Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

sábado, 23 de março de 2013

Contemporâneo


“Hoje esta lógica de acumulação de capital está profundamente alterada, porque vivemos numa espécie de aldeia global onde todos os dados parecem disponíveis, mas sobre eles actua um mecanismo de escolha que nos ilude e nos inutiliza as opções mais racionais. Vivemos num Zollverein europeu (Martins adverte na pág. 56 de Política e Economia, 1959, que um «Zollverein é um prólogo de um império»), em breve teremos a mesma moeda, porque se não for o Ecu será forçosamente o Marco, mas o nosso fiel amigo de há perto quatro séculos, o bacalhau, foi-nos quase retirado ilegalmente com o consenso dos europeus-unidos, e a Renault escapa-se-nos do território, --- o que nos deixa a pior impressão possível sobre as novas solidariedades que nos estavam prometidas. Em que condições disporemos das águas dos rios internacionais? Não sabemos nem o sabe o nosso parlamento. Porque a diplomacia das grandes decisões negoceia-se cada vez mais secretamente.

A guerra do Vietnam foi um erro colossal, --- diz-nos MacNamara um dos seus grandes responsáveis, --- e quem restitui as vidas que esse erro custou e explica o apoio que toda a grande imprensa lhe deu? Que se dirá daqui a uns anos sobre Saddan Hussein, e sobre as guerras na Jugoslávia, que todavia sabemos condizerem com aqueles interesses pangermanistas, e portanto anti-paneslavitas, que originaram a primeira guerra mundial.

Nós temos todos uma imagem de vida em cuja base, e sumariamente, os eucariotas comem os procariotas, o zooplancton come o fitoplancton, o crick come o zooplancton, o peixe grande come o peixe pequeno, e o homem come regularmente o peixe grande --- para seguir, apenas, uma das séries da cadeia alimentar. Isto é cruel, mas é. E estou a deixar de lado a série da domesticação, que não tem mais de dez milénios, assim como estou a esquecer a próxima autodomesticação dos homens, com recursos espectaculares, como toda a gama de escravidão, da servidão e da proletarização, directas --- ou como formas inconscientes. Há formas mais ou menos simbólicas de abstenção; há os vegetarianos, os jejuns, os tabos alimentares, os períodos religiosos de privação alimentar determinada, --- mas nada nos impede de matar para comer, com especiais formas de sadismo, ou de remorso, que cada qual situa num dado grau da escada.” Óscar Lopes – Portugal


                 Em memória de Óscar Luso de Freitas Lopes 
               Leça da Palmeira 02.10.1917 -  Porto 22.03.2013
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Óscar Luso de Freitas Lopes licenciou-se em Filologia Clássica, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e em Ciências Histórico-Filosóficas, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Recebeu a Grã-Cruz da Ordem da Instrução Pública, em 1989, e a Ordem da Liberdade, em 2006.

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