A
lei para o aprofundamento das relações com a lusofonia aprovada em maio na
Galiza poderá facilitar eventuais integrações de Macau e Goa na Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa (CPLP), defende o diretor executivo do Instituto
Internacional de Língua Portuguesa (IILP), Gilvan Müller de Oliveira. Em
entrevista ao Plataforma Macau, o responsável considera a cooperação económica como
uma plataforma para a promoção do português, mas alerta para a necessidade de
Portugal e Brasil superarem uma “disputa disfuncional” pela língua.
PLATAFORMA
MACAU - De que forma é que a intenção da CPLP de apostar mais na cooperação
económica poderá afetar as políticas de promoção da língua?
GILVAN MÜLLER DE OLIVEIRA –
A cooperação económica é uma abertura que possibilita um crescimento da
importância da promoção da língua portuguesa. Uma melhor inserção dos países de
língua portuguesa nas suas regiões a partir da entrada em blocos económicos são
evidentemente plataformas extraordinárias para a promoção e visibilidade da
língua portuguesa.
P.M.
– E como vê a entrada da Guiné Equatorial na CPLP?
G.M.O. – O que se exige a um
país para ele entrar na CPLP é que ele tenha o português como língua oficial.
Há países como a Guiné-Bissau e Timor-Leste, em que a parcela da população que
fala português é bastante pequena e isso nunca foi um impedimento para que
fizessem parte da Comunidade. A entrada da Guiné Equatorial na CPLP é uma
possibilidade também muito interessante para a promoção do português. Por isso,
o IILP vai organizar, com o Governo da Guiné Equatorial, em Malabo, entre os
dias 1 e 3 de outubro, a primeira conferência sobre o português no âmbito das
políticas linguísticas da Guiné Equatorial.
P.M.
– A CPLP não deveria exigir essa implementação da língua antes da adesão de
potenciais novos membros?
G.M.O. – A Guiné Equatorial
pediu a adesão à CPLP em 2006. Desde então foram feitas várias exigências,
inclusive linguísticas, e só oficializou o português em 2011, pois sem isso não
poderia entrar. É bastante compreensível que o país não fosse dar um passo de
implementação do português sem ter sido aceite. No entanto, é preciso ter algo
muito claro. É visto hoje como uma vantagem para um país ter mais do que uma
língua oficial, porque significa possibilidade de conexões políticas,
diplomáticas e económicas com mais blocos. Mas nós, na língua portuguesa, ainda
vivemos no imaginário de Estado-nação do século XIX, em que um país tinha só
uma língua e que se tivesse mais reprimiríamos os cidadãos. Neste século é uma
grande oportunidade para a Guiné Equatorial ser o único país do mundo que tem
as três grandes línguas românicas oficiais, o espanhol, o francês e o
português, que conecta a Guiné Equatorial com mais de 800 milhões de falantes e
com 56 países. Nessa perspetiva, o português, quando implementado, terá um
certo lugar na Guiné Equatorial, mas a Guiné Equatorial não será um Portugal.
P.M.
- Não faria também sentido que Goa e Macau, através da Índia e China, fizessem
parte da CPLP?
G.M.O. - Temos uma
oportunidade para esta perceção, porque foi aprovada a Lei Paz-Andrade na
Galiza, que foi autorizada por Madrid e cria a seguinte perspetiva, que é
interessante para Macau e Goa: a Galiza, como região, não pode entrar na CPLP,
mas Espanha pode, e pode atribuir à Galiza a coordenação desta relação com a
lusofonia. A Índia apresentou uma consulta poucos meses antes da cimeira de
Díli, o que indica que pode haver a possibilidade de, em futuras cimeiras, vir
a apresentar um pedido de adesão.
P.M.
– Já houve alguma aproximação da Galiza e de Macau à CPLP?
G.M.O – Que eu saiba não.
P.M.
- Qual o balanço que faz dos quatro anos que esteve à frente do IILP?
G.M.O. - Tive a sorte de ter
em mãos o Plano de Ação de Brasília, que, com todas as suas limitações, é um
plano interessante. Definimos e executámos dois grandes projetos, o Portal do
Professor de Português como Língua Estrangeira, que supera esta ideia de uma
gestão puramente nacional da língua e cria um ambiente de cooperação entre Brasil
e Portugal, facto que consideramos essencial para que a língua portuguesa possa
avançar, o Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa, que terá mais de
260 mil palavras e cria uma gestão internacionalizada da língua portuguesa, e
vamos ainda elaborar as terminologias técnicas e científicas comuns previstas
também no acordo ortográfico, pois os nossos livros técnicos têm uma
dificuldade de circulação porque a terminologia foi toda, e muitas vezes
intencionalmente, criada de forma divergente, e isso é um empecilho económico
muito importante, desvaloriza a nossa língua no cenário competitivo
internacional. Portanto, este projeto será o terceiro nesta perspetiva de uma
gestão internacional, multilateral e comunitária da língua portuguesa, que, a meu
ver, é a perspetiva para o século XXI, em que possamos superar as fraturas
coloniais da relação Brasil-Portugal que ainda condicionam a nossa língua.
P.M.
- Como responde às críticas de que o acordo ortográfico foi alvo, nomeadamente
que pretenderia beneficiar o português do Brasil?
G.M.O. – É um acordo e houve
cedências cá e lá. As pessoas olham muitas vezes mais para aquilo que se
perdeu, para acentos e consoantes, como se isso fosse o mais importante. O mais
importante são as perspetivas que o acordo abre para o futuro, é o modo de
gestão da língua. Sem ele continuaríamos eternamente nesta briguinha do início
do século XX que é infantil aos olhos de países que seriamente disputam a
hegemonia e a geopolítica mundial. A partir de agora não se fala mais em Brasil
e Portugal, todas as ações colocam-se na perspetiva de que todos os países se
sentam à mesa e dão a sua posição.
P.M.
– Que dificuldades enfrenta a sua implementação?
G.M.O. - Todos os países
ratificaram o acordo, menos Angola e Moçambique. Em Moçambique, ele já foi
aprovado pelo conselho de ministros e já foi mandado para o parlamento. Angola
pediu à CPLP um tempo para tratar desta questão e há uma posição dentro do
Governo contrária ao acordo. No entanto, o Vocabulário Ortográfico Comum foi
financiado por Angola. É preciso ver que os países africanos nunca fizeram isso
na sua história, então têm uma série de dúvidas. A minha impressão é que eles
vão utilizando a nova ortografia por reflexo.
P.M.
- Cabo Verde é, para já, o único país africano lusófono onde o acordo está a
ser implementado. O seu sucesso poderá estar minado?
G.M.O. - Não acredito porque
todos os países assinaram o acordo.
P.M.
- Era expectável esta demora na implementação?
G.M.O. – Não, porque havia
um protocolo que dizia que ele seria implementado a partir de 1994 e isso não
ocorreu. Acho que isto mostra como a nossa comunidade funciona e como algumas
pessoas são apegadas ainda ao passado e à forma como era a relação política dos
nossos países. O acordo é a base de uma nova gestão, mas o mais importante é o
que virá, a criação efetiva de formas de cooperação linguística. Falamos muito
de cooperação económica na CPLP, em concertação político-diplomática e a
língua, que é o terceiro eixo, não tem ainda bem claro para os Estados-membros
o conceito de cooperação linguística. Numa visão cooperativa somamos os nossos
recursos e dividimos os nossos benefícios, que é o que a União Europeia tem
feito com as suas línguas. Na língua portuguesa estamos um passo atrasados.
P.M.
- No seio da CPLP, o valor económico do português não está então a ser bem
explorado?
G.M.O. - Vários dos nossos
países não têm muito clara a questão dos ganhos diplomáticos, políticos e
económicos de uma promoção mais estratégica da língua portuguesa. É algo que
nos falta. Diria que há uma visão da língua ainda impregnada de romantismo, que
traz uma dose de menos pragmatismo e que dificulta ações concertadas com
repercussões na vida do cidadão.
P.M.
- Já a China tem tido essa visão pragmática…
G.M.O. - Sim, mas este
interesse pelo português não é só da China, é mundial. Está superada essa ideia
de que o inglês sozinho dominaria o mundo. O multilinguismo é a grande língua
do século XXI e o português beneficia disso.
A China, pela posição de
potência mundial que cada vez mais ocupa, atentou para estas vantagens e
ganhará muitos benefícios, o que lhe permite uma visibilidade e interação com
os países de língua portuguesa muito privilegiada.
P.M.
- Que constrangimentos enfrenta o IILP na sua atividade?
G.M.O. - Recebemos quotas
dos países membros e são diferenciadas de acordo com as possibilidades dos
países. O Brasil dá a mesma proporção que Portugal, Angola dá metade,
Moçambique e Cabo Verde dão metade da proporção de Angola e os demais dão
metade da proporção de Cabo Verde e Moçambique, de modo que estas quotas
precisam de uma revisão.
Fizemos ainda uma proposta
que é a de criação de três escritórios regionais, um em Díli, um em Lisboa e
outro em São Paulo. Em São Paulo tivemos a solicitação de que o IILP instalasse
um escritório dentro do Museu da Língua Portuguesa, que recebe o maior número
de visitantes diários naquela cidade, 4000 por dia. Poderíamos, assim, captar
muitos recursos e financiar projetos com mais facilidade.
P.M.
- Há muitos devedores de quotas?
G.M.O. - A Guiné-Bissau e
São Tomé e Príncipe nunca pagaram as suas quotas, mas há outros países
devedores. O orçamento do IILP é na ordem dos 247 mil euros anuais e as dívidas
correspondem, no total, a aproximadamente dois orçamentos e meio, 650 mil
euros. Acredito que muitos Estados-membros não atribuem a devida importância ao
IILP.
Promoveríamos melhor o
português se o fizéssemos de maneira conjunta e, sob esta perspetiva,
evidentemente que esse papel modesto atribuído a uma entidade de coordenação é
prejudicial à língua portuguesa. Se Brasil e Portugal pudessem combinar as suas
políticas e atuar em áreas complementares e combinar uma metodologia para um
trabalho conjunto, isso seria muito benéfico. A meu ver é hora de aplicar a
diplomacia também à língua e chegarmos a uma forma permanente de superação
desta disputa completamente disfuncional. Patrícia
Neves – Macau in “Plataforma Macau”
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