O
Caminho-de-Ferro de Benguela (CFB) entra para a história como a primeira
companhia ferroviária angolana a aceder àquela que já começa a ser considerada
pela comunidade ferroviária nacional como a nova geração de locomotivas do
país, as GE-C30-ACi, da gigante norte-americana General Electric
O processo de compra dessas
máquinas entra, também ele, para a história como um dos maiores contratos da
indústria ferroviária mundial e uma das maiores aquisições de locomotivas
feitas de uma só vez. São no total 100 unidades que Angola solicitou à General
Electric para modernizar a frota de locomotivas das três companhias nacionais,
detidas pelo Estado.
O contrato prevê a entrega
faseada das máquinas. As primeiras quinze já chegaram ao país e foram
repartidas pelas três companhias, mas é o CFB que recebeu primeiro e ficou com
oito unidades, mais de metade do lote, e já projecta as suas operações com base
nas novas locomotivas.
Para já, enquanto as suas
congéneres, a de Luanda, para a qual estão reservadas duas unidades, e a de
Moçâmedes, cinco, aguardam pela entrega formal das novas locomotivas, o
Caminho-de-Ferro de Benguela já promete duplicar o número de viagens semanais,
do Lobito ao Luau, passando de duas para quatro, e dobrar o número de
passageiros e a quantidade de carga transportados.
É com satisfação incontida que
o presidente do Conselho de Administração do CFB, José Carlos Gomes, confirma
ao Jornal de Angola que as oito locomotivas destinadas à companhia já repousam
no Lobito. “O Executivo investiu forte numa caminhada inovadora, para
satisfazer o melhor possível as necessidades das populações, que há muito
clamam pelo incremento do número de viagens entre Lobito (Benguela) e Luau
(Moxico)”, afirma.
A modernização da frota de
locomotivas do país é uma iniciativa presidencial, que, a despeito da crise
financeira que o país atravessa, recomendou ao Ministério dos Transportes para
persistir no negócio, orçado em centenas de milhares de dólares e suportado por
uma linha de crédito do Canadá.
A iniciativa junta-se a outros
investimentos públicos de vulto feitos no sector ferroviário, nos últimos anos,
e que traduzem a importância estratégica que o Executivo atribui às empresas do
sector no Plano Nacional de Desenvolvimento, de médio e longo prazo.
Importante instrumento no
sistema de transportes que conformam o chamado Corredor do Lobito, o
Caminho-de-Ferro de Benguela é, entre os três, o que maiores recursos públicos
já absorveu, o que se explica pelo facto de ser o que maiores danos sofreu em
consequência da guerra, mas sobretudo pela sua importância estratégica para o
país.
O Corredor do Lobito é uma
plataforma de transportes intermodal, que começa no Lobito, atravessa as
províncias do Huambo, Bié e Moxico, até ao município do Luau, de onde o
Caminho-de-Ferro de Benguela se liga à República Democrática do Congo,
resultando daí a dimensão transfronteiriça do CFB.
Através da ligação à Zâmbia,
que passa apenas pela criação de um ramal a partir do Moxico até à fronteira
daquele país, é possível chegar à cidade da Beira, em Moçambique, a Dar-es-Salaam,
na Tanzânia, junto ao Oceano Índico, o que confere ao Caminho-de-Ferro de
Benguela uma dimensão transcontinental.
As ligações com a República
Democrática do Congo e a Zâmbia, concluído que está o “trabalho de casa” que
cabia a Angola, dependem agora dos dois países. Enquanto não cumpre as suas
missões transfronteiriça e transcontinental, o Caminho-de-Ferro de Benguela
serve o país da melhor maneira, garantindo o transporte de pessoas e de
mercadorias do litoral para o leste, passando pelo centro sul.
Nova
etapa
Desde que o comboio do
Caminho-de-Ferro de Benguela voltou a apitar no percurso que sai da cidade do
Lobito, no litoral atlântico, até ao município do Luau, província do Moxico,
extremo leste do país, passando pelo Huambo e pelo Bié, começou-se a verificar
sinais de transformação no dia-a-dia da população que habita ao longo do seu “hinterland”, a começar pela circulação
segura e barata das pessoas, passando pelo transporte de todo o tipo de
mercadoria e material indispensável para a construção de infra-estruturas para
o desenvolvimento das diferentes vilas e povoações atravessadas pelo ramal do
CFB.
Numa só viagem, o comboio leva
em média 1.900 passageiros e 520 toneladas de mercadorias. A companhia tem a
sua sede no município do Lobito, onde foi construída uma moderna estação,
infra-estrutura inteiramente alinhada
com um ambicioso programa de modernização e de reabilitação das
infra-estruturas ferroviárias.
Trata-se de uma imponente
obra, um autêntico postal da chamada “sala de visitas de Angola”, como também é
chamada a cidade dos flamingos, e que foi pensada para dar o máximo de
comodidade aos passageiros e prestar serviços de elevado padrão. À estação
ferroviária do Lobito, somam-se outras 37 até à cidade do Huambo, a traduzir o
gigantesco esforço de recuperação das infra-estruturas ao longo do traçado do
Caminho-de-Ferro de Benguela.
Ao longo da linha do
Caminho-de-Ferro de Benguela ainda existem importantes empreitadas por
concluir, como a consolidação dos trabalhos da via, o acabamento do sistema
integrado de comunicações, comando e controlo das circulações, incluindo testes
em alguns troços. Prossegue, igualmente, o reforço das áreas de drenagem ao
longo da linha. Tudo isso para garantir uma circulação mais segura do comboio.
Entre as estações sobressaem,
ainda, as da Catumbela e a do Negrão, autêntica placa giratória dos comboios
para o planalto central e a cidade de Benguela. Do Negrão a Caimbambo, passa-se
pela área do Guviriri, onde foi instalado um aparelho responsável pela medição
das águas do rio Cubal, cujas enchentes provocaram, no passado, enormes
prejuízos em vidas humanas, colheitas e gado.
Comércio
Com a circulação do comboio,
dezenas de camponeses viram chegar uma oportunidade para venderem os seus
produtos. Ao longo da linha, em Caimbambo, Cubal, Ganda, Tchinjenje, Ukuma,
Longonjo, Caála e outras, a chegada do comboio é sempre motivo de celebração
para os camponeses, desejosos de vender tudo o que podem. Aliás, o comboio
funciona, também, como um forte incentivo à produção rural, devido à sua
acessibilidade e, sobretudo, à elevada capacidade de escoamento.
O desenvolvimento económico e
social das diferentes povoações situadas no “hinterland” do CFB, nas províncias
de Benguela, Huambo, Bié e Moxico passa hoje, inquestionavelmente, pelo
Caminho-de-Ferro de Benguela.
Pelas carruagens e vagões do
Caminho-de-Ferro de Benguela circula bebidas, sobretudo cerveja, farinha de
milho, sal, peixe seco, gás butano, combustíveis (gasolina e gasóleo), diverso
material de construção, viaturas, sucatas, cimento, equipamentos agrícolas,
roupa usada, calcário, mobiliário, colchões, material de telecomunicações,
cimento e toda a parafernália essencial às pessoas e para a montagem e
recuperação de infra-estruturas nas regiões atravessadas pelo comboio.
Em 2012, estatísticas apontam
que viajaram pelo Caminho-de-Ferro de Benguela
23968 pessoas, do Lobito ao Huambo, cifra que caiu para 11324 no ano a
seguir, registando uma ligeira subida em 2014 ao ficar em 18775. Em 2015, houve quase o dobro de passageiros
nessa frequência, com um registo de 35860 pessoas.
Em 2016, entre Janeiro e
Setembro, o Caminho-de-Ferro de Benguela transportou 288498 passageiros e 20657
toneladas de mercadoria, entre produtos do campo, bebidas, cimento e gás de
cozinha.
Há sinais de grande vitalidade
em todo o traçado do Caminho-de-Ferro de Benguela. O comboio devolveu a esperança
de uma vida melhor à população, pois havia muitos produtos a estragarem-se nos
campos agrícolas.
Hoje, muita gente vende milho,
feijão, batata-doce, legumes e outros produtos nos mercados de Benguela, Lobito
e noutros centros urbanos um pouco por todo o país, graças ao comboio.
No Huambo, está em construção
um centro para a formação dos técnicos do CFB e uma linha para formação prática
na condução de veículos e outras infra-estruturas da via. Na província do Bié,
uma potência agrícola no centro de Angola, a população vê reavivadas as
esperanças quanto ao escoamento da sua produção, a partir das estações do
Kunhinga, Cunje, Catabola, Chipeta, Camacupa, Cuemba e de outras localidades do
Moxico, onde a linha férrea termina na estação do Luau, junto à fronteira com a
RDC e da Zâmbia. Aí o impacto do comboio é absolutamente notável.
Entre 2005 e 2015, o programa
de reabilitação do CFB representou um investimento de 1900 milhões de dólares
americanos de um total de 3500 milhões de dólares destinados à reparação da
rede dos caminhos-de-ferro de Angola.
Nestes números, estão
incluídas outras infra-estruturas, umas reabilitadas e outras erguidas de raiz
ao longo do traçado do Caminho-de-Ferro de Benguela em todo o seu corredor,
desde o Atlântico ao Luau, que incluem estradas, aeroportos, portos, escolas e centros
de saúde.
A reabilitação e a
modernização dos ramais do CFB incluem a instalação de redes de fibra óptica e
de equipamentos de sinalização e de segurança em toda a extensão das linhas,
construção de pontes, pontões, apeadeiros, passagens de nível e valas de
drenagem, além de modernas estações para comodidade dos passageiros, o que
explica as somas astronómicas da empreitada.
Percurso
histórico
O Caminho-de-Ferro de Benguela
começou a ser construído em 1899, com a finalidade de dar acesso ao interior e
facilitar o transporte dos recursos minerais extraídos da República Democrática
do Congo. A ligação ao Luau aconteceu em 1929. Desde muito cedo, a linha
mostrou ser um sucesso, revelando-se muito rentável, por constituir o caminho
mais curto para transportar as riquezas mineiras do Sul do Congo para a Europa.
Em 1931, o Porto do Lobito
recebeu por via férrea o primeiro carregamento de cobre proveniente do Catanga.
Mas a guerra que se seguiu à Independência de Angola obrigou à suspensão do
funcionamento do CFB, dado que boa parte da sua infra-estrutura acabou por ser
destruída ou danificada, inviabilizando o trânsito.
Em 1987, numa fase de
abrandamento, foi acordado um plano de reconstrução entre as autoridades de
Angola e do Congo Democrático, que acabou por não ser levado a cabo por causa
do reacender da guerra. Com o advento da paz, em 1991, Angola solicitou um
estudo para a sua reconstrução com a ajuda do Banco Mundial, com vista a
retomar o tráfego ferroviário e a potenciar a capacidade do Porto do Lobito.
Durante o breve período de
paz, a ferrovia transportou material em quantidade reduzida, mas conseguiu
voltar a funcionar, ainda que em distâncias médias.
O tráfego era então assegurado
por oito locomotivas da General Electric, modelo U20C, 2 Paxman 8RPHXL, seis de
dois motores acoplados Cummins NT855L4, com um total de 22 locomotivas a diesel
e mais 19 dedicadas a serviços menos importantes.
Em 1995, contava com 53
locomotivas (das quais 24 foram adquiridas em segunda mão à África do Sul),
quatro vagões restaurantes, igual número com camas e 1761 carruagens.
Em 2005, foram encetadas
conversações entre os governos de Angola e da Zâmbia para retomar o
funcionamento. Em 2009, foi concluída a remoção dos engenhos explosivos nesta
linha, num esforço conjunto das Forças Armadas Angolanas, Instituto Nacional de
Desminagem, Gabinete de Reconstrução Nacional e Polícia de Guarda Fronteira.
Desde então, o Caminho-de-Ferro de Benguela reescreve a sua própria história. André dos Anjos – Angola in “Jornal
de Angola”
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