A
descoberta de um esqueleto numa estranha posição em Beja intrigou os
investigadores. Agora, sabe-se que a posição era de ioga e o corpo em causa de
um mestre. Que chegou a Portugal há 1700 anos. A pé
Em 2007 e no decorrer de uma
obra na rede de abastecimento de água à cidade de Beja surgiu, no meio de
ossadas do período islâmico, um esqueleto em posição de lótus. Nove anos
depois, e pela primeira vez no mundo fora da Índia, foi confirmada a descoberta
de um mestre ioga, que aqui chegou vindo do Oriente a pé.
São mais as certezas que as
dúvidas relativas à identificação do que resta de um indivíduo do sexo
masculino, enterrado há cerca de 1700 anos, com a coluna erecta, as pernas
cruzadas, os dedos do pé direito apoiados no calcanhar do pé esquerdo, em
posição de lótus. Pequenas pedras talhadas com pequenos círculos estavam
colocadas na cabeça, cotovelos e pernas. Era patente a intenção de acondicionar
o corpo naquela posição, dentro de uma estrutura construída para esse
propósito, e próximo do que poderá ter sido uma das principais vias de acesso à
então cidade Pax Yulia. Foi enterrado próximo dos outros túmulos, “nas
traseiras do que seria uma necrópole, salvaguardando o respeito ao espaço
romano”, presume o arqueólogo Miguel Serra, que fez a descoberta classificada
como “bizarra” dada a forma como o corpo fora inumado. Não tinha qualquer
adereço, pormenor que patenteava despojamento.
A disposição do esqueleto era
diferente das inumações dos islâmicos que encontrou depositados, a poucos
metros, em contacto com a terra e com a face virada para Meca. Este tinha a
cabeça virada para oeste.
Apesar de nunca ter visto as
ossadas, que se encontram depositadas na Universidade de Coimbra para a
realização de estudos de ADN e do tipo de alimentação que consumia, o
presidente da Confederação Portuguesa de Ioga, o grande mestre Jorge Veiga e
Castro, depois de ter visionado as fotografias, o espaço de enterramento e
interpretado a documentação científica produzida, não tem dúvidas: “Não se
conhece em nenhuma parte do mundo, a não ser na Índia, um fenómeno de um
esqueleto em posição de lótus como o de Beja”.
“A pose de enterramento era
muito estranha e remetia-nos para o mundo oriental, mas sem definição”, referiu
Miguel Serra, acrescentando que, no século III d.C, havia cultos orientais em
Beja e identificou-se “o indivíduo como estando associado a esse movimento.”
Nesse contexto histórico, e
apesar de Pax Julia se localizar no interior do sudoeste peninsular, sabe-se,
desde que o arqueólogo Cláudio Torres reescreveu a história da região, que
havia uma intensa ligação ao mundo mediterrânico através do rio Guadiana e pelo
porto fluvial de Mértola, por onde chegavam diversas influências culturais e
religiosas.
oi através dessa porta de
entrada que veio até à cidade romana um mestre ioga que se lançou ao caminho,
percorrendo, a pé, não se sabe por onde nem como, cerca de 8000 quilómetros
“para transmitir a boa nova fora da Índia”, afirmou ao PÚBLICO Veiga e Castro.
A convicção do mestre sobre esta aventura assenta não só na estrutura óssea do
esqueleto, que indicia grandes caminhadas, como no hábito que existia na altura
de encetar grandes peregrinações.
O certo é que este estranho
indivíduo, descreve o relatório antropológico elaborado na sequência da
descoberta, apresentava patologias que revelaram “que caminhava muito e de pé e
era um indivíduo robusto e saudável.” Os ossos na zona de intercepção com os
músculos apresentavam umas cristas, reveladoras do esforço a que foram sujeitos
depois de intensas caminhadas. "Morreu aos 50 anos, tinha 1,62 metros de
estatura e terá sido velado ao ar livre durante uns dias, mas não morreu em
meditação”, continua o relatório.
A simetria da posição e a
forma como estava colocado “só era possível de alcançar pelos grandes mestres”,
sublinha o arqueólogo, que interpretou o modo como foi inumado como “um manual
como fazer correctamente aquela posição.”
As dúvidas que suscitou, a
forma de enterramento e o desconhecimento de situações paralelas para
interpretar este indivíduo impeliram Miguel Serra a colocar a foto do inédito
achado arqueológico nos blogues. “E foi então que tivemos uma surpresa, quando,
em 2012 se realizou, em Beja, o Dia Internacional do Ioga”. Vários indianos que
se deslocaram à cidade alentejana ficaram perplexos com o achado que não lhes
deixava dúvidas: “Era um mestre de ioga”, conta Miguel Serra, realçando a
insistência em se fotografar no espaço onde foi descoberto o enterramento na
Rua Gomes Palma, junto ao chamado Jardim do Bacalhau.
Jorge Veiga e Castro confirmou
que os "mestres da Índia ligados ao ioga e ao hinduísmo (entre eles vários
professores universitários) ficaram felizes e surpreendidos com o achado de
Beja”. E, através das informações que foram recolhendo, ficou reforçada "a
ideia de que se trata de um mestre do ioga.” A dimensão e o significado da
descoberta arqueológica não lhe deixam dúvidas. “Todos os indícios apontam
nesse sentido. É inegável, as provas estão lá. Ninguém o pode esconder. É um
achado histórico de grande significado”, sintetiza o presidente da Confederação
Portuguesa do ioga, realçando um pormenor histórico: "Não foi só há 500
anos que houve contactos com o extremo oriente. Muito anos antes já os haveria
como este personagem parece documentar.”
A partir de agora, o objectivo
da Confederação Portuguesa do Ioga passa por transformar Beja “num pólo de
atracção que projecte esta corrente religiosa para a Europa e o mundo inteiro”.
Para alcançar esse desiderato, diz que o próximo objectivo é “expor as ossadas”
na capital do Baixo Alentejo, se for possível até ao Congresso Ibérico de Ioga,
que se realiza Abril, na cidade espanhola de Ávila.
Achado
arqueológico descoberto “por uma unha negra”
A legislação em vigor que
limita a área de protecção legal dos centros históricos revela lacunas que
foram realçadas em escavações arqueológicas realizadas em 2007 e que conduziram
à descoberta do esqueleto de um mestre de ioga.
Se a vala que foi aberta para
a instalação da rede de águas tivesse sido deslocada cerca de três metros para
além do limite dos 50 metros a contar da cintura de muralhas que delimita o
Centro Histórico de Beja não se estaria a falar deste achado que foi descoberto
“por uma unha negra”, refere o arqueólogo Miguel Serra.
O levantamento arqueológico
apenas incidiu no espaço da vala aberta para instalar a tubagem da rede de
abastecimento de água. “Ficámos sem poder saber o que está para os lados”,
acrescenta. Por exemplo, concluir se o mestre ioga tinha ou não junto dele
sepulturas de seguidores, observa o arqueólogo.
A área já está identificada há
décadas como rica do ponto de vista arqueológico dada a profusão de ossos
humanos que surgem durante as intervenções feitas numa extensão com cerca de
dois hectares de área e onde têm sido descobertos diversos vestígios da época
romana, islâmica, medieval e moderna.
Miguel Serra chama a atenção
para a necessidade de tornar a legislação que estabelece as áreas de protecção
do património mais dinâmica em função das características históricas de cada
local, lembrando que a “cidade de Beja não morria nas muralhas” no século III
d.C. A ocupação estendia-se para o exterior. Exemplo disso é a enorme necrópole
que já existia na época romana, prosseguiu na época islâmica e continuou na
época moderna, como tem ficado provado no decorrer de intervenções que têm sido
efectuadas fora do centro histórico.
Durante as obras realizadas no
âmbito do programa Beja Polis, entre 2003 e 2004, foi descoberta uma rede com
137 silos escavados na rocha, que terão servido para o armazenamento de cereais
e também como lixeira entre os séculos XIV e XVII. Foram sacrificados à
instalação de um parque de automóveis. Tem sido descoberto outro tipo de
património fora da área de protecção, onde não é necessário o acompanhamento
arqueológico.
A
boa nova nos dias de hoje
No século III d.C, a mensagem
do movimento ioga estava praticamente circunscrita a uma área do planeta. Daí a
surpresa por terem sido encontrados vestígios da presença de um mestre ioga em
Beja.
Hoje, o ioga é uma filosofia
de vida baseada no princípio "o verdadeiro fundamentalismo é o respeito
pela vida" e tem dimensão universal. E, neste contexto, destaca-se a
elevação do Ioga da Índia a Património Cultural e Imaterial da Humanidade pela
UNESCO, objectivo que foi concretizado a 1 de Dezembro de 2016 e também o papel
desempenhado pelo português Jorge Veiga e Castro por ter sido o proponente do
Dia Internacional do Ioga.
Outra das iniciativas de Veiga
e Castro, o “Dia da Luz e da Sabedoria” e da “Não Agressão”, defende que, “por
24 horas, não se derrame sangue, sob nenhuma forma" e respeite-se "a
sagrada Vida que nos foi dada”, evento que ocorre no Solstício de Junho.
O também presidente das Confederações
Portuguesa, Ibérica e Europeia do Ioga concentra a sua atenção na formação das
crianças e jovens de todos os países do mundo, com a inclusão de o Ioga nos
currículos de ensino. Nesta área, ministra cursos de formação de professores do
Ioga. Carlos Dias – Portugal in "Jornal Público"
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