Adaptado
de um artigo no último número do quinzenário AGORA.
Seleccionei
quatro factos relevantes para esta Angola de construção quase adiada, nesta
segunda quinzena do regresso do Agora, para deles falar. Alguns desses factos
tiveram realização efetiva no tempo referido, outros apenas nele se terão
repercutido.
1º Facto
Finalmente a Igreja Católica
angolana começa a assumir a sua responsabilidade irrenunciável, como elemento
fundamental na construção de uma angolanidade que não pode continuar, em nome
de não sei que tipo de paz, a basear-se numa autêntica racionalização da falta
de ética e de moralidade públicas, mesmo quando temos consciência que como
humanos, não somos, geralmente, santos.
Resta-nos encorajar estas
posições que vão, quiçá, contribuir para salvar a Angola dos nossos dias (já
bastante danificada) e, especialmente, a Angola do futuro, a dos nossos filhos
e netos.
É provável que, em pleno
século XXI, perante este presente de iniquidades de um sistema político, venham
os visados recordar aos nossos prelados de hoje, os erros do passado há muito
relevados, como a inquisição e outros quejandos. A Igreja, nas suas
responsabilidades hodiernas não deveria ceder, a troco do que quer que seja.
2º Facto
Falou-se muito das relações entre
Portugal e Angola, e, como sempre, confundindo-se completamente conceitos e
palavras-chaves sobre a matéria.
Uma das mais badaladas
confusões conceituais é que os comentadores e lobbies autorizados do sistema
angolano não conseguem ou fingem não ser possível distinguir-se entre relações
Estado/Estado e de problemas relacionais de âmbito meramente pessoal,
decorrentes da complexidade dos nossos laços objectiva e subjectivamente
tecidos, ao longo do nosso relativamente longo processo histórico comum.
O último surto convulsivo de
insultos a Portugal institucional e de cidadãos, em que se manifesta essa
confusão conceitual, relaciona-se com um processo judicial que só
indirectamente toca um governante angolano, o Vice-Presidente da República, mas
na sua qualidade de pessoa humana, que dado o fato de realizar significativa
actividade pessoal na antiga metrópole, como muitos de nós o fazemos (uns mais
outros menos, de acordo com as afinidades e possibilidades que aí nos ligam). E
curioso, tanto quanto se me deu a perceber, é que o próprio se dispôs a
esclarecer calmamente a questão. Pode, efectivamente, comentar-se igualmente,
“nas calmas”, o crónico problema da quebra do sigilo processual no sistema
português de justiça que, no tem afectado também as próprias personalidades
públicas portuguesas (incluindo o agora herói “angolano” Paulo Portas, que não
o do antigo jornal Independente). Um problema que para lá de ser apenas
português (o de certa promiscuidade, não de todo em todo de sentido negativo,
entre a liberdade de imprensa e a autonomia do processo judicial) é, antes
demais, euro-ocidental.
3º Facto
Aqui chegamos, de facto, ao
principal facto na base do aparecimento de tantas carpideiras, no âmbito das
relações Angola/Portugal que, segundo penso e se atesta, vão muito bem em todos
os planos, não obstante um ex-ministro português, nessa confusão de conceitos,
não se ter coibido de falar de um certo perigo de “judiciarização” das relações
entre Portugal e Angola, o que, no meu ponto de vista, não difere muito duma
invocação da necessidade de “angolanização” do sistema judicial português, já
que Angola é 14 vezes maior que a antiga metrópole e tem, por isso, segundo um
comentador angolano, “um Mercedes” quantas vezes maior e melhor que o
“Mercedes” português.
Com efeito, nesta quinzena,
continuou a dominar a questão do Processo 15+2, uma matéria que não mereceu a
atenção, por exemplo, dos chamados meios de comunicação pública, em Angola,
nesta fase em que, das detenções e prisões ilegais, tanto sob o ponto de vista
adjectivo quanto substantivo, dos chamados “revus”, se chegou ao ridículo de
invocar uma das muitas brincadeiras de formação de governos de “facebookianos”,
sem qualquer nexo de causalidade com o assunto, como algo que devia acarretar a
responsabilidade de explicação dos “indicados”, mesmo quando o autor da
iniciativa escolhida foi o primeiro a explicar as razões do seu “exercício”,
não sofrendo, por isso, qualquer incómodo.
Na verdade, há um meio de
comunicação pública que aparece à liça – o Jornal de Angola – que em páginas quase escondidas, tornou-se o
instrumento de um tribunal que acha que deve ser respeitado, só por ser órgão
formal de um Estado arrastado até ao mais fundo das indignidades, para citar
personalidades cujo paradeiro é mais do que público e notório, ignorando todo o
articulado dos códigos processuais civil e penal que salvaguardam a dignidade
de pessoas a citar, em situações que não deveriam ser tão risíveis ou
exprimindo tanta arrogância e abuso do poder.
Mas as injustiças de uma Justiça angolana pública e notoriamente
comandada por “ordens superiores” vai muito longe, de tal forma que, se um dia
um Portugal, igualmente soberano, se predispusesse a seguir os conselhos do
eloquente Paulo Portas, poderia ver-se perante cenas como a que aconteceu com o
Padre Pio, que como bom homem de Deus, acorreu urgentemente ao chamamento do
arrogante tribunal, mas teve, a seguir, como prémio, a divulgação de um
panfleto, no pátio e arredores da sua paróquia na Província da Huila, em que
era acusado se ter usado o dinheiro dos paroquianos para se deslocar a Luanda,
para responder a um interrogatório, na qualidade de suposto “golpista de
estado” contra Sua Excelência o Arquitecto da Paz (já não era apenas um simples
declarante). Contra mim, que me recusarei, até as últimas consequências, a
participar em tal teatrização judicial, transbordam recados sobre a necessidade
de me manter calmo e sereno (“como sempre o foi, porque se mete agora” – como
se eu é que me tivesse metido – “no
sarilho desses miúdos!?”).
Pergunto se a Europa e
Portugal, em particular, se degradaram tanto, pelo gosto ao material, que
devido a certos investimentos de certos angolanos bem conhecidos, sendo tão minoritários
e tão circunscritos em torno da figura de um chefe do Executivo em exercício,
que se têm que calar, mesmo no plano de meras opiniões pessoais ou de sectores
que pouco têm a ver com o âmbito das soberanias nacionais na sua plenitude. A
menos que se trabalhe para a tão suspeita quanto evidente monarquização
absoluta do regime angolano, supostamente, para melhor garantir alguns
apetites, na antiga metrópole, não se tenha de depender de uma repartição justa
de recursos em Angola, no âmbito de uma relação justa e solidária entre dois
Estados e Povos, condenados a caminhar juntos.
4º Facto
Não será por esta tentativa de
monarquização absolutista de Angola, com fervorosos fãs em Portugal que se
ouviu um certo doutorado em questões militares angolanas e africanas, falar no
grande perigo do afastamento da cena política de José Eduardo dos Santos, em
2018, devido à situação dos generais (que generais e porque se haviam de
amotinar!)? Entretanto, por cá, um comentador político, quase sempre
encomendado sem contraditório na nossa TPA, o que não parece disfarçar a sua
“boa alimentação” por fontes altíssimas, ele mesmo, foi o primeiro a corroborar
a minha dúvida, sobre se a dita comunicação surpreendente da retirada de dos
Santos não é senão e, mais uma vez, apenas um fait-divers, que segundo ele (o
comentador) é de todo em todo legítimo, para um político de tamanha e
inigualável craveira.
O que é que é essencial
afinal, independente de políticos que se retirem ou se mantenham, neste ou
naquele partido?
1- Que dentro do nosso país,
sejamos respeitados e se acabe com a vergonha de prisioneiros políticos com
pretextos tão risíveis quanto insuportáveis como no caso do Dr. Marcos Mavungo,
em Cabinda, e dos chamados “revus”, em Luanda;
2- Que se acabe com a
partidarização descarada do Estado, onde o bom comportado é aquele que não se
arrepia com a existência de “empresários do MPLA”, “juristas do MPLA”, etc. que
tomam conta de tudo de forma descarada, nas respectivas áreas e coisas assim;
3- Acabar e termos capacidade
de ridicularizar o uso de fantasmas, como o longínquo 27 de Maio, que em vez de
ser resolvido a favor das vítimas, tão antigas como isso, é hoje utilizado pelo
“comando supremo”, para amedrontar a juventude, legitimamente ciosa de exercer
os seus direitos e deveres como cidadãos;
4- Debater, urgentemente, a
interferência tão descarada do poder executivo sobre a Justiça, transformando
aquilo que devia haver de mais sagrado num país e num sistema de democracia em
construção, no campo do ridículo e de tanta falta de seriedade. Marcolino Moco – Angola in “Moco
Produções”
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