Em
Hong Kong, ensina-se português graças à iniciativa de um pequeno grupo de
privados e instituições. O Club Lusitano organiza cursos apenas para membros,
enquanto que Alexandre Lui decidiu arrendar duas salas para ensinar a língua.
Nota-se um ligeiro aumento da procura dos cursos por questões familiares,
económicas e até históricas, mas Hong Kong continua a não aderir ao sucesso que
o português faz pelo mundo
Estudar português num
território onde o idioma não é língua oficial, como é o caso de Hong Kong, é um
desafio que poucos abraçam, apesar da popularidade do idioma um pouco por todo
o mundo. Nem o facto de Hong Kong ter uma comunidade portuguesa ou fortes
ligações à comunidade macaense aumentou a procura pela língua de Camões. São
poucos a aprender, mas fazem-no por várias razões.
Roy Tse, natural de Hong Kong,
é casado com uma mulher de Macau e nunca teve qualquer ligação com a cultura
portuguesa ou o país. Mas está tão desiludido com a situação sócio-económica do
território que pondera ir viver para Portugal daqui a três anos.
“Aprender português é
obrigatório para se viver em Portugal”, contou ao HM. “Perdemos a esperança.
Estamos desapontados com o Governo de Hong Kong, que não está a servir as
necessidades dos que são de cá. Viver em Hong Kong é muito difícil e muito
caro. Tanto a cidade como o próprio Governo estão cheios de mentiras. Então é
mais fácil mudar para termos uma vida mais simples, e não apenas por causa do
dinheiro”, acrescentou.
Roy Tse foi um dos alunos de
Alexandre Lui, natural de Hong Kong mas nascido no Brasil graças à mudança dos
pais para São Paulo. Quando voltou, e depois de ter estudado o curso de
tradução e interpretação do Instituto Politécnico de Macau (IPM), decidiu
apostar na organização de cursos lúdicos de português em 2016, que ainda
acontecem em dois locais na zona de Wan Chai. Ainda que não seja oficialmente
uma escola, o projecto chama-se “Língua Portuguesa em Hong Kong”.
“Neste momento, não consigo
expandir mais [o projecto] para ter uma escola, porque, como o português em
Hong Kong não é língua oficial, é difícil atrair o pessoal para vir sempre às
aulas. Comecei ontem [17 de Janeiro] um curso novo, mas esperei quase quatro
meses para conseguir arranjar dez pessoas”, frisou.
Uma das ambições de Alexandre
Lui era expandir o projecto até Shenzhen, não só pela proximidade com Hong Kong,
mas também pela existência de muitas empresas, com ligações aos países de
língua portuguesa.
Antes de vir para Macau tirar
a licenciatura, de onde saiu porque não conseguiu obter o bilhete de identidade
de residente, Alexandre já dava aulas em Hong Kong devido ao contacto com o
português que teve desde criança. Chegou a dar aulas no instituto CAC, ligado à
Federação dos Operários de Hong Kong, que disponibiliza vários cursos de
línguas e na área das artes. O HM tentou chegar à fala com a federação, que nos
disse não prestar declarações a jornalistas.
Aulas
só para membros
Além do instituto CAC e das
aulas privadas de Alexandre Lui, o centro SPACE, ligado à Universidade de Hong
Kong, também disponibiliza aulas de português. Contudo, o responsável pelos
cursos recusou responder às perguntas do HM por estar ocupado com outros
planos.
O Club Lusitano arrancou o ano
passado com a primeira edição do curso de português, do nível básico ao mais
avançado, mas as inscrições destinam-se apenas a membros do clube e convidados.
“O nosso clube tem origem
portuguesa e era importante organizarmos este curso. Temos muitos membros que,
ao longo de gerações, foram perdendo a prática de falar e escrever português, e
decidimos apostar nesta vertente, procurando professores. Tínhamos uma grande
procura por parte de 34 membros e das suas famílias”, adiantou Steve Andley,
responsável pelo curso. Também ele é aluno, uma vez que, apesar das raízes
portuguesas por parte da mãe, nunca aprendeu a língua.
Foram organizados quatro
cursos, com dez pessoas em cada turma, mas a segunda edição está suspensa
devido ao facto da docente, Isabel Pinto, se encontrar em Portugal. Mas tal
deverá ser uma realidade no próximo ano.
O curso tem, contudo, uma
contrapartida: apenas aceita membros do clube, que por sua vez só podem
convidar seis pessoas cada. Alexandre Lui critica o facto do Club Lusitano não
se abrir mais à comunidade neste campo.
“É difícil [o curso] divulgar
porque o clube está um pouco fechado a pessoas que não sejam membros. A
associação brasileira em Hong Kong, pelo contrário, tem feito muitas coisas. É
pena que o Club Lusitano não tenha um maior acesso à comunidade.”
Isabel Pinto, a professora de
português do Club Lusitano, foi viver para Hong Kong devido à mudança
profissional do marido e, desde cedo, percebeu que existia uma lacuna na oferta
formativa em português. A aposta agora é abrir uma escola onde se ensine português.
“Abri a minha actividade há
poucos meses para poder começar como freelancer no ensino da língua e também
noutros serviços linguísticos como tradução, interpretação e escrita de
conteúdos. A minha ideia é expandir mais tarde, quando for o momento para
isso”, garantiu ao HM.
Para Isabel Pinto, há várias
razões que podem ser apontadas para esta escassa oferta formativa. “A
comunidade portuguesa parece ser bem menos representativa em Hong Kong do que
em Macau.
Geralmente, são pessoas com
competências muito específicas e difíceis de encontrar na zona, como as áreas
de engenharia, medicina e hotelaria. É raro encontrar pessoas da área das
humanidades, e aquelas que o são podem já ter carreiras intensas que não lhes
dão motivos para começar a ensinar português.”
Além disso, “também vejo
alguma falta de interesse, também por não haver uma tradição de querer aprender
português em Hong Kong”. “Tenho visto procura por línguas como o japonês,
espanhol ou francês. O português aqui não tem raiz histórica importante como em
Macau; é uma língua de nicho”, assegurou.
Vistos
gold e afins
Isabel Pinto defende que o seu
público-alvo está, sobretudo, na ilha de Hong Kong, onde reside a maior parte
dos expatriados, mas não ignora o interesse que os chineses possam vir a ter.
“Todos partilham um interesse por Portugal. Há um legado cultural e emocional
por explorar, ou um objectivo profissional ou financeiro.
Quando digo financeiro, é
preciso notar que a política dos vistos Gold é um claro atractivo para esse
público.”
Também Alexandre Lui defende
que a procura por aulas de português nos próximos tempos vai depender do
sucesso da política dos vistos Gold em Portugal. “Graças à política de
emigração dos vistos Gold, tenho muitas pessoas que querem aprender a língua,
porque querem investir ou viver em Portugal. Eles não têm uma visão positiva
sobre o futuro de Hong Kong, então procuram outras saídas.”
Ainda assim, Alexandre Lui
prefere por organizar os interessados nos cursos de português em três grupos.
“A maioria das pessoas aprendem por motivos de emigração, em segundo pelo
trabalho, porque há pessoas que trabalham em empresas portuguesas ou brasileiras,
e depois há quem estude mesmo pelo interesse. A Anita quis estudar, e foi uma
das minhas primeiras alunas, por interesse, porque gosta mesmo de Portugal.”
Anita Wong, que acompanhou
Alexandre Lui na entrevista ao HM, escreveu um guia turístico em chinês sobre
Portugal e entregou na passada sexta-feira alguns exemplares em Macau.
Quando decidiu partir para uma
nova aventura linguística, Anita Wong tentou o Instituto CAC, mas não teve
aulas de imediato. “O português não é a língua mais popular, então tive de
esperar três vezes para que tivessem alunos suficientes para abrir o curso.”
Anita Wong decidiu aprender
português por mero interesse, depois de ter conhecido um amigo luso através do
seu blogue na plataforma Yahoo, em 2009, onde escrevia sobre a sua equipa de
futebol preferida: a Juventus. Hoje, viaja para Portugal todos os anos, apesar
de saber dizer algumas palavras na língua de Camões.
Números
“insignificantes”
Jason Santos, nascido no
Canadá, é outro dos portugueses que reside em Hong Kong e que, em tempos,
investiu numa escola de línguas que fechou o ano passado por questões
financeiras.
“Não fechei por falta de
alunos, porque tinha muitos, felizmente, sobretudo de inglês. Fechei devido a
problemas de renda. Não quero voltar a tentar porque os custos em Hong Kong,
seja onde for, são muito altos e o próprio investimento inicial é demasiado
elevado. Tenho sempre querido fazer as coisas com qualidade”, contou ao hm.
Jason Santos nota que “há mais
gente que procura [o ensino do português] mas incomparavelmente menos que
outras línguas europeias”. Ao contrário do que pensam Alexandre Lui e Isabel
Pinto, Jason Santos não vê um aumento de interesse associado aos vistos Gold.
“No que toca a Hong Kong, não
posso concordar com a afirmação de que tenha qualquer relacionamento com vistos
Gold e afins. Pelo que tenho visto e ouvido, os alunos são movidos por uma
série de razões bastante pessoais, desde antigas famílias ou membros de família
que vieram a dada altura de Macau, por exemplo, ou pelo facto dos descendentes
sentirem interesse pessoal ou por outras razões. Haverá gente que procura
português simplesmente por querer algo diferente.”
Perdido no meio de tantas
línguas europeias, os números da procura pelo português continuam a ser
“insignificantes”, assegura o professor, hoje a trabalhar numa escola pública.
“A haver um aumento seria muito pequeno e por razões anómalas, e não uma
tendência.”
Steve Andley nota algum
interesse pela língua por questões económicas, mas assegura que no Club
Lusitano os objectivos dos membros são diferentes. “O nosso clube representa
isso, temos essa ligação à comunidade portuguesa, quer sejam nacionais ou de
Macau. Para nós, [a situação] é diferente da generalidade do resto do público,
porque os nossos membros querem voltar a ter uma ligação a Portugal e à cultura
ao invés de quererem sair de Hong Kong.”
Ainda assim, o responsável
nota mais interesse pela língua da parte de chineses que não só querem aprender
coisas novas como têm interesses económicos. “Alguns têm vistos Gold e
compraram casa em Portugal, ou desejam ter um visto.”
Perda
de identidade
Jason Santos dá outro exemplo
de como o português na região vizinha é mesmo um nicho, apesar de se notar uma
ligeira procura. O professor chegou a dar aulas no St. Joseph’s College, uma
escola que “há 140 anos era portuguesa”. Contudo, “hoje em dia esse legado
praticamente não é conhecido ou referido”.
“Existem antigos alunos com
quem tive a oportunidade de falar que se motivaram a aprender português devido
a esse sentimento de pertença que tinham para com a escola, e daí saíram
grandes oportunidades de negócios. Mas continuam a ser muito poucas as pessoas
a querer estudar a língua.”
Isto porque “um indivíduo com
passaporte de Hong Kong consegue entrar na União Europeia com relativa
facilidade, são pessoas sempre mais viajadas que os compatriotas do outro lado
da fronteira”. “Todos os dias falo com pessoas que querem emigrar, Portugal
nunca vem à tona”, frisou Jason Santos.
Gonçalo Ramos, a residir em
Hong Kong há 11 anos, acredita que “há cada vez mais pessoas à procura [de
aulas de português], de dentro e fora da comunidade”.
“Há pessoas que pedem para ser
adicionadas ao grupo ‘Portugueses no Facebook’, com intenção de procurarem quem
as possa ensinar. Há também indicações de quem ensina português que diz não ter
tempo livre e que inclusive procuram encaminhar solicitações para outros
educadores.”
Casado e com duas filhas,
Gonçalo Ramos tem, ele próprio, dificuldade em encontrar um professor para
elas. Na sua visão, além das aulas do Club Lusitano, que “tiveram uma boa
resposta”, deveria haver mais oportunidades. “As ofertas resumem-se a
iniciativas privadas de indivíduos ou de poucas escolas e institutos”,
assegurou.
Roy Tse conta que ele próprio
teve dificuldade em encontrar alguém que o ensinasse. “É muito diferente
encontrar lições ou um professor para aprender português em Hong Kong
[comparativamente com Macau]. Em Hong Kong é mais fácil encontrar cursos de
espanhol, holandês ou até grego. Felizmente, encontrei o Alexandre no grupo
‘Portugueses em Hong Kong, mas não tenho a certeza se ele é o melhor tutor,
pois é do Brasil.”
O estudante de português
assegura que, pelo menos, Alexandre Lui transmitiu-lhe os sons da Bossa Nova.
“Também me falou da história de Portugal e de Macau. Seria óptimo se me
ensinasse mais sobre fado”, rematou. Andreia
Silva – Macau in “Hoje Macau”
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