Com limitações de recursos humanos e financeiros, é com
um maior apoio dos mecenas e parceiros, a que está aliado um grande
envolvimento dos cerca de 40 jovens doutorandos ali a trabalhar nos seus
trabalhos de investigação e a flexibilidade da equipa residente, que o Centro
Científico e Cultural de Macau (CCCM), em Lisboa, tem conseguido levar adiante
várias iniciativas. Em entrevista ao Ponto Final, a sua dirigente, Cármen Amado
Mendes, fala sobre o mapeamento, que tem levado a cabo, da comunidade
científica que está a investigar a Ásia em Portugal, mas também sobre os vários
projectos que ainda estão por vir, incluindo o lançamento de um catálogo do
Museu do CCCM, até ao fim do ano, e uma grande exposição de figuras de
terracota, que terá lugar em 2025
Que balanço faz deste período, desde que está à frente do CCCM?
Tomei
posse numa fase um pouco complicada, que foi a altura da pandemia. Havia uma
série de problemas pendentes aqui na instituição para resolver, nomeadamente
questões ligadas às próprias infraestruturas, a relação com o mecenato, com os
nossos parceiros, com o estabelecimento de protocolos, mas foi um período que
nos permitiu projectar o que é que iríamos fazer nos cinco anos desta minha
comissão de serviço à frente do Centro. Lançámos vários projectos. E foram
organizados em várias esferas, que correspondem, no fundo, aos vários pilares
desta casa, que é uma casa com características muito especiais, porque reúne no
mesmo espaço um museu, uma biblioteca, um centro de investigação, um centro de
formação, uma casa editorial e um espaço para eventos, que podem ser
exposições, palestras, saraus literários e musicais, lançamento de livros.
Acaba por haver uma grande variedade de iniciativas organizadas nos últimos
anos e penso que isso é visível junto do público que nos segue, que é muito
diversificado. Temos público especializado da área académica para eventos mais
centrados nessa área, como simpósios e conferências internacionais, mas também
um público infantil — temos organizado muitos eventos para crianças — e até um
público sénior, porque temos colaboração regular com uma universidade sénior em
Lisboa. Temos também pessoas da área da museologia, pessoas da área da
biblioteca e arquivos e, claro, os próprios investigadores.
Quando assumiu a liderança do CCCM, lançou um plano
estratégico, de 2020 a 2030, onde identificava várias dificuldades. Mantêm-se?
Como conseguiu contorná-las?
Foi
um plano muito ambicioso, que identificou as limitações existentes ao nível de
recursos humanos, recursos financeiros, problemas pendentes que estavam por
resolver na instituição, mas eu penso que, tendo em conta que muitas dessas
limitações de recursos humanos e financeiros se têm mantido, ultrapassámos
muito daquilo que era expectável que se conseguisse fazer com estes recursos e
isso foi, sobretudo, devido à boa vontade da equipa, que tem feito muito para
além daquilo que é a sua obrigação. Isso foi feito também graças ao mecenato.
Gostaria de referir que a Fundação Jorge Álvares tem sido tradicionalmente (e
continua a ser) o nosso principal mecenas e ajudou a desbloquear muitas
questões que não estão tradicionalmente na área do mecenato, permitindo-nos
inaugurar, por exemplo, as novas instalações da biblioteca — aliás,
precisamente por isso, ficou a designar-se Biblioteca Fundação Jorge Álvares do
Centro Científico e Cultural de Macau. Quero destacar também a Fundação para a
Ciência e Tecnologia (FCT), que nos ofereceu um programa muitíssimo ambicioso,
permitindo-nos tornar a instituição em Portugal que fomenta investigação sobre
a Ásia — ao atribuir anualmente 10 bolsas de doutoramento a teses que se
dediquem à Ásia, isso fez com que alunos que de outra forma escolheriam outros
temas ou não avançariam para uma carreira de investigação, vissem essa
possibilidade concretizar-se, e isso dinamizou muito os estudos sobre a Ásia em
geral, mas em particular sobre a China, incluindo Macau. Isso trouxe também um
grande dinamismo à casa, porque nós temos, neste momento, 40 doutorandos [com
bolsa da FCT] a trabalhar connosco — obviamente isso também disfarça a falta de
recursos humanos nessa área da investigação em muitas actividades até ligadas à
área académica e outro tipo de eventos.
Que parcerias em Macau têm tido, para ajudar a levar
adiante os projectos do CCCM?
Há
mecenas em Macau que têm sido também determinantes para a vida deste Centro,
nomeadamente a Universidade de Macau, com quem temos uma colaboração muito
antiga, mais visível nas edições conjuntas. Nós criámos nestes últimos anos
colecções em quatro áreas distintas, portanto, a nossa casa editorial que
tradicionalmente sempre acolheu investigadores renomados e com grande destaque,
começou a acolher também jovens investigadores, publicando trabalhos que
tiveram origem em teses de doutoramento ou dissertações de mestrado de
excelência e que organizámos em quatro colecções: história, fontes históricas,
estudos contemporâneos, língua e cultura, com o apoio sobretudo da Universidade
de Macau. Temos mantido também a colaboração com a Fundação Macau na área das edições
e estamos agora com um projecto de publicar todas as teses de doutoramento
transformadas em livro, com bolsas da Fundação Macau, passando pelo conselho
editorial e pelo processo de revisão por pares, que é apanágio do Centro.
Estamos a planear um projecto, com a Universidade de São José, que terá mais
visibilidade a médio-longo prazo, mas que me parece que vai ter grande impacto,
funcionando como incubadora de projectos na área académica, mas também
científica e empresarial, e até na área das indústrias criativas aqui no
Centro, ajudando-nos a dinamizar este que é o campus de Macau em Lisboa. Além
disso, cá em Portugal, com a Fundação Casa de Macau e com a Casa de Macau temos
dinamizado imensas iniciativas e têm-nos apoiado no Centro, em diversas situações.
A Embaixada da China tem sido um parceiro importante na organização de eventos
mais vocacionados para iniciativas da cultura chinesa ou aspectos relevantes da
cultura chinesa. O Dia Internacional da Língua Chinesa, que é a 20 de Abril,
nunca se tinha organizado em Portugal e começou a ser organizado aqui pelo
Centro e para o ano será a quarta edição. Gostava também de referir o Instituto
Internacional de Macau, que tem tido aqui um papel também muito importante na
dinamização dos eventos, mas também de colaboração estreita até fisicamente no
espaço do Centro. Queria referir também o Instituto de Estudos Europeus de
Macau, que nos envia regularmente estagiários de altíssima qualidade e que, a
par dos muitos doutorandos que temos, nos tem ajudado a dinamizar a
instituição, que tem poucos funcionários, mas muitos investigadores a gravitar
à volta da casa. Também temos um programa de voluntariado muitíssimo atraente.
Não é fácil encontrar em Portugal um sítio com tanta ligação à Ásia onde as
pessoas possam de facto fazer um trabalho importante ou que lhes interesse. Com
o Instituto Cultural também temos tido frutuosas colaborações — talvez a mais
visível tenha sido a inauguração de uma exposição de aguarelas com imagens de
Macau, pertencentes ao Museu de Arte de Macau, cuja inauguração coincidiu com a
vinda do Ho Iat Seng a Lisboa, em Abril do ano passado. Temos colaboração
também, sob o chapéu do Instituto Cultural, com o Arquivo de Macau. Não devemos
esquecer que o arquivo aqui do CCCM é o mais rico em Portugal com documentação
sobre Macau, e temos procurado também mostrar a riqueza que aqui temos através
até de exposições virtuais com a documentação e até com fotografias que temos
no nosso espólio documental. Colaborámos também na organização de uma exposição
sobre o grande tufão de Macau, que vai ser inaugurada na Universidade de São
José, no dia 23 de Setembro.
É assim que se pretendem posicionar: um campus de Macau
em Lisboa?
Temos
tentado posicionar-nos como um espaço em Lisboa e até em Portugal, onde se
juntam as instituições ligadas a Macau e as pessoas com interesse em Macau.
Um dos vossos obstáculos é o tamanho da equipa, que era
reduzida e continua reduzida. Como tem conseguido contornar esta dificuldade?
Houve
alterações da equipa, com a saída de algumas pessoas, até por reforma, e
entrada de outras, mas o número continua igualmente reduzido. A única forma que
encontrei para de alguma forma ultrapassar esta questão ou pelo menos conseguir
que a casa tivesse dinamismo, não obstante essa grande limitação, foi recorrer
à colaboração de pessoas que nos procuram, que estão próximas de nós, mas que
não são funcionários da casa, como é o caso dos 40 doutorandos, que têm bolsa
do CCCM e que, com todo o gosto, se empenham nas actividades que para eles são
mais interessantes. É o caso também dos estagiários — em média, recebemos 10
estagiários por ano de instituições portuguesas e também de Macau, ligados a
Macau ou que trabalham sobre a Ásia — ou até chineses que vêm cá aprender
português, assim como os voluntários que demonstram interesse em trabalhar aqui
na casa, apesar de não receberem qualquer ordenado. A par disto, a criação do
portal académico, a criação das Conferências da Primavera, e esse trabalho em
rede com vários investigadores portugueses que trabalham sobre a Ásia e que
sentem esta casa como sua, isso tem-nos permitido fazer muita coisa, que era
impossível fazer, se estivéssemos só a contar com a única investigadora que
temos no quadro. Contamos ainda com investigadores estrangeiros que tinham já
ligação a investigadores portugueses, que estão ligados ao Centro, que arranjam
financiamento para poder participar nas nossas actividades. O terceiro factor é
a flexibilidade da equipa.
Tem havido um fôlego enorme e um dinamismo que não se via
antes, no CCCM, em Lisboa. O que é que mudou?
O
que contribuiu para a mudança foi sobretudo a perspectiva do mecenato e
parcerias, em relação ao Centro. O facto de a Fundação para a Ciência e
Tecnologia nos permitir ter, nos últimos quatro anos, 40 bolseiros aqui a
trabalhar e envolvidos nas actividades diárias e a propor iniciativas. Esses
investigadores vêm das mais variadas áreas, não só do ponto de vista da
nacionalidade, porque, para além de portugueses, temos chineses, japoneses,
vietnamitas, espanhóis, italianos e brasileiros. Há uma variedade de
nacionalidades e de interesses por áreas geográficas. É verdade que há uma
grande percentagem que se concentra na China, mas há outros que trabalham sobre
o Japão, Timor, Coreia, Nepal, várias áreas geográficas, mas também de
diferentes áreas disciplinares — história, incluindo história de arte, relações
internacionais, linguística, música, economia e gestão, portanto, esta
interdisciplinaridade cria não só entre eles um ambiente de trabalho muito
rico, como nos traz a possibilidade de organizar na instituição coisas que
dantes não se faziam, porque não havia um público tão jovem e com ideias até
para a própria dinamização da informação nas redes sociais, que é gerada pelos
próprios doutorandos da casa. Uma coisa que temos tentado fazer é iniciativas
que juntem seniores e juniores na academia — por exemplo, a primeira coisa foi
identificá-los e essa foi uma das tarefas a que me dediquei ainda durante a
pandemia, com a ajuda do resto da equipa e com os investigadores que conhecia.
Quis criar uma rede e tornar essa rede visível. Criámos no sítio do CCCM o
portal académico, que é de livre acesso e onde se consegue visualizar quem é
quem nos estudos asiáticos em Portugal e até onde estão os portugueses que
trabalham sobre a Ásia fora de portas, nomeadamente em Macau, onde estão os
seniores, mas também onde estão estes jovens investigadores. Isto para eles tem
um peso, uma importância grande e ajuda a clarificar, a fazer este mapeamento
do que se passa na investigação sobre a Ásia a nível nacional.
Qual é a principal conclusão que retira desse mapeamento
de quem é quem nos Estudos Asiáticos em Portugal?
Para
nós, foi uma surpresa enorme perceber que há muito mais gente do que aquilo que
se pensava a trabalhar em Estudos Asiáticos em Portugal. Diz-se muitas vezes
que em Portugal os Estudos Asiáticos não estão muito desenvolvidos, porque não
há realmente uma instituição que, como há tradição noutras escolas europeias,
como é o caso da França, Inglaterra ou da Alemanha ou da Itália, onde as
escolas estão organizadas em departamentos fortes sobre a Ásia. Isso aqui não
acontece, mas as pessoas estão dispersas por áreas disciplinares que, muitas
vezes, nada têm a ver com a Ásia, mas trabalham sobre a Ásia, e juntam-se aqui
uma vez por ano nas Conferências da Primavera, que ocorrem em Março, todos os
anos. As Conferências da Primavera começaram em plena pandemia — primeiro com
um workshop online em que juntámos grupos de trabalho nas áreas da Ásia
que tinham mais pessoas, como seja a China, Macau, mas também outras geografias
asiáticas, como por exemplo o Japão. Dessa organização online durante a
pandemia, surgiram as Conferências da Primavera e já estamos a organizar a
quarta edição para Março de 2025.
Com limitações no que toca aos recursos financeiros, que
fontes de financiamento novas têm surgido?
Um
aspecto que contribuiu muito aqui para a dinamização destes últimos anos do
Centro foi logo na altura da pandemia termo-nos concentrado a preparar a
candidatura a financiamento do Horizonte Europa, em que o CCCM ficou a liderar
um grupo de trabalho de um consórcio com universidades e think-tanks de
topo da área de Estudos Asiáticos em toda a Europa e ganhámos essa candidatura.
A partir desse momento temos estado a trabalhar nesse projecto, que se chama
Reconnect China, que se foca sobretudo na área da diplomacia económica da
Europa e da China, que se costuma até chamar um bocadinho a diplomacia de
bastidores — quando as relações políticas estão em fases mais sensíveis, o
trabalho dos académicos é particularmente interessante para manter estas pontes
entre ambos os lados. Este projecto está no seu segundo ano e é até 2026.
Com o lançamento do portal académico e a organização das
Conferências da Primavera, que acabam por juntar investigadores espalhados
pelos diferentes países, e todas as vossas outras iniciativas, já se vêem
resultados desse intercâmbio?
Sem
dúvida. O aspecto mais visível para o público em geral são as publicações que
resultam das Conferências da Primavera. O CCCM tem editado livros que resultam
dessas conferências, das comunicações apresentadas, que depois são compiladas
em capítulos de um livro, mas também tem promovido a edição de números
especiais, de números temáticos em revistas nacionais e internacionais
indexadas. E também procurámos que estas comunicações resultassem não apenas em
publicações de cariz mais científico, mas também de leitura mais fácil para o
público em geral, daí que tenhamos colaborado com alguns jornais. O que notamos
muito é que, à margem das conferências, alguns investigadores foram-nos pedindo
salas e espaços para se poderem reunir entre eles, aproveitando a deslocação a
Lisboa de pessoas que não residem aqui, e acabaram por surgir algumas ideias de
desenvolvimento de projectos. Uma coisa que nós notamos é que, à medida que os
anos vão passando e que as edições das Conferências da Primavera vão avançando,
os investigadores estrangeiros vêm presencialmente, porque nós temos continuado
a dar a possibilidade de os portugueses que estão fora participarem por zoom,
mas os estrangeiros têm de vir presencialmente.
O CCCM serve de instituição de acolhimento para um número
impressionante de bolseiros. Como escolhem esses bolseiros?
A
escolha é feita com base na meritocracia. Há um júri interno e externo, o júri
tem elementos internos e externos ao CCCM, o critério é a análise do projecto
de tese, do mérito do projecto de tese e a forma como o candidato o consegue
apresentar na entrevista. Há critérios como na atribuição de qualquer bolsa da
FCT, que têm em conta o percurso académico do candidato, a sua experiência
profissional e tudo isso, mas, para além disso, o CCCM reserva-se o direito de
estabelecer tópicos que são prioritários aqui para a casa, nomeadamente
trabalhar em áreas de interesse para o museu, para a biblioteca, para o centro
de documentação, para o próprio centro de formação.
Um dos objectivos também que apontou, quando assumiu a
liderança do CCCM, era a criação de um Observatório para o Mundo Lusófono. Isso
já está a acontecer?
Nós
fazemos parte de uma série de iniciativas que promovem esta ligação entre a
China e os países de língua portuguesa — por exemplo, somos uma das 20
instituições de língua portuguesa que integram a Aliança Bibliotecária
Académica entre a RAEM e os países de língua portuguesa. É uma aliança que foi
muito dinamizada pela Universidade de Macau, em particular pelo vice-reitor Rui
Martins e da qual o CCCM faz parte. Para além disso, somos membros de uma rede
lusófona de universidades brasileiras e dos países africanos de expressão
portuguesa, a Associação Internacional de Ciências Sociais e Humanas em Língua
Portuguesa, e o CCCM dinamizou a criação de painéis que ligassem o estudo dos
países de língua portuguesa à China, organizando uma série de conferências específicas.
A ideia aqui no Centro tem sido promover, até junto dos jovens doutorandos, o
estudo das relações entre a China e os países de língua portuguesa, porque nós
em Lisboa temos um papel privilegiado para concentrar de alguma forma
investigadores de países africanos e brasileiros neste estudo, e é isso que
temos procurado fazer. Nunca formalizámos institucionalmente a criação de uma
casa chamada Observatório, mas esse trabalho tem sido feito.
A curto/médio prazo, quais são os principais objetivos do
CCCM?
Vamos
ter um grande evento a 19 de Dezembro, que estamos a organizar em conjunto com
a Fundação Jorge Álvares, que é o nosso principal mecenas, e que vai incluir
uma série de actividades que vão ser do maior interesse, a propósito dos 25
anos da transferência e da criação do CCCM em Lisboa, que teve lugar em finais
de 1999. Outro dos grandes objectivos que temos para 2025 é conseguir
concretizar mais iniciativas e mais projectos com instituições de Macau — é com
esse objectivo que vou estar em Macau uns dias em Dezembro. Vou a Macau, a
convite da Universidade de Macau e também da Universidade de São José, para
participar numa conferência que terá lugar no início de Dezembro e ficarei mais
uns dias, também com o apoio da Universidade de São José, que me vai permitir
reunir com instituições-chave para desenvolver determinados projectos ou
possíveis projectos que se revelem iniciativas interessantes ao longo de 2025.
A ideia era conseguirmos que as instituições de Macau continuassem a olhar para
o CCCM como o local por excelência em Portugal onde podem organizar eventos. Luciana
Leitão – Portugal in “Ponto Final”
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