Em
1547, Pedro Nunes foi nomeado cosmógrafo-mor do reino, tornando-se responsável
pelo padrão cartográfico oficial. Teve então a oportunidade de corrigir o que
considerava ser um erro grave no desenho das cartas
Por volta de 1560, numa nota
dirigida ao rei de Portugal, o cartógrafo português Lopo Homem queixa-se
asperamente do novo padrão cartográfico oficial, o Padrão del Rei, que tinha
sido instituído pelo cosmógrafo-mor, o matemático Pedro Nunes. O Padrão del Rei
era o modelo no qual todas as cartas náuticas utilizadas pelos pilotos ao
serviço da coroa se deveriam basear.
Segundo Lopo Homem, o novo
padrão tinha sido preparado utilizando os eclipses do Sol e da Lua para
determinar as longitudes dos lugares, mostrando que as distâncias reais de
Lisboa à Índia, e também às Ilhas Molucas, eram muito menores do que as
representadas nas cartas náuticas. No entanto, e de acordo com o seu
testemunho, “todas cartas que por este padrão depois se fizeram […] são muito
desvairadas de toda a verdade e ciência de navegar, e em todas as armadas que
foram à India se fizeram e aconteceram muito maus recados e más viagens em o
navegar por elas e se perderam muitas naus das armadas del rei … E por isto
forçados mandam los pilotos e navegantes fazerem suas cartas … a Castela”.
Na época em que esta nota foi
escrita, os pilotos sabiam perfeitamente que a distância entre Lisboa e a Índia
medida nas cartas náuticas estava exagerada. Pedro Nunes já se tinha queixado desse
facto cerca de vinte anos antes, no seu Tratado em Defesa da Carta de Marear
(1537), atribuindo-o à incompetência dos pilotos, “os quais lançam a direito
tudo o que passaram por tantos rodeios, dos quais não podem fugir”. Embora
Pedro Nunes estivesse certo quanto à exagerada distância longitudinal entre
Lisboa e a Índia, não tinha razão em atribuí-la à incompetência dos pilotos.
Em 1547, foi nomeado
cosmógrafo-mor do reino, tornando-se responsável pelo padrão cartográfico
oficial. Teve então a oportunidade de corrigir o que considerava ser um erro
grave no desenho das cartas. E assim o fez, começando por mandar fazer
observações astronómicas em Diu, a fim de determinar a sua longitude.
O resultado foi um novo padrão
em que a distância longitudinal entre Lisboa e a Índia aparece ligeiramente
encurtada, tal como num planisfério do mesmo Lopo Homem, desenhado em 1554. Uma
redução mais drástica, e mais próxima da realidade, teria sido obtida se as
observações mandadas fazer por Nunes tivessem melhor qualidade. No entanto, a
determinação da longitude através de observações astronómicas estava ainda
sujeita, naquela época, a erros consideráveis.
Voltando às queixas de Lopo
Homem, por que razão considerava o cartógrafo que as cartas feitas segundo o
padrão de Nunes “eram muito desvairadas de toda a verdade e ciência de
navegar”? Isto é, que tipo de erros poderia torná-las incompatíveis com as boas
práticas de navegação? Certamente não se trataria das distâncias entre os
lugares medidas sobre as cartas – em particular, entre Lisboa e a Índia – as
quais não eram geralmente de fiar.
O problema estava na
orientação das linhas de costa, particularmente da costa africana, que já não
estava de acordo com as indicações da agulha de marear. Por outras palavras, o
novo padrão tinha deixado de respeitar a concordância entre as direcções
representadas nas cartas e as que eram medidas pelos pilotos a bordo, uma
discordância absolutamente crítica para a segurança da navegação – muito mais
do que os erros nas distâncias. Alves
Gaspar – Portugal in "Público"
Joaquim
Alves Gaspar - Historiador de ciência do Centro de
Humanidades da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova
Lisboa. Este ensaio está a cargo do Projecto Medea-Chart do Centro
Interuniversitário de História das Ciências e Tecnologia da Faculdade de Ciências
da Universidade de Lisboa, que é financiado pelo Conselho Europeu de
Investigação.
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