Em Moçambique, o distrito de Memba, em Nampula, voltou a ser palco de ataques de grupos armados. Um investigador liga a nova vaga de violência à pobreza extrema e às desigualdades sociais numa zona que já era apontada como corredor de recrutamento para a insurgência de Cabo Delgado. A crise humanitária cresce, enquanto o governo diz estar a reforçar meios militares e prepara o regresso gradual das famílias.
Os primeiros ataques em Memba, no posto administrativo de
Chipene, aconteceram em Setembro de 2022, com mortos e destruição. Depois de um
período de relativa calma, a violência reapareceu de forma esporádica e
intensificou-se nas últimas semanas, empurrando populações inteiras para fora
das suas aldeias.
O académico Wilson Nicaquela diz que há sinais de criação
de células armadas na fronteira com Cabo Delgado: “Memba foi um dos centros de
recrutamento de terroristas que engrossaram as fileiras lá do lado de Cabo
Delgado. E é do conhecimento de todos que muitos dos terroristas que foram
pressionados de Cabo Delgado preferiram mudar-se de lá e/ou simularam o
abandono das suas fileiras. Depois regressaram às zonas de origem”, disse.
Memba tem potencial turístico e recursos naturais, com
destaque para reservas de petróleo. Em 2017, segundo noticiou a VOA, a Petrona,
uma empresa da Malásia, era apontada como a empresa que iniciaria a prospecção
e a exploração de uma área entre Pemba e Memba. Sobre isso, não há informações
mais actualizadas. Ainda assim, falta quase um pouco de tudo. A precariedade e
falta de infra-estruturas associadas aos difíceis acessos rodoviários são
alguns dos maiores problemas que tiram o sossego às populações.
Wilson Nicaquela entende que além dos recursos naturais,
com destaque para a provável ocorrência dos hidrocarbonetos, a pobreza extrema
e as desigualdades sociais são uma das causas do terrorismo na região.
Mas também há um outro elemento a considerar; uma
mensagem política. “Embora o modo de actuação seja similar, no caso de Memba eu
acho que tem outras mensagens; uma é a de vincular à pessoa da Presidente da
Assembleia da República [Margarida Talapa, nascida na região] e outra de chamar
atenção de que se o poder político acha que eles estão confinados, têm
condições de alastrar a guerra e ir ao encontro de outros espaços geográficos.
Acham que a Presidente da Assembleia tem essa competência necessária para decidir
resolver os problemas por iniciativa própria”, disse.
Os recentes ataques já causaram pelo menos uma dezena de
mortes e forçaram o deslocamento de mais de 80 mil pessoas, de acordo com dados
recentes. Muitos dos deslocados internos foram acolhidos em Alua.
Mariano Saíde Salimo é uma das vítimas deslocadas da
região de Mazua, distrito de Memba, acolhido em Alua. Lamenta a situação que se
vive na região. Mas a dor aumenta com a fome e as precárias condições que
passam para sobreviver diante das incertezas.
“Somos muitos, outros estão nas aldeias. Mesmo se
trouxessem três camiões de produtos, podem não resolver. Assim estamos
espalhados, numa casa pode encontrar 60 a 70 pessoas”.
Messias Cassimo é um outro deslocado. Saiu de Namajuba
junto com a família à procura de abrigo seguro. “Queimaram todas as casas que
estão lá, infelizmente ninguém ficou. Estamos a pedir ajuda em alimentação e
construção de casas”, pediu.
Apesar disso, a população que foge dos terroristas quer
voltar para dar continuidade à sua vida e Mariano Saíde Salimo reforça apelos.
“Nós estamos a pedir ao governo que nos ajude, queremos
voltar a casa. Mas aqui [em Alua] receberam-nos bem e agradecemos”, exortou.
As autoridades governamentais continuam a mobilizar apoio
para os deslocados nos centros transitórios de deslocados. Na semana passada,
um grupo de deputados liderados pela respectiva presidente foi entregar em Alua
mais de 60 toneladas de produtos alimentares.
O governador de Nampula, Eduardo Abdula, garantiu que as
forças de defesa e segurança trabalham para perseguir e tirar fora de combate
os terroristas e que, nesta semana, a região poderá acolher os primeiros
regressados.
“Durante a primeira semana de Dezembro, começam a
regressar e os primeiros a voltar sou eu e os jornalistas. Vamos entrar lá e
vamos trabalhar lá. Eu não vos levaria se não houvesse condições”, assegurou.
Na passada quinta-feira, o governador de Nampula ofereceu
às forças armadas de Moçambique drones para uso na perseguição e combate ao
terrorismo, nas regiões afectadas na província de Nampula.
“Há traidores dentro das comunidades”, diz governador
No decurso de uma visita a zonas
afectadas pelo terrorismo, o governador de Nampula Eduardo Abdula chamou a
atenção para possíveis infiltrados entre os residentes. “Há traidores dentro
das comunidades, por isso precisamos de maior vigilância”, comentou. Mais de 10
mil pessoas fugiram em dois dias de Memba, Nampula, devido a ataques de grupos
terroristas, elevando a 82 mil deslocados desde 11 de Novembro, segundo a
Organização Internacional para as Migrações (OIM). Até 23 de Novembro, o total
de deslocados ascendia a 14.172
famílias (71.983
pessoas), segundo o relatório anterior da OIM. A província de Cabo Delgado,
também no norte de Moçambique, rica em gás, é alvo de ataques extremistas há
oito anos, com o primeiro ataque registado em 5 de Outubro de 2017, no distrito
de Mocímboa da Praia. In “Jornal Tribuna de Macau” – Macau com “Deutsche Welle”
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