Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Portugal - “Há muito mais gente do que se pensava a trabalhar em Estudos Asiáticos

Com limitações de recursos humanos e financeiros, é com um maior apoio dos mecenas e parceiros, a que está aliado um grande envolvimento dos cerca de 40 jovens doutorandos ali a trabalhar nos seus trabalhos de investigação e a flexibilidade da equipa residente, que o Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM), em Lisboa, tem conseguido levar adiante várias iniciativas. Em entrevista ao Ponto Final, a sua dirigente, Cármen Amado Mendes, fala sobre o mapeamento, que tem levado a cabo, da comunidade científica que está a investigar a Ásia em Portugal, mas também sobre os vários projectos que ainda estão por vir, incluindo o lançamento de um catálogo do Museu do CCCM, até ao fim do ano, e uma grande exposição de figuras de terracota, que terá lugar em 2025

Que balanço faz deste período, desde que está à frente do CCCM?

Tomei posse numa fase um pouco complicada, que foi a altura da pandemia. Havia uma série de problemas pendentes aqui na instituição para resolver, nomeadamente questões ligadas às próprias infraestruturas, a relação com o mecenato, com os nossos parceiros, com o estabelecimento de protocolos, mas foi um período que nos permitiu projectar o que é que iríamos fazer nos cinco anos desta minha comissão de serviço à frente do Centro. Lançámos vários projectos. E foram organizados em várias esferas, que correspondem, no fundo, aos vários pilares desta casa, que é uma casa com características muito especiais, porque reúne no mesmo espaço um museu, uma biblioteca, um centro de investigação, um centro de formação, uma casa editorial e um espaço para eventos, que podem ser exposições, palestras, saraus literários e musicais, lançamento de livros. Acaba por haver uma grande variedade de iniciativas organizadas nos últimos anos e penso que isso é visível junto do público que nos segue, que é muito diversificado. Temos público especializado da área académica para eventos mais centrados nessa área, como simpósios e conferências internacionais, mas também um público infantil — temos organizado muitos eventos para crianças — e até um público sénior, porque temos colaboração regular com uma universidade sénior em Lisboa. Temos também pessoas da área da museologia, pessoas da área da biblioteca e arquivos e, claro, os próprios investigadores.

Quando assumiu a liderança do CCCM, lançou um plano estratégico, de 2020 a 2030, onde identificava várias dificuldades. Mantêm-se? Como conseguiu contorná-las?

Foi um plano muito ambicioso, que identificou as limitações existentes ao nível de recursos humanos, recursos financeiros, problemas pendentes que estavam por resolver na instituição, mas eu penso que, tendo em conta que muitas dessas limitações de recursos humanos e financeiros se têm mantido, ultrapassámos muito daquilo que era expectável que se conseguisse fazer com estes recursos e isso foi, sobretudo, devido à boa vontade da equipa, que tem feito muito para além daquilo que é a sua obrigação. Isso foi feito também graças ao mecenato. Gostaria de referir que a Fundação Jorge Álvares tem sido tradicionalmente (e continua a ser) o nosso principal mecenas e ajudou a desbloquear muitas questões que não estão tradicionalmente na área do mecenato, permitindo-nos inaugurar, por exemplo, as novas instalações da biblioteca — aliás, precisamente por isso, ficou a designar-se Biblioteca Fundação Jorge Álvares do Centro Científico e Cultural de Macau. Quero destacar também a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), que nos ofereceu um programa muitíssimo ambicioso, permitindo-nos tornar a instituição em Portugal que fomenta investigação sobre a Ásia — ao atribuir anualmente 10 bolsas de doutoramento a teses que se dediquem à Ásia, isso fez com que alunos que de outra forma escolheriam outros temas ou não avançariam para uma carreira de investigação, vissem essa possibilidade concretizar-se, e isso dinamizou muito os estudos sobre a Ásia em geral, mas em particular sobre a China, incluindo Macau. Isso trouxe também um grande dinamismo à casa, porque nós temos, neste momento, 40 doutorandos [com bolsa da FCT] a trabalhar connosco — obviamente isso também disfarça a falta de recursos humanos nessa área da investigação em muitas actividades até ligadas à área académica e outro tipo de eventos.

Que parcerias em Macau têm tido, para ajudar a levar adiante os projectos do CCCM?

Há mecenas em Macau que têm sido também determinantes para a vida deste Centro, nomeadamente a Universidade de Macau, com quem temos uma colaboração muito antiga, mais visível nas edições conjuntas. Nós criámos nestes últimos anos colecções em quatro áreas distintas, portanto, a nossa casa editorial que tradicionalmente sempre acolheu investigadores renomados e com grande destaque, começou a acolher também jovens investigadores, publicando trabalhos que tiveram origem em teses de doutoramento ou dissertações de mestrado de excelência e que organizámos em quatro colecções: história, fontes históricas, estudos contemporâneos, língua e cultura, com o apoio sobretudo da Universidade de Macau. Temos mantido também a colaboração com a Fundação Macau na área das edições e estamos agora com um projecto de publicar todas as teses de doutoramento transformadas em livro, com bolsas da Fundação Macau, passando pelo conselho editorial e pelo processo de revisão por pares, que é apanágio do Centro. Estamos a planear um projecto, com a Universidade de São José, que terá mais visibilidade a médio-longo prazo, mas que me parece que vai ter grande impacto, funcionando como incubadora de projectos na área académica, mas também científica e empresarial, e até na área das indústrias criativas aqui no Centro, ajudando-nos a dinamizar este que é o campus de Macau em Lisboa. Além disso, cá em Portugal, com a Fundação Casa de Macau e com a Casa de Macau temos dinamizado imensas iniciativas e têm-nos apoiado no Centro, em diversas situações. A Embaixada da China tem sido um parceiro importante na organização de eventos mais vocacionados para iniciativas da cultura chinesa ou aspectos relevantes da cultura chinesa. O Dia Internacional da Língua Chinesa, que é a 20 de Abril, nunca se tinha organizado em Portugal e começou a ser organizado aqui pelo Centro e para o ano será a quarta edição. Gostava também de referir o Instituto Internacional de Macau, que tem tido aqui um papel também muito importante na dinamização dos eventos, mas também de colaboração estreita até fisicamente no espaço do Centro. Queria referir também o Instituto de Estudos Europeus de Macau, que nos envia regularmente estagiários de altíssima qualidade e que, a par dos muitos doutorandos que temos, nos tem ajudado a dinamizar a instituição, que tem poucos funcionários, mas muitos investigadores a gravitar à volta da casa. Também temos um programa de voluntariado muitíssimo atraente. Não é fácil encontrar em Portugal um sítio com tanta ligação à Ásia onde as pessoas possam de facto fazer um trabalho importante ou que lhes interesse. Com o Instituto Cultural também temos tido frutuosas colaborações — talvez a mais visível tenha sido a inauguração de uma exposição de aguarelas com imagens de Macau, pertencentes ao Museu de Arte de Macau, cuja inauguração coincidiu com a vinda do Ho Iat Seng a Lisboa, em Abril do ano passado. Temos colaboração também, sob o chapéu do Instituto Cultural, com o Arquivo de Macau. Não devemos esquecer que o arquivo aqui do CCCM é o mais rico em Portugal com documentação sobre Macau, e temos procurado também mostrar a riqueza que aqui temos através até de exposições virtuais com a documentação e até com fotografias que temos no nosso espólio documental. Colaborámos também na organização de uma exposição sobre o grande tufão de Macau, que vai ser inaugurada na Universidade de São José, no dia 23 de Setembro.

É assim que se pretendem posicionar: um campus de Macau em Lisboa?

Temos tentado posicionar-nos como um espaço em Lisboa e até em Portugal, onde se juntam as instituições ligadas a Macau e as pessoas com interesse em Macau.

Um dos vossos obstáculos é o tamanho da equipa, que era reduzida e continua reduzida. Como tem conseguido contornar esta dificuldade?

Houve alterações da equipa, com a saída de algumas pessoas, até por reforma, e entrada de outras, mas o número continua igualmente reduzido. A única forma que encontrei para de alguma forma ultrapassar esta questão ou pelo menos conseguir que a casa tivesse dinamismo, não obstante essa grande limitação, foi recorrer à colaboração de pessoas que nos procuram, que estão próximas de nós, mas que não são funcionários da casa, como é o caso dos 40 doutorandos, que têm bolsa do CCCM e que, com todo o gosto, se empenham nas actividades que para eles são mais interessantes. É o caso também dos estagiários — em média, recebemos 10 estagiários por ano de instituições portuguesas e também de Macau, ligados a Macau ou que trabalham sobre a Ásia — ou até chineses que vêm cá aprender português, assim como os voluntários que demonstram interesse em trabalhar aqui na casa, apesar de não receberem qualquer ordenado. A par disto, a criação do portal académico, a criação das Conferências da Primavera, e esse trabalho em rede com vários investigadores portugueses que trabalham sobre a Ásia e que sentem esta casa como sua, isso tem-nos permitido fazer muita coisa, que era impossível fazer, se estivéssemos só a contar com a única investigadora que temos no quadro. Contamos ainda com investigadores estrangeiros que tinham já ligação a investigadores portugueses, que estão ligados ao Centro, que arranjam financiamento para poder participar nas nossas actividades. O terceiro factor é a flexibilidade da equipa.

Tem havido um fôlego enorme e um dinamismo que não se via antes, no CCCM, em Lisboa. O que é que mudou?

O que contribuiu para a mudança foi sobretudo a perspectiva do mecenato e parcerias, em relação ao Centro. O facto de a Fundação para a Ciência e Tecnologia nos permitir ter, nos últimos quatro anos, 40 bolseiros aqui a trabalhar e envolvidos nas actividades diárias e a propor iniciativas. Esses investigadores vêm das mais variadas áreas, não só do ponto de vista da nacionalidade, porque, para além de portugueses, temos chineses, japoneses, vietnamitas, espanhóis, italianos e brasileiros. Há uma variedade de nacionalidades e de interesses por áreas geográficas. É verdade que há uma grande percentagem que se concentra na China, mas há outros que trabalham sobre o Japão, Timor, Coreia, Nepal, várias áreas geográficas, mas também de diferentes áreas disciplinares — história, incluindo história de arte, relações internacionais, linguística, música, economia e gestão, portanto, esta interdisciplinaridade cria não só entre eles um ambiente de trabalho muito rico, como nos traz a possibilidade de organizar na instituição coisas que dantes não se faziam, porque não havia um público tão jovem e com ideias até para a própria dinamização da informação nas redes sociais, que é gerada pelos próprios doutorandos da casa. Uma coisa que temos tentado fazer é iniciativas que juntem seniores e juniores na academia — por exemplo, a primeira coisa foi identificá-los e essa foi uma das tarefas a que me dediquei ainda durante a pandemia, com a ajuda do resto da equipa e com os investigadores que conhecia. Quis criar uma rede e tornar essa rede visível. Criámos no sítio do CCCM o portal académico, que é de livre acesso e onde se consegue visualizar quem é quem nos estudos asiáticos em Portugal e até onde estão os portugueses que trabalham sobre a Ásia fora de portas, nomeadamente em Macau, onde estão os seniores, mas também onde estão estes jovens investigadores. Isto para eles tem um peso, uma importância grande e ajuda a clarificar, a fazer este mapeamento do que se passa na investigação sobre a Ásia a nível nacional.

Qual é a principal conclusão que retira desse mapeamento de quem é quem nos Estudos Asiáticos em Portugal?

Para nós, foi uma surpresa enorme perceber que há muito mais gente do que aquilo que se pensava a trabalhar em Estudos Asiáticos em Portugal. Diz-se muitas vezes que em Portugal os Estudos Asiáticos não estão muito desenvolvidos, porque não há realmente uma instituição que, como há tradição noutras escolas europeias, como é o caso da França, Inglaterra ou da Alemanha ou da Itália, onde as escolas estão organizadas em departamentos fortes sobre a Ásia. Isso aqui não acontece, mas as pessoas estão dispersas por áreas disciplinares que, muitas vezes, nada têm a ver com a Ásia, mas trabalham sobre a Ásia, e juntam-se aqui uma vez por ano nas Conferências da Primavera, que ocorrem em Março, todos os anos. As Conferências da Primavera começaram em plena pandemia — primeiro com um workshop online em que juntámos grupos de trabalho nas áreas da Ásia que tinham mais pessoas, como seja a China, Macau, mas também outras geografias asiáticas, como por exemplo o Japão. Dessa organização online durante a pandemia, surgiram as Conferências da Primavera e já estamos a organizar a quarta edição para Março de 2025.

Com limitações no que toca aos recursos financeiros, que fontes de financiamento novas têm surgido?

Um aspecto que contribuiu muito aqui para a dinamização destes últimos anos do Centro foi logo na altura da pandemia termo-nos concentrado a preparar a candidatura a financiamento do Horizonte Europa, em que o CCCM ficou a liderar um grupo de trabalho de um consórcio com universidades e think-tanks de topo da área de Estudos Asiáticos em toda a Europa e ganhámos essa candidatura. A partir desse momento temos estado a trabalhar nesse projecto, que se chama Reconnect China, que se foca sobretudo na área da diplomacia económica da Europa e da China, que se costuma até chamar um bocadinho a diplomacia de bastidores — quando as relações políticas estão em fases mais sensíveis, o trabalho dos académicos é particularmente interessante para manter estas pontes entre ambos os lados. Este projecto está no seu segundo ano e é até 2026.

Com o lançamento do portal académico e a organização das Conferências da Primavera, que acabam por juntar investigadores espalhados pelos diferentes países, e todas as vossas outras iniciativas, já se vêem resultados desse intercâmbio?

Sem dúvida. O aspecto mais visível para o público em geral são as publicações que resultam das Conferências da Primavera. O CCCM tem editado livros que resultam dessas conferências, das comunicações apresentadas, que depois são compiladas em capítulos de um livro, mas também tem promovido a edição de números especiais, de números temáticos em revistas nacionais e internacionais indexadas. E também procurámos que estas comunicações resultassem não apenas em publicações de cariz mais científico, mas também de leitura mais fácil para o público em geral, daí que tenhamos colaborado com alguns jornais. O que notamos muito é que, à margem das conferências, alguns investigadores foram-nos pedindo salas e espaços para se poderem reunir entre eles, aproveitando a deslocação a Lisboa de pessoas que não residem aqui, e acabaram por surgir algumas ideias de desenvolvimento de projectos. Uma coisa que nós notamos é que, à medida que os anos vão passando e que as edições das Conferências da Primavera vão avançando, os investigadores estrangeiros vêm presencialmente, porque nós temos continuado a dar a possibilidade de os portugueses que estão fora participarem por zoom, mas os estrangeiros têm de vir presencialmente.

 

O CCCM serve de instituição de acolhimento para um número impressionante de bolseiros. Como escolhem esses bolseiros?

A escolha é feita com base na meritocracia. Há um júri interno e externo, o júri tem elementos internos e externos ao CCCM, o critério é a análise do projecto de tese, do mérito do projecto de tese e a forma como o candidato o consegue apresentar na entrevista. Há critérios como na atribuição de qualquer bolsa da FCT, que têm em conta o percurso académico do candidato, a sua experiência profissional e tudo isso, mas, para além disso, o CCCM reserva-se o direito de estabelecer tópicos que são prioritários aqui para a casa, nomeadamente trabalhar em áreas de interesse para o museu, para a biblioteca, para o centro de documentação, para o próprio centro de formação.

Um dos objectivos também que apontou, quando assumiu a liderança do CCCM, era a criação de um Observatório para o Mundo Lusófono. Isso já está a acontecer?

Nós fazemos parte de uma série de iniciativas que promovem esta ligação entre a China e os países de língua portuguesa — por exemplo, somos uma das 20 instituições de língua portuguesa que integram a Aliança Bibliotecária Académica entre a RAEM e os países de língua portuguesa. É uma aliança que foi muito dinamizada pela Universidade de Macau, em particular pelo vice-reitor Rui Martins e da qual o CCCM faz parte. Para além disso, somos membros de uma rede lusófona de universidades brasileiras e dos países africanos de expressão portuguesa, a Associação Internacional de Ciências Sociais e Humanas em Língua Portuguesa, e o CCCM dinamizou a criação de painéis que ligassem o estudo dos países de língua portuguesa à China, organizando uma série de conferências específicas. A ideia aqui no Centro tem sido promover, até junto dos jovens doutorandos, o estudo das relações entre a China e os países de língua portuguesa, porque nós em Lisboa temos um papel privilegiado para concentrar de alguma forma investigadores de países africanos e brasileiros neste estudo, e é isso que temos procurado fazer. Nunca formalizámos institucionalmente a criação de uma casa chamada Observatório, mas esse trabalho tem sido feito.

A curto/médio prazo, quais são os principais objetivos do CCCM?

Vamos ter um grande evento a 19 de Dezembro, que estamos a organizar em conjunto com a Fundação Jorge Álvares, que é o nosso principal mecenas, e que vai incluir uma série de actividades que vão ser do maior interesse, a propósito dos 25 anos da transferência e da criação do CCCM em Lisboa, que teve lugar em finais de 1999. Outro dos grandes objectivos que temos para 2025 é conseguir concretizar mais iniciativas e mais projectos com instituições de Macau — é com esse objectivo que vou estar em Macau uns dias em Dezembro. Vou a Macau, a convite da Universidade de Macau e também da Universidade de São José, para participar numa conferência que terá lugar no início de Dezembro e ficarei mais uns dias, também com o apoio da Universidade de São José, que me vai permitir reunir com instituições-chave para desenvolver determinados projectos ou possíveis projectos que se revelem iniciativas interessantes ao longo de 2025. A ideia era conseguirmos que as instituições de Macau continuassem a olhar para o CCCM como o local por excelência em Portugal onde podem organizar eventos. Luciana Leitão – Portugal in “Ponto Final”


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