Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

sexta-feira, 25 de março de 2016

Angola – Os factos da quinzena

Adaptado de um artigo no último número do quinzenário AGORA. 

Seleccionei quatro factos relevantes para esta Angola de construção quase adiada, nesta segunda quinzena do regresso do Agora, para deles falar. Alguns desses factos tiveram realização efetiva no tempo referido, outros apenas nele se terão repercutido.

1º Facto

Finalmente a Igreja Católica angolana começa a assumir a sua responsabilidade irrenunciável, como elemento fundamental na construção de uma angolanidade que não pode continuar, em nome de não sei que tipo de paz, a basear-se numa autêntica racionalização da falta de ética e de moralidade públicas, mesmo quando temos consciência que como humanos, não somos, geralmente, santos.

Resta-nos encorajar estas posições que vão, quiçá, contribuir para salvar a Angola dos nossos dias (já bastante danificada) e, especialmente, a Angola do futuro, a dos nossos filhos e netos.

É provável que, em pleno século XXI, perante este presente de iniquidades de um sistema político, venham os visados recordar aos nossos prelados de hoje, os erros do passado há muito relevados, como a inquisição e outros quejandos. A Igreja, nas suas responsabilidades hodiernas não deveria ceder, a troco do que quer que seja.

2º Facto

Falou-se muito das relações entre Portugal e Angola, e, como sempre, confundindo-se completamente conceitos e palavras-chaves sobre a matéria.
 
Uma das mais badaladas confusões conceituais é que os comentadores e lobbies autorizados do sistema angolano não conseguem ou fingem não ser possível distinguir-se entre relações Estado/Estado e de problemas relacionais de âmbito meramente pessoal, decorrentes da complexidade dos nossos laços objectiva e subjectivamente tecidos, ao longo do nosso relativamente longo processo histórico comum.

O último surto convulsivo de insultos a Portugal institucional e de cidadãos, em que se manifesta essa confusão conceitual, relaciona-se com um processo judicial que só indirectamente toca um governante angolano, o Vice-Presidente da República, mas na sua qualidade de pessoa humana, que dado o fato de realizar significativa actividade pessoal na antiga metrópole, como muitos de nós o fazemos (uns mais outros menos, de acordo com as afinidades e possibilidades que aí nos ligam). E curioso, tanto quanto se me deu a perceber, é que o próprio se dispôs a esclarecer calmamente a questão. Pode, efectivamente, comentar-se igualmente, “nas calmas”, o crónico problema da quebra do sigilo processual no sistema português de justiça que, no tem afectado também as próprias personalidades públicas portuguesas (incluindo o agora herói “angolano” Paulo Portas, que não o do antigo jornal Independente). Um problema que para lá de ser apenas português (o de certa promiscuidade, não de todo em todo de sentido negativo, entre a liberdade de imprensa e a autonomia do processo judicial) é, antes demais, euro-ocidental.

3º Facto

Aqui chegamos, de facto, ao principal facto na base do aparecimento de tantas carpideiras, no âmbito das relações Angola/Portugal que, segundo penso e se atesta, vão muito bem em todos os planos, não obstante um ex-ministro português, nessa confusão de conceitos, não se ter coibido de falar de um certo perigo de “judiciarização” das relações entre Portugal e Angola, o que, no meu ponto de vista, não difere muito duma invocação da necessidade de “angolanização” do sistema judicial português, já que Angola é 14 vezes maior que a antiga metrópole e tem, por isso, segundo um comentador angolano, “um Mercedes” quantas vezes maior e melhor que o “Mercedes” português.

Com efeito, nesta quinzena, continuou a dominar a questão do Processo 15+2, uma matéria que não mereceu a atenção, por exemplo, dos chamados meios de comunicação pública, em Angola, nesta fase em que, das detenções e prisões ilegais, tanto sob o ponto de vista adjectivo quanto substantivo, dos chamados “revus”, se chegou ao ridículo de invocar uma das muitas brincadeiras de formação de governos de “facebookianos”, sem qualquer nexo de causalidade com o assunto, como algo que devia acarretar a responsabilidade de explicação dos “indicados”, mesmo quando o autor da iniciativa escolhida foi o primeiro a explicar as razões do seu “exercício”, não sofrendo, por isso, qualquer incómodo.

Na verdade, há um meio de comunicação pública que aparece à liça – o Jornal de Angola –  que em páginas quase escondidas, tornou-se o instrumento de um tribunal que acha que deve ser respeitado, só por ser órgão formal de um Estado arrastado até ao mais fundo das indignidades, para citar personalidades cujo paradeiro é mais do que público e notório, ignorando todo o articulado dos códigos processuais civil e penal que salvaguardam a dignidade de pessoas a citar, em situações que não deveriam ser tão risíveis ou exprimindo tanta arrogância e abuso do poder.  Mas as injustiças de uma Justiça angolana pública e notoriamente comandada por “ordens superiores” vai muito longe, de tal forma que, se um dia um Portugal, igualmente soberano, se predispusesse a seguir os conselhos do eloquente Paulo Portas, poderia ver-se perante cenas como a que aconteceu com o Padre Pio, que como bom homem de Deus, acorreu urgentemente ao chamamento do arrogante tribunal, mas teve, a seguir, como prémio, a divulgação de um panfleto, no pátio e arredores da sua paróquia na Província da Huila, em que era acusado se ter usado o dinheiro dos paroquianos para se deslocar a Luanda, para responder a um interrogatório, na qualidade de suposto “golpista de estado” contra Sua Excelência o Arquitecto da Paz (já não era apenas um simples declarante). Contra mim, que me recusarei, até as últimas consequências, a participar em tal teatrização judicial, transbordam recados sobre a necessidade de me manter calmo e sereno (“como sempre o foi, porque se mete agora” – como se eu é que me tivesse metido –  “no sarilho desses miúdos!?”).

Pergunto se a Europa e Portugal, em particular, se degradaram tanto, pelo gosto ao material, que devido a certos investimentos de certos angolanos bem conhecidos, sendo tão minoritários e tão circunscritos em torno da figura de um chefe do Executivo em exercício, que se têm que calar, mesmo no plano de meras opiniões pessoais ou de sectores que pouco têm a ver com o âmbito das soberanias nacionais na sua plenitude. A menos que se trabalhe para a tão suspeita quanto evidente monarquização absoluta do regime angolano, supostamente, para melhor garantir alguns apetites, na antiga metrópole, não se tenha de depender de uma repartição justa de recursos em Angola, no âmbito de uma relação justa e solidária entre dois Estados e Povos, condenados a caminhar juntos.

4º Facto

Não será por esta tentativa de monarquização absolutista de Angola, com fervorosos fãs em Portugal que se ouviu um certo doutorado em questões militares angolanas e africanas, falar no grande perigo do afastamento da cena política de José Eduardo dos Santos, em 2018, devido à situação dos generais (que generais e porque se haviam de amotinar!)? Entretanto, por cá, um comentador político, quase sempre encomendado sem contraditório na nossa TPA, o que não parece disfarçar a sua “boa alimentação” por fontes altíssimas, ele mesmo, foi o primeiro a corroborar a minha dúvida, sobre se a dita comunicação surpreendente da retirada de dos Santos não é senão e, mais uma vez, apenas um fait-divers, que segundo ele (o comentador) é de todo em todo legítimo, para um político de tamanha e inigualável craveira.

O que é que é essencial afinal, independente de políticos que se retirem ou se mantenham, neste ou naquele partido?

1- Que dentro do nosso país, sejamos respeitados e se acabe com a vergonha de prisioneiros políticos com pretextos tão risíveis quanto insuportáveis como no caso do Dr. Marcos Mavungo, em Cabinda, e dos chamados “revus”, em Luanda;

2- Que se acabe com a partidarização descarada do Estado, onde o bom comportado é aquele que não se arrepia com a existência de “empresários do MPLA”, “juristas do MPLA”, etc. que tomam conta de tudo de forma descarada, nas respectivas áreas e coisas assim;

3- Acabar e termos capacidade de ridicularizar o uso de fantasmas, como o longínquo 27 de Maio, que em vez de ser resolvido a favor das vítimas, tão antigas como isso, é hoje utilizado pelo “comando supremo”, para amedrontar a juventude, legitimamente ciosa de exercer os seus direitos e deveres como cidadãos;

4- Debater, urgentemente, a interferência tão descarada do poder executivo sobre a Justiça, transformando aquilo que devia haver de mais sagrado num país e num sistema de democracia em construção, no campo do ridículo e de tanta falta de seriedade. Marcolino Moco – Angola in “Moco Produções”

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