Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

domingo, 12 de março de 2017

Albano Martins: circunlóquios

                                                             I

Que poesia não se faz apenas com emoção é verdade incontestável, ainda que haja alguns poetas que se dizem populares e desconheçam regras básicas da modalidade e, ainda assim, apresentam razoáveis qualidades. Mas, historicamente, todo grande poeta é também um bom teórico, estudioso das diversas formas do poema e conhecedor da métrica. É o caso do poeta português Albano Martins, professor, crítico, ensaísta, ficcionista e tradutor, que carrega mais de 66 anos de produção intensa – são 33 livros de poesia, cinco de prosa, alguns de literatura infanto-juvenil e de labor acadêmico, entre outros.

Obviamente, de sua produção, constavam muitos textos dispersos publicados em jornais e revistas – algumas de duração efêmera – e outros ainda inéditos, pois apenas lidos por ocasião de homenagens a autores ou durante colóquios ou encontros acadêmicos. Essa lacuna vem sendo preenchida com a publicação de Circunlóquios, série de volumes que procura arquivar esses textos que se achavam “perdidos” ou à mão apenas de quem se dispusesse a procurá-los nos arquivos públicos.


                                               II
Circunlóquios III (Porto, Edições Universidade Fernando Pessoa, 2016), na linha dos dois volumes anteriores, reúne alguns desses textos de vária índole entre o ensaio e a crônica, além de recuperar quatro entrevistas em que o autor discorre sobre a sua concepção do mundo, da vida, da arte e da literatura. Recupera ainda prefácios e textos de colaboração em volumes e catálogos e uma breve autobiografia publicada nos finais da primeira década de 2000, além de quatro textos de homenagem a poetas e estudiosos: Cruzeiro Seixas, António Ramos Rosa (1924-2013), Raul de Carvalho (1920-1984) e o professor brasileiro Leodegário de Azevedo Filho (1927-2011).

Se circunlóquio constitui figura de linguagem que abriga um discurso pouco direto, em que o escritor vai demasiadamente além do que pode ser dito em poucas palavras, essa pretensa verborragia é mais do que justificada no caso de Albano Martins, tal a grandeza das imagens a que recorre para encontrar a definição perfeita. É o que se pode constatar no discurso que escreveu para agradecer a homenagem que a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia lhe prestou pela passagem de seus 65 anos de escrita e 46 de ininterrupta permanência em território gaiense.

Nesse discurso, o poeta diz que “a língua portuguesa nasceu molhada: pelo sangue derramado nas campanhas da reconquista, primeiro; pela água dos mares vencidos pelas quilhas das naus das descobertas, depois; mas também pela água das nascentes – a água pura da “fontana fria” de que fala uma bonita cantiga de amigo de Pero Meogo que ecoa até hoje na nossa memória e permanece no nosso imaginário poético, quer dizer, no nosso tradicional e coletivo vocabulário lírico”. Por aqui se vê que o Albano Martins prosista nada fica a dever ao Albano Martins poeta.


                                               III
Nascido em 1930 na aldeia do Telhado, concelho do Fundão, distrito de Castelo Branco, na província da Beira Baixa, em Portugal, Albano Martins foi professor do ensino secundário de 1956 a 1976 e é licenciado em Filologia Clássica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, exercendo desde 1994 funções docentes na Universidade Fernando Pessoa, do Porto, de onde se aposentou depois de 18 anos de trabalho. De 1980 a 1993, foi funcionário da Inspeção-Geral do Ensino. Foi colaborador (e secretário anônimo) da revista Árvore (1951-1953). É colaborador do quinzenário As Artes Entre as Letras, do Porto.

É autor de 33 livros de poesia, desde que em 1950 estreou com Secura Verde, que recebeu segunda edição em 2000. São tantos os livros que seus títulos ocupam quatro páginas. Basta ver que sua vasta obra foi três vezes reunida em volume, a primeira com o título Vocação do Silêncio (Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1990), com prefácio de Eduardo Lourenço; a segunda em Assim São as Algas (Porto, Campo das Letras, 2000); e a terceira em As Escarpas do Dia (Porto, Edições Afrontamento, 2010), com prefácio de Vitor Manuel de Aguiar e Silva. Seus poemas estão traduzidos em espanhol, inglês, italiano, francês, catalão, chinês (cantonense) e japonês.

De prosa, foram cinco livros, dos quais se destacam aqueles dedicados ao estudo das obras de Raul Brandão (1867-1930) e Cesário Verde (1855-1886). Além de quatro livros na área da literatura infanto-juvenil, organizou outros sete, inclusive antologias dos poetas Eugénio de Castro (1869-1944) e Lêdo Ivo (1924-2012).

Nas traduções, está o seu trabalho mais intenso, com 24 livros publicados. É tradutor de poetas latinos, gregos do período clássico, espanhóis, italianos e sul-americanos. Entre eles, salientam-se Giacomo Leopardi (1798-1837), Rafael Alberti (1902-1999), Nicolás Guillén (1902-1989), Roberto Juarroz (1925-1995) e Pablo Neruda (1904-1973). A tradução de Canto General, de Neruda, valeu-lhe, em 1999, o Grande Prêmio de Tradução APT/Pen Clube Português. Por sua tradução de sete obras de Neruda, recebeu do governo chileno a Ordem de Mérito Docente e Cultural Gabriela Mistral, no grau de grande oficial. Em 10 de junho de 2008, o presidente da República Portuguesa também o condecorou com a Ordem do Infante D. Henrique, no grau de grande oficial.

No Brasil, o poeta aparece na Antologia da Poesia Portuguesa Contemporânea (Rio de Janeiro, Lacerda, 1999), organizada por Alberto da Costa e Silva e Alexei Bueno. Tem uma Antologia Poética (São Paulo, Unimarco, 2000), com prefácio de Carlos Alberto Vecchi e organizada por Álvaro Cardoso Gomes, autor também da antologia Ofício e Morada (Florianópolis, Letras Contemporâneas, 2011).

Gomes é autor de dois livros consagrados ao estudo de sua poesia – um deles, A Melodia do Silêncio: subsídios para o estudo da poesia de Albano Martins (Lisboa, Editora Quasi, 2005), e o outro, mais recente, A Poesia como Pintura: a ékphrasis em Albano Martins (Cotia-SP, Ateliê Editorial, 2016). Os professores brasileiros Massaud Moisés, Nelly Novaes Coelho, Maria Lúcia Lepecki (1940-2011) e Leodegário A. de Azevedo Filho já lhe dedicaram aprofundados estudos.

Também não são poucas as dissertações de mestrado ou teses de doutoramento que lhe têm sido dedicadas no Brasil. Em maio de 2016, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), a professora Sonia Maria de Araújo Cintra defendeu a tese de doutoramento “Paisagens Poéticas na Lírica de Albano Martins: Natureza, Amor, Arte”. Em 1996, na Pontifícia Universidade Católica (PUC), do Rio de Janeiro, Accacio José Pinto de Freitas apresentou dissertação de mestrado sobre a sua obra. Em 2000, o poeta recebeu o doutoramento honoris causa pela Universidade São Marcos, de São Paulo.

Já a professora Gumercinda Gonda dedicou 40 páginas de sua tese de doutoramento defendida na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 2006, à obra de Albano Martins. E Jorge Valentim publicou A Quintessência Musical da Poesia: Rodomel Rododentro, um poema sinfônico de Albano Martins (Porto, Campo das Letras, 2007), tese de doutoramento também defendida na UFRJ.

A obra de Albano Martins tem merecido a atenção de alguns dos mais importantes críticos e ensaístas contemporâneos portugueses como António Cândido Franco, António Ramos Rosa, Eduardo Lourenço, Eduardo Prado Coelho (1944-2007), Fernando Guimarães, Fernando J. B. Martinho, Fernando Pinto do Amaral, Vítor Manuel de Aguiar e Silva, Luís Adriano Carlos, Joana Matos Frias e José Fernando Castro Branco. Sobre a obra do poeta, Luís Adriano Carlos escreveu O Arco-íris da Poesia (Porto, Campo das Letras, 2002). Já Castro Branco escreveu a tese de mestrado Estética do Sensível em Albano Martins, apresentada à Universidade do Porto, publicada em edição do autor em 2003. Adelto Gonçalves - Brasil

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Circunlóquios III, de Albano Martins. Porto: Edições Universidade Fernando Pessoa, 151 págs., 2016. Site: www.ufp.pt
E-mail: edições@ufp.edu.pt


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Adelto Gonçalves, jornalista, mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana e doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP), é autor de Os Vira-latas da Madrugada (Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1981; Taubaté, Letra Selvagem, 2015), Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003), Tomás Antônio Gonzaga (Academia Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012), e Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2015), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br

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