Fagim
e Serém, diretores da Através Editora: «A magia do nosso projeto é que muitas
pessoas doam o seu tempo e o seu saber».
«A
respeito de Portugal o que nos mostra a experiência da Através é que não chega
com editar em galego internacional para os livros serem vendidos. É precisa
rede humana e prescritores/as»
Xosé Antón Serém e Valentim
Fagim som os atuais diretores da Através Editora, o selo editorial da Associaçom
Galega da Língua (AGAL). O processo editorial, os
retos para a ediçom em galego-português ou a distribuiçom de livros galegos em
Portugal som alguns dos temas principais da conversa que tivemos com os nossos
entrevistados.
Uma editora é, como destaca
Roberto Calasso, algo mais que uma Marca editorial, é um projeto, um conjunto
de títulos que entre eles conformam uma mensagem, uma proposta ao lê-las em
conjunto… Qual é a mensagem de Através? Ou qual quereria ser?
Xosé
Antón Serém: É comum o ditado de que umha editora é o seu
catálogo. E nom vou discordar. Parece umha evidência, mas nom o é tanto. Fazer
um catálogo coerente, sem estridências e na medida do possível vinculado à
qualidade já é maravilhoso, mas se ainda por riba propós novas ideias, tentas
abrir caminhos, provocas conexons sugestivas e te deixas contagiar da riqueza
humana e intelectual que se respira ao teu redor, já é mel sobre filhoas.
Através tenta ser um pouquinho de todo isto. É a gente a que deve dizer se o
imos conseguindo. Nós estamos bastante satisfeitos.
Acho que Através emite varias
mensagens, sem ir mais longe, que a riqueza dum movimento social, como é o
reintegracionismo, foi e é motor da editora, mas que esta nom se circunscreve
só a ele. Outra, que se ofereces livros e propostas interessantes a gente
agradece, e nom olha muito em que grafia está escrito. Pola via dos factos
estamos dando também a mensagem de que se podem fazer projetos que incidem no
cerne da cultura do país, sem ter que esperar a que os dinossauros das
instituiçons despertem algum dia do seu sono amnésico. Outra mensagem é que
podemos trabalhar horizontalmente, em rede, com umha excecional rede de
colaboradoras /es, sem hierarquias.
Valentim
Fagim: O nome da editora envia uma mensagem, Através quer atravessar fronteiras mentais e físicas. Fomos
educados, ou melhor sociabilizados, para nos limitar. O galego é local e serve
para o que serve, que é pouco segundo se nos diz. Através quer contestar esta forma de viver, quer no formato de
galego que usa, quer nos temas que trata. Pessoalmente, o que mais me satisfaz
do nosso trabalho são aqueles livros que são adquiridos por pessoas que não têm
o hábito de ler em galego internacional. Lembro agora o caso de O pequeno é
grande, a respeito do minifúndio na Galiza. Penso nos seus leitores e leitoras
e fico satisfeito como editor.
Através
começou como uma editora “salva vidas”… isto é uma empresa para socorrer
náufragos reintegratas e outros rebeldes que não podiam encontrar editora no
sistema cultural galego, tão fechado como é. Mas como evoluiu? como funciona
hoje, quem quer editar em Através, como se escolhe após ter editado destacadas
e premiadas obras, em ensaio, poesia e prosa?
X.
A.:
Acho que nom houvo muito de editora “socorrista” nos seus começos nem agora.
Tínhamos claro que a maturidade, a riqueza, a rede tecida polo
reintegracionismo podia promover umha editora marcante, com os objetivos de
qualidade e interesse.Isso sim, estamos encantados de recebermos náufragos,
reintegratas e rebeldes do país no nosso catálogo atravessado.
V.
F.:
A Através dá um bom serviço para pessoas que escrevem habitualmente em galego
internacional e num primeiro momento essas foram as nossas edições mas também
recebemos propostas de pessoas que não têm esse hábito cultural mas que, por
razões de todo o tipo, querem publicar uma dada obra nesse formato de língua. É
o caso do celebrado Galiza, um povo sentimental?, da Helena Miguélez, por
exemplo.
Os processos de escolha não
são simples. Cada projeto é avaliado por duas pessoas, uma da equipa editorial
e outra externa e tomamos em consideração muitas variáveis. Afinal, somos uma
editora amadora, fazemos isto por amor, e só temos capacidade de editar 11
livros por ano. A amadorismo tem uma parte de limitação mas também de aventura.
Adoramos a aventura.
As
questões pendentes do livro galego e especificamente do livro reintegrata são o
mercado português e a profissionalização? São um sonho, um objetivo a meio
prazo… uma desesperação?
X.
A.:
Quanto à profissionalizaçom, nom é descartável, mas nom há que esquecer que
vimos dum movimento social, com um grau de ativismo alto, e isso trabalha em
contra da profissionalizaçom. Em todo o caso, há umha semiprofissionalizaçom do
processo (pessoa liberada a tempo parcial, distribuidoras…).
Quanto a Portugal, cada vez
penso mais que temos umha especie de “sebastianismo” com isso: estamos sempre à
espera de que Portugal reconheça a Galiza, e na verdade isso despista-nos
bastante de muitas outras tarefas pendentes. Em todo o caso, o que precisamos é
de mais contato e prescritores com o mundo cultural lusófono, que até agora só
está nos departamentos de português da Universidade ou das EOI.
V.
F.:
A respeito de Portugal o que nos mostra a experiência da Através é que não
chega com editar em galego internacional para os livros serem vendidos. É
precisa rede humana e prescritores/as. Estamos nesse processo de construção de
rede que é uma das chaves que torna a estratégia reintegracionista tão
interessante e tão rica a respeito da estratégia autonomista.
Quanto à profissionalização,
na equipa temos uma pessoa que recebe um salário e centra a sua ação no contato
com as distribuidoras, temas económicos, loja on-line, envio de livros aos
clubistas, etc. Toda essa parte feita amadoramente seria muito pouco eficaz.
A magia do nosso projeto é que
no processo de transformar um rascunho num livro impresso há muitas pessoas
envolvidas que doam o seu tempo e o seu saber. A chave é combinar ambos os
processos, profissional no que não pode ser amador e amador no que sim pode ser.
Aproveito esta entrevista para agradecer todas as colaborações neste sentido,
avaliação de originais, revisões linguísticas, capas, diagramações, etc. Como
diziam em La Bola de Cristal: sólo no
puedes, con amigos sí.
Desde
os anos 70, o mexicano Gabriel Zaid (o autor de “Los demasiados libros”) vinha
apontando que o número de livros que se publicavam e as editoras era excessivo,
na época dourada do texto electrónico, das grandes editoras na rede e do e-book
(do que alguns já apontam certo declínio)… por que editar em papel?
X.
A.: Primeiro
dizer que o velho matemático é discípulo do Rafael Dieste, que delicia de
intelectuais! Vou à pergunta: também deveríamos editar em e-book, mas o papel
aí está, é um artefacto que para certo tipo de leituras continua a ser
revolucionário.
Para mim a dia de hoje há umha
leitura centrífuga, rápida, internética, fascinante, porque enlaça umha cousa
com outras em questons de segundos (e com áudios, vídeos, imagens…) e umha
leitura em papel mais sossegada, reconcentrada, profunda, fascinante também
quando atopamos esses livros que nos capturam. Vejo-as complementares.
V.
F.:
A priori parecia e parece que tudo ia ser digital mas os analógicos não morrem.
Há pessoas que gostamos de tocar e sentir o papel. Talvez seja uma doença ainda
não diagnosticada. Seja como for, a versão em epub é um tema que temos pendente
e a única forma eficaz de chegar ao público brasileiro e africano.
O
mercado do livro galego é anómalo. Por uma banda está super-saturado de
propostas editoriais, por outra tem um mercado estancado, dependente do mundo
institucional e da leitura escolar… Publicar reintegracionistas, autores
galegos em Português, como encaixou aí? como achais que vos recebe o público? e
os livreiros?
X
.A.:
Penso que um dos traços mais desesperantes é que nom engancha mais público. Há
umha minoria que se interessa polo livro galego ou de tema galego, e a grande
maioria nom liga. Nós temos autoras e autores mui potentes, com um público que
as segue, mas entendo que é essa minoria sempre.
No público há de todo, desde o
que se surpreende até o que nos parabeniza. Polo geral, muito bem. Temos claro
que devemos ser mui pedagógicos com a difusom do nosso catálogo. Os livreiros
bastante bem, mas o sector da cultura com o que estou mais felizmente
surpreendido e contente é com os críticos. Eles e elas estám sendo os nossos
melhores embaixadores.
V.
F.: No
mundo editorial mais institucional intuo que tarde ou cedo vai haver um
colapso. Os números não dão. Intuo que a maioria das obras que se editam na
Galiza tenham tiragens de 300-500 exemplares. Isto é aceitável para editoras
pequenas mas nem tanto para grandes maquinarias editoriais. Cada vez há menos
investimento a fundo perdido por parte das instituições públicas porque cada
vez há menos capital e menos necessidade de investir no galego. Que sucederá
quando o colapso chegar… ? Saberemos logo.
O
livro infantil em papel suporta bem as crises, tanto a do digital como a das
livrarias. É universo próprio onde o caráter tátil do livro-objeto, o desenho,
os formatos apresenta regras próprias; por outra banda, o livro
infantil-juvenil é uma das chaves e indicadores de uma língua normalizada… Para
quando o reintegracionismo se aventura aí?
X
.A.:
Estamo-lo pensando. É umha questom que dividiu o Conselho editorial bastante
tempo porque é um livro muito especial de fazer e caro. Ademais, Galiza tem
varias editoras específicas muito potentes e prestigiosas em livro infantil, e
que também editam em português. Por outra parte, trabalhar a etapa infantil e
juvenil suporia ajudar a pôr essa semente para a Galiza do futuro.
V.
F.:
Com efeito, é um debate larvado na equipa que ressurge periodicamente mas é
quase certo que daremos esse passo. O desafio é que a maioria de edições em
infantil costumam ser made in China, motivado polo formato do livro, e nós não
vamos enveredar por aí. Teremos que planificar muito e bem cada projeto. Seja
como for, está para nascer essa tal coleção infantil. Não demorará. In “Portal
Galego da Língua” - Galiza
Sem comentários:
Enviar um comentário