Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

domingo, 8 de setembro de 2024

Portugal - Estudo do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde descobre alteração no sangue que prediz Doença de Crohn

Revelação do mecanismo antes dos sintomas e diagnóstico abre caminho para a identificação de um biomarcador capaz de prever e de prevenir a doença


Uma equipa internacional de investigadores, liderada por Salomé Pinho, do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S), descobriu uma assinatura única de glicosilação em anticorpos (moléculas do sistema imunitário) que é detetável no sangue muitos anos antes do desenvolvimento de sintomas e do diagnóstico clínico de Doença de Crohn.

A identificação desta glicoforma alterada de anticorpos poderá ser responsável pelo início da inflamação até seis anos antes do diagnóstico e da sintomatologia. A revelação deste mecanismo numa fase pré-clínica (antes dos sintomas e diagnóstico) abre caminho para a identificação de um biomarcador capaz de prever o início da doença e de a prevenir.

Neste trabalho pioneiro, cujos resultados foram publicados na prestigiada revista científica Nature Immunology, a equipa estudou pela primeira vez o que acontece na transição da saúde para a doença, e em concreto para a inflamação intestinal que caracteriza os doentes com Doença de Crohn. Para isso, centrou-se especificamente na caracterização da composição de glicanos (açúcares complexos) que modificam os anticorpos que temos em circulação.

Em colaboração com o Hospital Mount Sinai, Nova Iorque, EUA e com o Departamento de Defesa dos EUA, foram analisados milhares de soros provenientes de amostras de sangue de indivíduos (militares) numa fase pré-clínica, até seis anos antes do desenvolvimento e diagnóstico de Doença de Crohn.

As amostras foram recolhidas em quatro momentos temporais (um mais próximo do diagnóstico e os outros dois, quatro e seis anos antes do diagnóstico).

Foram também analisadas amostras de sangue de doentes com a doença já estabelecida, assim como de familiares em primeiro grau de doentes com Doença de Crohn e de indivíduos saudáveis, obtidas em colaboração com o serviço de Gastroenterologia do Centro Hospitalar Universitário de Santo António no Porto e com o serviço de Gastroenterologia do Hospital Beatriz Ângelo e do Hospital da Luz em Lisboa.

Em colaboração com investigadores da Croácia, foi feita a caracterização do perfil de glicosilação de anticorpos em circulação, com recurso a tecnologia avançada. Os investigadores encontraram uma alteração única na composição de glicanos desses anticorpos circulantes, tendo verificado que essa alteração é detetável até seis anos antes do diagnóstico e que se mantém constante durante todo o período que antecede os sintomas clínicos.

Esta descoberta pioneira abre assim portas para a identificação de um biomarcador não-invasivo capaz de prever o diagnóstico de Doença de Crohn e, desta forma, estratificar o risco de desenvolver a doença.

Descoberta “abre portas” para a prevenção da doença

A equipa descobriu também que os anticorpos ASCA, que normalmente são detetados em 40 a 60 por cento dos doentes com Doença de Crohn e que se pensava não terem influência no desenvolvimento da doença, “têm uma glicoforma que é patogénica e que começa a montar a resposta inflamatória muitos anos antes do diagnóstico da doença”, adianta Salomé Pinho, líder do grupo “Immunology, Cancer & GlycoMedicine” e professora afiliada da Faculdade de Medicina (FMUP) e do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) da U.Porto.

“Demonstrámos que esta glicoforma de ASCA, detetada na fase pré-clínica, desencadeia uma resposta do sistema imune pró-inflamatória através da ativação e reprogramação de células imunes inatas, tais como células dendríticas e células NK”. Isto significa, sublinha Joana Gaifem, uma das primeiras autoras do estudo e investigadora júnior no grupo do i3S, “que identificámos uma potencial causa ou uma das causas desta doença assim como um potencial alvo de futuras abordagens para a prevenção da Doença de Crohn”.

Esta descoberta “de um potencial novo biomarcador preditivo da Doença de Crohn revela um novo alvo que poderá abrir portas para a prevenção da doença”, acrescenta Cláudia Rodrigues, coprimeira autora do artigo e estudante do Programa Doutoral em Ciências Biomédicas do ICBAS, a fazer investigação no i3S.

Ensaios clínicos arrancam já em 2025

No âmbito do projeto europeu GlycanTrigger, também liderado por Salomé Pinho, e com base nestas descobertas, a equipa deste consórcio, da qual faz parte a gastroenterologista Joana Torres, do Hospital da Luz-Lisboa, e o gastroenterologista Jean-Frederic Colombel, do Mount Sinai-Nova Iorque, vai arrancar, já em 2025, com um ensaio clínico com doentes com a Doença de Crohn que removeram cirurgicamente parte do intestino.

“Vamos fazer uma intervenção no pós-cirurgia (após remoção do segmento de intestino que se encontra doente) que visa modular a glicosilação, assim atuando num dos potenciais mecanismos primários da doença, e tentar perceber qual o impacto a nível do sistema imunitário do intestino e do microbioma intestinal”, explica Joana Torres. O recrutamento de doentes vai começar naquele hospital no início de 2025.

Entretanto, acrescenta Salomé Pinho, “como as amostras cedidas pelo Departamento de Defesa dos EUA se restringem a militares jovens, predominantemente do sexo masculino e com atividade militar, o próximo passo será validar o desempenho preditivo do glicomarcador noutros estudos”.

Sobre a Doença de Crohn

A doença de Crohn é uma doença intestinal inflamatória crónica e imune-mediada que causa inflamação do trato digestivo. Os sintomas comuns são diarreia, dor abdominal, fadiga, perda de peso, entre outros. Pode afetar todos os grupos etários, mas tipicamente é diagnosticada em adolescentes e adultos jovens.

Nos últimos anos, em Portugal e em todo o mundo, tem-se assistido a uma incidência crescente desta patologia que anda não tem cura. Existem, contudo, vários tratamentos disponíveis que têm como objetivo travar a resposta inflamatória exacerbada que caracteriza esta patologia.

Em muitos casos, consegue-se controlar a doença, evitando que as pessoas tenham crises durante longas temporadas. Contudo, continua a ser uma doença com um enorme impacto na qualidade de vida dos doentes, com uma proporção de indivíduos a não responder aos tratamentos atualmente disponíveis e a necessitar de cirurgia, o que realça a importância de se investigarem novos paradigmas, nomeadamente o de diagnosticar precocemente a doença e prevenir o seu início ou as suas complicações. Universidade do Porto - Portugal

 


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