompe-se a relação, foi algo que pressenti anos antes quando visitei a
China como ministro dos Negócios Estrangeiros e vi a reação dos chineses. Mas,
o certo é que em 1997 cortou-se relação com Pequim e estabeleceu-se a relação
com Taiwan, que também foi um grande parceiro de São Tomé e Príncipe, sobretudo
na área da saúde e da agricultura. Estou em crer, acho que a forma quase
deprimente como se fez o corte foi algo muito chocante certamente tanto para
taiwaneses como para alguns são-tomenses, grupo no qual me incluo, porque as
coisas poderiam ter sido feitas de outra maneira, de forma mais civilizada e
pensando em tudo o que de bom fizeram os taiwaneses em São Tomé e Príncipe.
–
Era algo de incontornável para São Tomé e Príncipe esta retoma das relações
diplomáticas com a República Popular da China?
A.B. –
Havia grupos chefiados por personalidades, embora São Tomé e Príncipe estivesse
em parceria com Taiwan, havia grupos e personalidades que agiam no sentido da
retoma de relações com a China Popular, porque a China é, sem qualquer dúvida,
uma potência mundial, que tende a rivalizar com os Estados Unidos. Por isso
mesmo há pessoas que viam nessa retoma possíveis grandes vantagens para São
Tomé e Príncipe. Possivelmente, e sobretudo, nos grandes projectos, que podiam
relançar a economia nacional, como a construção do porto de águas profundas e a
reabilitação e restruturação do aeroporto nacional, projectos, portanto, de
grande vulto que Taiwan certamente não iria patrocinar. Ainda não estamos em
condições de saber se houve vantagens ou não. Mas, aparentemente, parece que o
regresso às relações com a China poderia ser algo de muito positivo para São
Tomé e Príncipe, a ver vamos. Cláudia
Aranda – Macau in “Ponto Final”
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