Durante os mais de vinte anos
pelos quais se prolongou a ocupação indonésia de Timor-Leste, mais de quatro
mil crianças timorenses foram retiradas às respectivas famílias e enviadas para
a Indonésia. A questão deu o mote a um documentário produzido por uma
associação indonésia. O filme é exibido no próximo sábado, 21 de Janeiro de
2017, em Díli.
A delegação da Fundação Oriente
em Timor-Leste apresenta no sábado um documentário sobre as crianças timorenses
que foram roubadas durante a ocupação indonésia, levados para aquele país e
começam agora, pela primeira vez a regressar a casa.
“Nina e as crianças roubadas
de Timor-Leste”, foi produzido pela AJAR – Asian Justice and Rights, uma
associação de direitos humanos indonésia que conta com uma representação em
Timor-Leste e que usa alguns casos para ilustrar uma realidade que afecta a milhares
de timorenses.
Realizado em indonésio e
legendado em português e inglês o filme é exibido na tarde de sábado na
delegação da Fundação Oriente em Díli, seguindo-se à exibição algumas
explicações dos antecedentes do trabalho por parte de elementos da AJAR.
Espalhados pelo vasto
arquipélago indonésio, há milhares de timorenses que, à força, ainda crianças,
foram retirados às suas famílias, das suas terras e levados para milhares de
quilómetros de distância, obrigados a mudar de religião e até de nome.
Vítimas praticamente
invisíveis da ocupação indonésia de Timor-Leste e que, ainda hoje, continuam
sem ver a família, sem regressar à sua terra natal, sem saber sequer se os
familiares estão vivos ou onde se encontram.
Do lado de Timor-Leste, os
seus familiares procuram por eles, sem saber onde se encontram. Em alguns
casos, até já fizeram o luto, deixando perto de casa túmulos sem corpo a
lembrar um filho ou uma filha perdida.
Em Maio do ano passado um
pequeno grupo de 11 homens e mulheres, alguns já pais e mães, chegou a
Timor-Leste, a maioria pela primeira vez desde que foram roubados às famílias.
Galuh Wandita, da AJAR – que é
responsável por este programa de reunião familiar – explicou à agência Lusa que
se trata de encontrar a “geração roubada”, um grupo de pelo menos 4000
timorenses – segundo o relatório da Comissão de Acolhimento Verdade e
Reconciliação (CAVR) – que terá sido levado de Timor-Leste: “Estamos a procurar
sobreviventes de um grupo que eu acho que pode ser muito maior do que essa estimativa
de 4000. Para já, só estamos a trabalhar com contactos com outros
sobreviventes, que se lembram de pessoas ou conhecem outras”, explicou.
Hoje com as suas vidas na
Indonésia, é particularmente complexo procurar as reuniões: “É uma questão
muito sensível para eles. Vivem na Indonésia há muitos anos, estão integrados
nessa cultura e nesse país e nós tentamos apenas fazer a ponte”, explicou.
“De um ponto de vista de
direitos humanos, são crianças roubadas às famílias. Mas a realidade é que hoje
já têm eles as suas próprias famílias, estão em novas comunidades”, notou.
O choque ao sistema que muitos
sentem ao regressar pela primeira vez, depois de muitos anos, é um sinal do
drama pessoal que cada um viveu, separado da sua infância e família com quem hoje
têm até algumas dificuldades em comunicar, por questões de língua ou outras.
Todos têm nomes diferentes
daqueles com que foram baptizados: desapareceram os nomes próprios e apelidos
timorenses – ou portugueses – e são hoje conhecidos por nomes indonésios, a
maior parte muçulmanos.
Entre os que vieram em Maio,
por exemplo, Ernâni Monteiro é Mubaraj Wotu Modo, Eugénio Soares é Muhammad
Irfan, e a sua mulher, com quem se casou em 2001, é também uma criança roubada,
Dortea Hornai, agora Siti Latifah Dortea.
Rosita, hoje Rosnaeni, é uma
das crianças roubadas há mais tempo. Em 1978 ela e a irmã foram levadas à força
da sua casa em Railakolete por elementos do batalhão indonésio 612 para
Makassar, onde, mais tarde, acabaram por ser separadas. Rosita nunca mais viu a
irmã.
As promessas de uma educação,
feitas pela família indonésia de acolhimento, nunca se materializaram e Rosita
passou a vida a trabalhar arduamente nos terrenos agrícolas. Fugiu muitas vezes
mas era sempre devolvida a casa.
Hoje, já adulta, saiu de
Makassar e vive em Sulawesi Central, ainda sem acesso à educação que lhe foi
prometida. Outro elemento desse grupo de Maio, natural de Baucau, é uma das
meninas roubadas em 1999, durante a debandada final dos ocupantes indonésios.
Foi levada como refugiada para
Atambua, no lado indonésio da ilha, e, mais tarde foi transportada num navio
militar para Makasar, onde ficou ao cuidado da Fundação Islâmica Ansar.
Instalada com outras crianças
numa casa de acolhimento, Teresa foi regularmente espancada: não sabia rezar e
era uma refugiada de Timor-Leste, de uma realidade distante da comunidade onde,
à força, foi integrada.
Mudaram-lhe o nome, agora é a
Sity Alma, é empregada doméstica e vive a quase 2.000 quilómetros de Baucau, na
cidade de Malili, nas Celebes. In “Ponto Final” – Macau com “Lusa”
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