Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Nações Unidas - Organização Internacional para as Migrações alerta para preconceitos contra imigrantes brasileiras em Portugal

Relatório da Organização Internacional para as Migrações destaca “estereótipo sexual” sobre as mulheres brasileiras. O projeto Brasileiras Não Se Calam quer dar voz a quem vive o preconceito na hora de imigrar

A Organização Internacional para as Migrações, (OIM) alertou para a persistência de um estereótipo sexual sobre as mulheres imigrantes de nacionalidade brasileira em Portugal, no Relatório sobre Migrações Mundiais 2024.

No relatório, a OIM revelou que “os estereótipos da hipersexualidade das mulheres nos países de destino também afetaram as mulheres migrantes, como as brasileiras em Portugal”. Elas seriam estigmatizadas como trabalhadoras de sexo o que estaria “a conduzir a riscos acrescidos de sofrerem assédio sexual e violência de género”.

Brasileiras Não Se Calam

O chefe de missão da OIM em Portugal, Vasco Malta, confirma à ONU News que este tipo de preconceito ainda persiste em Portugal. Esta realidade “faz com que estas mulheres tenham muita dificuldade em encontrarem uma habitação condigna e que sejam vítimas de preconceito, de xenofobia e de racismo”.

Mariana Braz conhece bem estas dificuldades, sobretudo desde que lançou, em 2020, o projeto Brasileiras Não Se Calam. Juntamente com outras quatro mulheres, criou uma página no Instagram com o objetivo de recolher relatos de assédio e discriminação contra brasileiras imigrantes em todo o mundo.

A psicóloga, que vive em Portugal há sete anos, revela à ONU News que o projeto já recebeu centenas de relatos de brasileiras em vários países da Europa, como Portugal, Espanha, Alemanha e Inglaterra, mas também já receberam mensagens de brasileiras a viver no Japão ou no Egipto.

“Não é uma coisa a nível pessoal, é uma coisa estrutural e acho que compartilhar os relatos acaba fazendo com que as mulheres tenham consciência dessas violências, tanto as que já emigraram e também as que pretendem emigrar, de irem um pouco alertadas de que isso pode acontecer.”



“Situação de muita vulnerabilidade”

A especialista confirma que a discriminação acontece nos mais diversos espaços, incluindo nos transportes públicos, no local de trabalho, nas universidades, mas o acesso à habitação é uma das principais dificuldades das imigrantes brasileiras.

“Embora isso seja uma prática que é criminalizada, acontece muito das pessoas ligarem e já na ligação falar não arrenda para brasileiros e aí a imigrante fica numa situação de muita vulnerabilidade.”

Muitas imigrantes brasileiras veem-se confrontadas com a exigência do pagamento de cauções muito elevadas ou acabam por ter de arrendar casa em zonas mais afastadas do local de trabalho. Mas para Mariana Braz, o relato com mais impacto até hoje chegou por parte de uma adolescente brasileira em Portugal que foi vítima de assédio sexual na escola por parte de colegas.

“Ela procurou a direção da escola para contar o que aconteceu e a direção culpabilizou-a porque ela é brasileira e foi para a escola de calça jeans”, afirma.

Séculos de preconceitos coloniais

Mariana Braz afirma que muitos destes preconceitos foram construídos ao longo de séculos, com início na colonização do Brasil, e que se mantêm até hoje no imaginário social português.

“Muitos desses relatos estão ligados a um suposto corpo colonial que é enxergado como podendo ser tocado sem consentimento, que é visto como exótico, como promíscuo e, por isso, supostamente sempre disponível para o ato sexual”, lamenta.

Vasco Malta lembra que a vaga de imigração brasileira nos anos 1990 também contribuiu para este estereótipo. O impacto da crise financeira dessa altura no Brasil, associada à entrada de Portugal na então Comunidade Económica Europeia criou as condições para que muitos jovens brasileiros imigrassem para terras portuguesas, sobretudo pessoas com poucos recursos.

Mães de Bragança

O chefe de missão da OIM recorda o caso das “Mães de Bragança”, que em 2003 criou um movimento de mulheres portuguesas que procuravam a expulsão de brasileiras que trabalhavam em bordéis na cidade de Bragança. A repercussão foi tal que acabou por fazer capa em vários jornais de referência global.

“Muitos se lembrarão da capa da TIME sobre as Mães de Bragança, para relembrar que o preconceito e a ligação da mulher brasileira à prostituição já vem em Portugal desde essa altura”, acrescenta.

Apoio jurídico e psicológico

Com mais de 54 mil seguidores na rede social Instagram, o grupo Brasileiras Não se Calam evoluiu para uma rede de entreajuda para brasileiras a viver no estrangeiro, com grupos de apoio psicológico, jurídico, aulas e cursos. Em outubro o grupo vai lançar um podcast para dar voz a mulheres, cuja nacionalidade ainda é um rótulo.

Os relatos que vão chegando à OIM em Portugal são encaminhados para as autoridades, mas ainda é difícil denunciar.

“Acho que muitas pessoas acabam cometendo essa discriminação porque têm certeza da impunidade, têm certeza que não vai dar em nada, porque o processo é muito burocrático para que se faça denúncia.”

Mulheres imigrantes sofrem mais

O chefe de missão da OIM garante que as mulheres migrantes em Portugal enfrentam mais desafios e estereótipos que os homens migrantes, o que acaba por dificultar a plena integração na sociedade.

“Já foi reportado, algumas vezes, a violência de género e se a mulher está num âmbito de uma relação abusiva, não falando a língua, tem logo uma maior dificuldade em pedir apoio e tem uma muita dificuldade para escapar”.

Vasco Malta aponta ainda o acesso ao mercado de trabalho qualificado e à saúde como as principais dificuldades.

O Relatório sobre Migrações Mundiais 2024, divulgado em maio de 2024, incidiu ainda sob o impacto da pandemia da covid-19 para os fluxos migratórios e destacou a rapidez com que Portugal tomou medidas excecionais para responder às necessidades dos imigrantes, nomeadamente ter "regularizado temporariamente o estatuto de todos os migrantes". Sara Rocha – Portugal ONU News

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Sara de Melo Rocha é correspondente da ONU News em Lisboa


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