O
alerta é dado por Abdulai Silá: a língua portuguesa corre o risco de
desaparecer da Guiné Bissau e já será falada por menos de um por cento da
população do país. Fundador da Associação de Escritores da Guiné Bissau, Silá
acusa o governo guineense de não ter uma “política linguística clara” para o
ensino do português
Abdulai Silá, escritor
guineense que está em Macau a convite do Festival Literário Rota das Letras,
está preocupado com o estado da língua portuguesa no seu país, devido a um
sistema educativo “falido”, que, diz, ignora o facto de menos de um por cento
dos guineenses falar o idioma no dia-a-dia.
“O nosso sistema educativo
está falido. Há cada vez menos capacidade de expressão em português. Isso chega
ao ponto de ser preocupante, chega ao ponto em que pessoas que têm a língua
como principal ferramenta de trabalho não a dominam o suficiente para exercer.
Vê-se acórdãos, até no Supremo Tribunal, cheios de erros”, lamenta o escritor,
em entrevista à agência Lusa.
Abdulai Silá, que cofundou e
preside à Associação de Escritores da Guiné Bissau, diz que há “cada vez mais
pessoas a escreverem em crioulo”, o que considera “saudável”, salientando que
“essa necessidade de diálogo com o cidadão é cada vez mais forte”, mas alerta
para o facto de, por outro lado, haver “uma dificuldade real de utilização do
português”.
“Ensinamos o português como se
se tratasse de um país onde as pessoas falam português no dia-a-dia. Isso é
falso. Menos de um por cento dos guineenses fala português no seu dia-a-dia.
Falam outras línguas, uma boa parte fala crioulo, outra nem sequer o crioulo
fala. Não se pode ensinar essa língua ignorando essa realidade. O resultado é o
que se vê”, crítica.
O autor de 59 anos apela a uma
“política linguística clara”, que corrija situações como, por exemplo,
professores que não dominam o português a ensinarem língua, como diz ter
conhecimento de existirem: “Tenho dois sobrinhos a terminar o 12.º ano e não
são capazes de escrever uma nota simples, ou ter uma comunicação básica sobre o
estado do tempo. Fazem tantos erros, tantos erros. Não são culpados, são
vítimas”, relata.
Com a comunicação oral
“praticamente nula”, Abdulai Silá considera particularmente grave que as
entidades que utilizam a escrita o façam de forma deficitária: “É muito
difícil, por exemplo, ler-se os jornais, hoje. Na primeira página, erros
crassos. Isso é muito mais grave do que se pode imaginar, num contexto em que
não se fala, em que uma das formas mais eficientes de melhorar o conhecimento
da língua é através da leitura. O guineense não fala português com outro guineense,
é muito raro, mas escreve e lê o português todos os dias. Quando esse contacto
com a língua não ajuda, porque está cheio de erros, as pessoas ficam na dúvida:
será que é como escreveu o jornalista ou como eu aprendi noutro local?”,
alerta.
Uma dificuldade ainda anterior
a esta é a reduzida taxa de literacia do país, cerca de 60 por cento. Além dos
que não sabem efectivamente ler e escrever, Silá lembra que há também
“analfabetos funcionais”: “É o que temos e que é muito perigoso, pessoas que
nunca pegam num livro, não cultivam a mente”, diz.
Perante esse cenário, um
escritor questiona-se: “Vale a pena dirigir-se a uma pequena minoria, essa meia
dúzia de indivíduos que decidem sobre o destino do país?”
Para contornar essa situação,
a associação de escritores procura “envolver cada vez mais, e através de acções
concretas, o cidadão comum, sobretudo o jovem”.
A associação tem cerca de duas
dezenas de membros, mas as suas actividades são abertas a todos. Silá destaca
os encontros mensais para discutir “a cultura de uma maneira geral”: “Num
ambiente tão tenso como o que se tem vivido ultimamente na Guiné-Bissau,
entendemos que deve haver momentos de lazer, momentos de reflexão, momentos de
convívio, de pacificação. Há sempre um convidado que tenha feito uma
contribuição válida na história da Guiné-Bissau, seja de que área for”,
explica. In “Ponto Final” - Macau
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