Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

terça-feira, 22 de abril de 2025

Macau - “Há agora uma renovação da língua portuguesa”

Depois de um período menos favorável durante a pandemia, há agora um novo fôlego para a língua portuguesa em Macau, diz Joaquim Coelho Ramos. Em entrevista ao Ponto Final, o vogal do Conselho Directivo do Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, que foi também director do Instituto Português do Oriente no território, afirma ainda que, na China Continental, continua a manter-se o crescimento do interesse pelo português, notando-se uma procura significativa pela aprendizagem da língua para fins específicos



Em que ponto é que se encontra o português na China Continental?

Joaquim Coelho Ramos - Tanto quanto me é dado perceber, a língua portuguesa continua em ascensão na China, em várias vertentes, quer na língua portuguesa enquanto dimensão filológica (nas áreas de estudo científico, estudos de linguística, de literatura), mas também para fins específicos, ou seja, há uma procura de português económico, para fins de investimento, português jurídico e português mais institucional. Em todas as suas dimensões, o português continua em crescimento e a procura também.

Nestes últimos anos, a estratégia do Camões tem também mudado para captar mais alunos de português?

JCR - Temos feito um investimento sistemático, ao nível da Ásia, no sentido de promover o desenvolvimento da língua portuguesa. Isso tem sido notado, quer através de presenças de elementos daqui do Conselho Directivo naquela região (na China, no Vietname, na Malásia e por aí fora), quer através do incentivo das presenças, que já existem no Instituto Camões na China, sobretudo na China Continental, para o desenvolvimento de novas actividades, nomeadamente no português para fins específicos. Aí trabalhamos com os leitores junto de universidades chinesas e também com os docentes que estão colocados, sobretudo no interior da China, ao abrigo de protocolos com as instituições de ensino superior.

No caso específico de Macau, fala-se, nestes últimos anos, de alguma instabilidade, no que diz respeito ao português. Diria que a língua está a perder força no território?

JCR - A indicação que temos é que, depois de uma fase menos boa, que coincidiu ali com a pandemia, que é natural, porque teve a ver com situações que ninguém podia controlar, há agora uma renovação da língua portuguesa em Macau. O Instituto Camões, em Macau, trabalha via Instituto Português do Oriente — o Instituto Camões é associado maioritário do IPOR — e partilhamos os interesses e as estratégias com o IPOR no trabalho em Macau. As informações que temos são de uma recuperação do português com algumas alterações de caracterização dos alunos, o que levou também a uma alteração da caracterização das próprias estratégias de ensino, mas, em geral, volta a crescer o interesse pelo português. Isso também se verifica quando olhamos para aquela que é a oferta transversal do português em Macau. Pelo que me é dado a entender, as universidades em Macau continuam a ter uma procura interessante para o português. Olhando para o panorama no geral, o indicador que temos é que o interesse pelo português permanece, está sólido e cresce em áreas diferentes, com uma procura significativa pelo português para fins específicos.

Falou de uma alteração dos alunos e de estratégia. Que mudanças foram essas?

JCR - Há aqui uma dimensão mais pragmática da procura da língua como instrumento de concretização de projectos (até pessoais) económicos, de empreendedorismo, de internacionalização de ideias, que se verificam em várias áreas. Estive, recentemente, em Macau e falei com algumas pessoas que estão a aprender português há algum tempo, que me diziam que queriam internacionalizar projectos que tinham ao nível das artes. Queriam explorar mercados nos países de língua portuguesa e, porque eram artistas, tinham esse interesse em conhecer melhor e em externalizar aquilo que produzem. Há aqui uma dimensão mais pragmática, que já não é só (embora essa permaneça com uma capacidade de atracção muito forte) olharem para a língua como uma dimensão puramente comunicativa ou uma dimensão filológica para se perceber aquilo que as pessoas falam e que dizem de uma maneira menos científica, como a engenharia da língua — como ela se constrói, como ela surge, como ela se manipula, como ela se utiliza. Mas, de facto, estamos a ver aqui um crescimento do português nesta dimensão pragmática, muito utilitária, sobretudo no português para negócios.

Há parcerias que têm sido feitas entre o Camões e universidades em Macau?

JCR - Em Macau especificamente não, mas, no interior da China, sim. Temos vindo a trabalhar, sempre que as universidades pedem apoio — e esse apoio pode ser ao nível bibliográfico ou ao nível da formação de professores. Uma coisa recente que temos observado é um aumento dos projectos de difusão científica, como a organização de congressos ou colóquios. As universidades têm trabalhado muito na consolidação daquilo que é a sua oferta e nota-se também que as pessoas formadas nessas universidades têm um currículo e conhecimentos cada vez mais aprofundados e sólidos.

Tem sido difícil encontrar professores para dar aulas em Macau e na China Continental?

JCR - Há dificuldades. Temos de ver isto segundo duas linhas de intervenção: a linha local, em que as universidades procuram, no próprio contexto, professores qualificados para leccionar, e isso eu não conheço bem o mercado para lhe dar uma resposta concreta, mas percebo que há gente formada e com uma formação sólida para preencher estes lugares. Da nossa parte, há uma dificuldade em enviar professores de português, especialmente portugueses, desde logo, porque, mesmo em Portugal, é difícil encontrar professores de português. Nós temos poucos professores, mesmo para responder às escolas em Portugal, e esta dificuldade é transversal para a colocação de professores externamente. Isto tem várias causas que vão desde a capacidade de atracção para este tipo de profissões até à própria realidade demográfica. Não há uma só razão, há um sistema de razões que vem aqui criar alguns obstáculos, mas, de facto, o esforço de tentar corresponder àquilo que são os pedidos que nos são feitos é permanente, mas depois depende um pouco da mobilização concreta que conseguimos fazer nestes recursos que são, ao fim e ao cabo, mão de obra altamente qualificada.

A China, enquanto país, é parceira nesta promoção da língua portuguesa?

JCR - Não fazemos nada na China sem a devida articulação com as autoridades locais, a vários níveis — desde logo, as autoridades académicas. Há uma articulação, como não podia deixar de ser, com as instituições locais, quer as que representam o Estado português lá, quer por esta via, muitas vezes até por via diplomática, com as próprias instituições chinesas. Esta articulação é permanente. Aliás, é isso que mandam as boas práticas das relações internacionais, não podia ser de outra maneira. Depois, a outro nível, mais micro, se quiser, a colaboração com as universidades em si é feita de modo ainda mais próximo, ou seja, conhecendo aquilo que são os pedidos ou os requisitos específicos de cada universidade, e é preciso termos em consideração que há quase seis dezenas de universidades chinesas ou de instituições de ensino superior chinesas a ensinar o português na China e cada uma tem as suas necessidades, os seus objectivos, as suas estratégias. É conhecendo essas linhas de intervenção concretas que nós depois vemos de que forma é que podemos colaborar. E isso exige uma articulação muito próxima, uma cumplicidade académica que permite ir ao encontro do que são os desejos das partes.

Essa parceria também se aplica a Macau, com o Governo local?

JCR - Penso que sim, embora essa via é mais operacionalizada através do Instituto Português do Oriente, mas nós, como associado maioritário, temos esse feedback constante. Há uma procura de consolidação de uma relação que já é muito forte com o Governo e com as autoridades da RAEM, e isso depois também traz os resultados que temos vindo a verificar — mais gente formada em português, mais gente com ideias e projectos de aplicação da língua portuguesa quer localmente, quer internacionalmente. Estive em Macau, há relativamente pouco tempo, e falei com muitos estudantes e ex-estudantes. Tive a oportunidade de encontrar muitos em várias ocasiões e ouvi, com muito agrado, que muitos estudantes que vêm do interior da China para estudar em Macau regressam depois ao interior da China para trabalhar com a língua portuguesa. Por exemplo, na área ali das dinâmicas da Grande Baía. Muitos deles com empresas muito consolidadas que pretendem agora internacionalizar, quer a sua produção, quer a exportação de produtos em países de língua portuguesa. Foi com grande alegria e interesse profissional que ouvi esses testemunhos. A língua portuguesa está a provar ser um caminho de internacionalização. As relações com Macau são muito sólidas, quer directamente através do Camões, quer por via do IPOR, e penso que há aqui uma correspondência de interesses e estratégias em que procuramos manter esta grande proximidade e capacidade de resposta junto das instituições de Macau.

Ainda há alunos em Macau que estão a aprender a língua para poder trabalhar no território?

JCR - Vê-se muita gente que procura aprender português para o aplicar depois na administração pública de Macau. Aí, o IPOR tem um papel fundamental a vários níveis da administração pública de Macau. Isso também continua a ser um mecanismo de atracção para as pessoas que aprendem português. Eu diria que esta transversalidade da língua portuguesa está a provar ser uma mais-valia em todas as dimensões do mercado — na dimensão económica, quer a nível interno, quer a nível de internacionalização, na busca de novos mercados, quer a nível da administração pública, das relações internacionais, na área jurídica. Há aqui um reforço da transversalidade da língua portuguesa em Macau e isso não tem de ser dito por nós, é dito pelos dados que nos chegam regularmente.

Mudou a presidência do Camões e com isso há também uma mudança de estratégia do Camões?

JCR - Sem dúvida. A linha que estamos aqui a tentar trilhar tem a ver com a presença do português numa plataforma muito sólida, que é Macau, e o interesse que se verifica pela língua portuguesa na Ásia em geral. O que nós temos aqui é dois elementos fundamentais que, quando conjugados, permitem um crescimento exponencial destes objectivos de promoção internacional da língua, ou seja, aproveitar a plataforma rotativa que é Macau, a capacidade que Macau tem de atrair várias nacionalidades para dentro de si e depois a capacidade de utilizar estes recursos formados em Macau para reforçar a oferta à procura que há neste grande bloco regional que é a Ásia, e que é uma área de intervenção prioritária para nós. Procuramos fazer, a partir de Macau, um investimento na formação de professores. Quer Macau, enquanto parte da República Popular da China, tem um papel absolutamente fundamental, desde logo o papel pivô de distribuição de conhecimento e, depois, de sustentação histórica daquilo que é a língua portuguesa ali. A nossa intenção é reforçar o apoio, a articulação do ensino da língua portuguesa com as instituições de Macau e a partir daí procurar dar um apoio complementar em países da região. Lembro-me de Timor-Leste, da Malásia, do Vietname, onde o crescimento da língua portuguesa, muitas vezes alicerçado no interesse pragmático, empresarial, investimento da língua enquanto veículo para outras áreas que têm interesse para o Governo do Vietname, esse crescimento tem sido também muito sólido. Mas eu gostava de deixar claro que esta visão mais pragmática, mais instrumental da língua portuguesa, não é o único caminho que tem sido reforçado na Ásia. Aquela dimensão mais filológica, científica, aquela dimensão que permite estudar a língua, para conhecer a língua, são também áreas que têm tido um crescimento muito significativo. As pessoas têm um genuíno e crescente interesse pela língua portuguesa, nas suas mais diversas dimensões, e nelas também se integra esta dimensão do prazer do conhecimento da língua, da língua como veículo para conhecer o outro.

Esta estratégia passa também por encontrar alternativas à falta de professores, por exemplo?

JCR - Nós contamos muito com esta dimensão de formação de professores localmente para nos ajudar à promoção da língua portuguesa. Este investimento na formação de professores na região tem a ver com a construção de capacidade instalada. O que se pretende é formar pessoas localmente para que essas pessoas depois possam ajudar neste trabalho de implementação da língua portuguesa a partir daquilo que são as suas próprias culturas, as suas próprias vivências geoculturalmente relacionadas. Não só a formação de professores na China, em Macau no contexto da RPC é algo muito importante, como é algo que temos de acarinhar, porque as pessoas formadas que são daquela região carregam consigo toda uma dimensão emocional e cultural que as coloca logo um passo à frente quando chega a altura de partilhar esse conhecimento numa região que é a sua. Luciana Leitão – Portugal in “Ponto Final”


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