Murade
Murargy falou ao Dinheiro Vivo, em Lisboa, em vésperas de passar a pasta da
CPLP a Maria do Carmo Silveira
“No início foi difícil fazer
amigos em Lisboa, eram todos muito reservados. No final, levo comigo muitos
amigos.” Comentário de Murade Murargy, secretário executivo da Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa (CPLP), em jeito de balanço de quatro anos de
mandato. No final da missão, e prestes a passar a pasta para a sua sucessora, a
são-tomense Maria do Carmo Silveira, que assume a pasta já na segunda-feira, é
hora de fazer um balanço. Apesar de ainda faltar um longo caminho até alcançar
a livre circulação de pessoas e mercadorias, que almejava desde que chegou ao
cargo, é visível que a CPLP é hoje mais económica.
“Só agora os Estados membros
ganharam consciência da necessidade de pôr a CPLP mais ativa, não só na
política e na sociedade mas ao nível económico. Não foi fácil. Não basta dizer
que a CPLP se vai virar para a economia, é preciso construir todo um quadro
jurídico, o que tem implicações em termos de mobilidade”, conclui o embaixador
de carreira e moçambicano de sangue. “É necessário que governos e empresários
trabalhem juntos, primeiro a partir de cada país e depois tentando harmonizar
as políticas. Ainda há muito a fazer…”, diz em jeito de mensagem à sua
sucessora.
A recente crise do preço do
petróleo afetou os mercados da comunidade, como Angola, Moçambique e Brasil, e
acabou por atrasar algumas das metas definidas com vista à criação de uma
verdadeira comunidade económica. “Atrasou o processo, mas atualmente há uma
vontade política nesse sentido. A última cimeira da CPLP, que decorreu em
Brasília, teve enfoque nesta área e, ao contrário do que eu estava à espera, o
Brasil está muito empenhado em que a vertente económica e empresarial seja uma
realidade. O ministro dos Negócios Estrangeiro do Brasil tem uma visão da CPLP
muito mais dinâmica e concreta em objetivos a alcançar na economia.
Na opinião de Murade Murargy,
é preciso inverter a perceção mundial acerca de alguns dos países membros da
CPLP, nomeadamente africanos, visto como meros “recetores de doação e ajuda
internacional, e devem trabalhar para serem encarados como países que podem
participar na construção do bem-estar da comunidade. Não se pode estar de mão estendida!”,
diz. Moçambique é um dos Estados membros que deverão mudar esse paradigma,
considera. Até para assumir um papel importante no seio da CPLP. “Tem um
potencial enorme e ao longo dos últimos anos tem descoberto recursos que não se
sabia que existiam. A crise internacional afetou o país, bem como a
instabilidade política que permanece e que é preciso resolver, e a dívida”,
mas, mesmo assim, está otimista. “As previsões apontam para um alavancar do
crescimento económico no primeiro ou no segundo trimestre deste ano, estou em
crer que será um virar de página no desenvolvimento económico de Moçambique.”
Aliás, “as empresas que estão a negociar os acordos para a exploração de gás no
país estão hoje mais alinhadas e convencidas de que é preciso avançar”.
Contudo, “Moçambique precisa
que a confiança se volte a estabelecer, no governo e nas instituições do
Estado”, alerta, comentando os últimos casos de corrupção conhecidos no país e
que afastaram os doadores internacionais. Mas estes poderão estar de regresso à
nação durante este ano, segundo apurou o Dinheiro Vivo junto de vários
observadores internacionais.
Estratégia
para dez anos
O futuro constrói-se com
transparência, economia e conhecimento, considera Murade Murargy. “Neste
mandato, a primeira meta alcançada foi ter conseguido que os governos
refletissem sobre o futuro da CPLP, e não foi fácil. Foi preciso traçar um
plano para os próximos dez anos. A segunda conquista passou por todos terem
consciência de que sem o desenvolvimento humano não há desenvolvimento
económico dos países. É preciso que os Estados apostem no homem e na
capacitação das pessoas, na partilha do conhecimento e na mobilidade no espaço
(embora ainda não esteja a funcionar). A terceira meta alcançada foi a
aceitação e a consagração da vertente económica empresarial nos princípios e
nos pilares da CPLP.”
Na estratégia a dez anos, na
componente económica, destaca--se “o potencial energético dos nossos países,
desde o gás ao petróleo, mas também recursos minerais; a agricultura, área em
que a CPLP tem muito futuro; o turismo, em que podemos ser uma potência
mundial; e o comércio internacional, através de ligações marítimas que podemos
ter. Aliás, os mares e oceanos são outra das vertentes consagradas na nova
visão estratégica para a CPLP”, acrescenta ainda. Como remata o embaixador: “A
CPLP é jovem, tem 20 anos e muitos desafios pela frente.”
Futuro
- Cinco desafios para o novo mandato
Economia
“É preciso fazer mais, estruturar
melhor a vertente económica e empresarial dentro da Comunidade dos Países de
Língua Portuguesa (CPLP). Falta saber o que os governos devem e querem fazer
para ajudar os empresários a tirarem proveito de todo o potencial que existe. E
isso está ligado à mobilidade.”
Mobilidade
“A facilitação dos vistos para
os empresários e livre circulação é um desafio. Já existem alguns protocolos,
mas é preciso fazer mais, por exemplo, cada país ter uma lista dos empresários
todos que podem ter acesso a esses vistos, e isso é difícil. Encontrar uma
solução é o nosso grande desafio. Na conversa que já tive com a minha sucessora
deixei sugestões e julgo que até à próxima Cimeira da CPLP, em julho, vai-se
conseguir desbloquear isso.”
Conhecimento
“Insisto na importância do
desenvolvimento humano para o futuro. É preciso que os países mais avançados
apoiem os menos avançados para atingirmos níveis de desenvolvimento. Esta é uma
aposta fundamental.”
Credibilidade
“É preciso continuar a
projetar a CPLP no palco do mundo. Tornar a CPLP cada vez mais credível, mais
visível. É fundamental também fazer que a juventude se aproxime mais da CPLP.
Tem de haver uma atenção especial à juventude e à mulher, fundamentais no
desenvolvimento. Nos nossos países a mulher tem um grande papel na agricultura
e nos negócios.”
Combate
à fome
“A área da segurança alimentar
e nutricional está aí, mas ainda não houve grandes projetos que acabassem com a
fome que ainda existe nos nossos países. Acabar com essa realidade é um desafio
futuro. A CPLP é jovem, tem 20 anos e tem ainda muitos desafios pela frente. Rosália Amorim – Portugal in “Dinheiro
Vivo”
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