Timorenses
em Macau abriram caminho para a independência
No
final da década de 90, o Grupo de Macau Rai – Timor teve “um papel muito
importante no último arranque para a independência” do país, recordou, em
entrevista ao Plataforma Macau, o padre Domingos Soares, presidente da
associação. Numa viagem aos anos da resistência timorense, o sacerdote realça
também que a associação está a preparar uma recolha de dados sobre os filhos e
netos dos macaenses que constituíram família em Timor e que não regressaram.
PLATAFORMA
MACAU - Como nasceu o Grupo de Macau Rai – Timor?
DOMINGOS SOARES - Nasceu com o Padre
Francisco Fernandes em 1996, numa altura em que Timor estava a precisar de
ajuda e Macau tinha muitas facilidades. Como o próprio nome indica, este grupo
dá voz a uma ligação entre o povo timorense e de Macau. É uma ligação histórica
por causa do colonialismo português. Quando vinham barcos de Portugal [para
Macau], passavam por Goa e Timor, de modo que havia uma ligação forte.
Também havia muita gente de Macau em Timor
porque, em primeiro lugar, precisava-se de mão-de-obra, como construtores,
pedreiros ou carpinteiros. Além disso, vários presos eram enviados para Macau,
Moçambique ou Angola. Em Timor também tivemos vários presos de outras colónias
portuguesas.
Nessa troca de pessoas e de uma imigração,
por vezes, forçada, constituíram-se famílias. Eram pessoas de Macau que casaram
com timorenses e muitos dos filhos ficaram em Timor, espalhando-se depois
durante a invasão indonésia. Muitos chineses e filhos dessa nova ligação foram
mortos em Díli, outros conseguiram vir para Macau em 1975 ou para a Austrália.
P.M. -
O seu envolvimento já coincidiu com uma nova fase deste grupo.
D.S. - A situação em Timor acalmou e, com a
morte do Padre Francisco em 2005, o grupo esteve quase a desaparecer. Cheguei
em 2008 e vimos que era necessário que a ligação entre Timor e Macau
continuasse. Em 2010 fizemos a restauração do grupo. Este grupo tem andando com
dificuldades porque não existem muitos timorenses em Macau. Além disso, existe
outra associação de timorenses. Da nossa parte, vamos celebrando o aniversário
da morte do Padre Francisco com missa ou jantar e confraternização. No ano
passado, convidámos a cônsul de Timor em Bali, que veio falar sobre a
participação da mulher na resistência e o que a mulher tem feito após a
resistência.
P.M. -
O grupo tem sido liderado por padres. Esta associação tem um pendor religioso?
D.S. - Não está ligado à diocese. É uma
associação aprovada pelo Governo da RAEM, temos um cariz religioso, pois nas
nossas atividades, a parte religiosa está sempre presente, com a missa pelas
almas dos benfeitores ou pelas almas dos heróis timorenses.
P.M. -
De que forma este grupo teve um papel importante na causa timorense?
D.S. - O Padre Francisco Fernandes teve um
papel muito ativo. Conseguiram fazer a ponte [entre pessoas] daqui para
Portugal e no regresso de Portugal a Timor quando a situação estava mais calma.
De salientar o papel muito importante no
último arranque para a independência, sobretudo quando Xanana Gusmão estava na
prisão e havia a necessidade de criar uma plataforma entre os partidos
políticos – que eram cinco – para poder lançar a nossa luta e fazer reviver [a
causa] nas Nações Unidas.
O Padre Francisco Barreto, que era irmão do
maestro Simão Barreto, um dos fundadores do Grupo de Macau Rai-Timor, foi
visitar Xanana Gusmão à prisão em Jacarta. Apesar da comunicação não ser fácil,
o padre conseguiu trazer para Macau uma carta de Xanana com as orientações para
a realização de um congresso dos timorenses na diáspora. Xanana confiou então
ao Grupo de Macau Rai – Timor que preparou tudo com a ajuda do Governo para a
realização desse congresso. Acabou por não se realizar em Macau, mas em
Portugal.
P.M. -
E onde estava nesta altura?
D.S. - Em setembro de 1997, encontrei-me com
o Presidente Jorge Sampaio, que me disse: `É isto que estamos a precisar,
Portugal quer ajudar Timor a ser independente, mas não temos uma plataforma,
não temos um povo unido para podermos dizer que queremos defender os interesses
do povo´.
Nessa altura, os partidos não estavam unidos,
havia a UDT, a FRETELIN, os outros não eram partidos fortes e esses dois não se
uniam para criar a plataforma e para Portugal poder apoiar.
Foi assim que, com o impulso de Jorge
Sampaio, estivemos cerca de um ano a preparar a Convenção de Peniche, que se
realizou em 1998. Quando terminámos, Jorge Sampaio comunicou às Nações Unidas
que a nossa luta estava a recomeçar. Já havia uma plataforma – a CNRT (Conselho
Nacional da Resistência Timorense).
As Nações Unidas reagiram e enviaram um grupo
para observar a situação e apoiar a resistência. Depois houve uma abertura da
Indonésia com a renúncia de Suharto e foi o presidente Habibie que se abriu
para o referendo, que se realizou em agosto de 1999.
P.M. -
Mas já estava em Macau nessa altura?
D.S - Ainda não estava neste grupo. Quando o
Padre Francisco foi para Lisboa, eu estava lá. Fui obrigado a sair de Timor,
porque a Indonésia não gostava nem queria a minha presença no país. Até foi
bom, dizemos sempre que Deus escreve direito por linhas tortas. Foi para dar
uma mão à causa.
P.M. -
Antes de 1999 viviam mais timorenses em Macau?
D.S. - Sim. Muitos vieram em 1975 e outros em
1999.
P.M. -
A comunidade exilada não se fixou em Macau?
D.S. - Muitos foram para a Austrália, que
nessa altura oferecia facilidades.
P.M. -
Quantos timorenses vivem agora cá?
D.S. - Ainda não fizemos esse levantamento.
Timorenses como eu, que vieram de lá, somos poucos. Entre 10 a 20.
P.M. -
E quantas pessoas pertencem ao grupo?
D.S. - Na direção estamos nove pessoas. Temos
por volta de 50 membros, que não são todos timorenses, Esta é uma associação de
Macau-Timor.
P.M. -
E que estão a fazer agora?
D.S. - Estamos sobretudo a apoiar os
estudantes. Ao longo dos anos, angariámos dinheiro e conseguimos ajudar na
formação de timorenses em Macau, Timor ou Indonésia. O nosso objetivo é fazer a
ponte entre os dois lados. Temos um projeto, que vamos apresentar à Fundação
Macau. Queremos que alguns dos nossos membros da direção vão até Timor
contactar os filhos e netos de pessoas de Macau que por lá ficaram.
P.M. -
Quantos serão?
D.S. - Centenas. Mas como já referi, aqueles
que tinham mais possibilidades foram para a Austrália. Catarina Domingues – Macau in “Plataforma Macau”
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