Chegar
a Angola pelo caminho da língua
Enquanto
o país cresce no quadro de um sólido processo de renascimento após muitos anos
de guerra, os criadores e os artistas estão em condições de fortalecer o seu
peso na vida angolana.
Pensando na relevância que a
lusofonia tem na cena internacional, é tempo de se pensar em formas de diálogo
e cooperação que dêem uma efectiva base material ao conceito e o projectem para
o futuro. Portugal, mesmo operando num grave contexto de crise, tem condições
para colocar a sua experiência e o seu estatuto dentro da Europa da União ao
serviço de pátrias lusófonas que, com diferentes graus de desenvolvimento,
procuram vias de crescimento e de afirmação que as tornem senhoras do seu
destino, no pleno domínio das opções estratégicas que fizeram nas últimas
décadas.
O mundo encontra-se em
profunda fase de mudança, como consequência das transformações sociais e
financeiras e daquilo a que Jeremy Rifkin, num livro agora editado em Portugal,
designa por “terceira revolução industrial” e que resulta do papel estratégico
entretanto atribuído à esfera digital e ao universo das energias renováveis. O
que este século de facto vai ser, com mais ou menos conflitos armados e zonas
de tensão permanente, resultará do modo como estes factores se equilibrarem
entre si e como os países conseguirem posicionar-se em áreas tão diversificadas
como a produção industrial, a comunicação, a importância da língua e da cultura
e a relação com as camadas mais jovens da população, caso não as forcem a
trilhar, como alternativa, as rotas da emigração.
Países mais ou menos ricos,
mais ou menos apetrechados tecnologicamente, coabitam no mesmo espaço
linguístico, em busca de formas de entendimento e cooperação que lhes confiram
operacionalidade e capacidade de triunfo social e económico. É justamente nesse
quadro que integrei a assinatura, no dia 10 de Julho, em Luanda, de um
promissor protocolo de trabalho comum entre a Sociedade Portuguesa de Autores
(SPA) e a União Nacional de Artistas e Compositores (UNAC), importante e sólida
estrutura representativa da vida cultural angolana.
A UNAC tem mais de seis mil
membros em todo o território nacional e representações em 11 províncias, o que
lhe proporciona uma legitimidade e um potencial de crescimento que são, também,
a base do seu desejo de se transformar numa estrutura apta a efectuar a gestão
colectiva dos direitos de autor e direitos conexos dos seus associados e de
outros que entretanto a ela venham a aderir. À SPA é pedido que apoie esta
união no domínio informático, na definição dos sistemas de cobrança e
distribuição de direitos, na discussão e preparação de documentos jurídicos e
ainda na realização de acções de formação e esclarecimento que fortaleçam nos
autores e artistas a convicção de que só a gestão colectiva profissional e
eficaz dos seus direitos lhes garante a sustentabilidade de um futuro ligado à
cultura e à arte.
A forma entusiástica como a
assinatura deste protocolo foi encarada pelos criadores e artistas, pelas
instituições e pelos média angolanos demonstra que este protocolo pode ter uma
dimensão e um alcance que fortaleçam a relação entre os dois países no domínio
cultural e lancem as bases para a definição de estratégias complementares que
façam da lusofonia uma porta aberta para o crescimento e para o futuro. Angola
tem hoje um número significativo e sempre crescente de compositores e músicos,
de artistas plásticos, de criadores de audiovisual, de escritores e dramaturgos
que consolidam o seu peso nacional e internacional. Muitos têm Portugal como o
seu segundo ou mesmo primeiro espaço de afirmação e reconhecimento. Enquanto o
país cresce no quadro de um sólido processo de renascimento após muitos anos de
guerra, os criadores e os artistas estão em condições de fortalecer o seu peso
na vida angolana, ajudando a formar e a apurar o gosto e o grau de exigência
das novas gerações que enchem as universidades e que querem portas abertas para
a modernidade estética e de pensamento.
Alguns dos grandes criadores
contemporâneos de Angola fizeram questão de assistir e aplaudir a assinatura
deste protocolo que pode colocar dois países com a mesma língua na defesa comum
de interesses e objectivos culturais. Por outro lado, este protocolo deve ser
visto à luz do projecto que a Sociedade Portuguesa de Autores concebeu para a
cooperação no espaço lusófono, com o aval e o apoio da Organização Mundial da
Propriedade Intelectual, com sede em Genebra e que se encontra no segundo ano
de concretização, com escalas confirmadas em Angola, Moçambique, Guiné e
Timor-Leste. É por esta via que o caminho deverá ser feito, transformando a
língua num instrumento poderoso de unidade e cooperação que ninguém tem o
direito de subestimar. Jorge Letria –
Portugal in "Jornal Público"
José
Jorge Letria - Escritor, jornalista e presidente da Sociedade Portuguesa de
Autores
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