Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quarta-feira, 16 de agosto de 2023

Macau - Plano de salvaguarda do centro histórico é instrumento decisivo e urgente

Alguns arquitectos de Macau reagem à necessidade de Macau em acelerar os esforços para implementar o Plano de Salvaguarda e Gestão do Centro Histórico. Segundo um projecto de decisão divulgado pela UNESCO e que o Jornal Tribuna de Macau deu a conhecer em artigo recente, a RAEM deve submeter o respectivo regulamento ao Centro do Património Mundial, com as revisões sugeridas pelo Conselho Internacional de Monumentos e Sítios. Alguns passos dados pelas autoridades locais nos últimos anos, têm sido elogiados pelo Comité do Património Mundial, mas este quer receber informações sobe vários estudos. Francisco Ricarte, Mário Duque e Maria José de Freitas dão a sua opinião sobre os últimos requisitos impostos pela UNESCO


Nos últimos anos Macau tem lançado algumas medidas para preservar o Valor Universal Excepcional (OUV, na sigla em inglês) do Centro Histórico, mas a UNESCO, responsável pela implementação da Convenção do Património Mundial, considera que alguns dos processos devem ser mais céleres. De entre esses processos está o Plano de Salvaguarda e Gestão do Centro Histórico, que se arrasta desde 2014.

Um projecto de decisão vai ser votado na 45ª sessão do Comité do Património Mundial, agendada para o período entre 10 e 25 de Setembro próximo, em Riade, capital da Arábia Saudita, e a China deverá submeter o novo documento para análise dos órgãos consultivos. Isto tendo em consideração que o regulamento administrativo sobre o Plano de Salvaguarda e Gestão “será revisto em conformidade com o parecer técnico” do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS).

Lançados os dados para alguma reflexão, o Jornal Tribuna de Macau ouviu algumas opiniões de arquitectos do território.

Francisco Ricarte considera que, com a promulgação em 2005 do Centro Histórico de Macau pela UNESCO a Património Mundial, “a cidade obteve um reconhecimento nacional e internacional do seu significado”, importância histórica e cultural relevantes e do património edificado existente, que “constituem factores decisivos para a sua afirmação e identidade.

Contudo, diz, tal distinção “acarretou – e acarretará ainda mais no futuro – passos decisivos na sua conservação, reabilitação e valorização integrada”. São esses passos que a Unesco e outros organismos de protecção cultural têm vindo, naturalmente, a pedir e, mesmo, a “exigir à RAEM”.

O arquitecto considera que o conceito de “salvaguarda do património” tem vindo a evoluir desde a sua criação (ver a “Carta de Veneza”, 1964), passando de uma abordagem essencialmente física – protecção dos monumentos e edifícios singulares notáveis – “para uma visão mais integrada” abrangendo também “a identidade dos espaços urbanos e as suas características sócio-económicas de base”, como a população residente, as suas actividades económicas e equipamentos de uso público, a sua acessibilidade, as redes de infraestruturas de suporte, entre outros aspectos.

Reconhecendo que a RAEM tem vindo, nas duas últimas décadas, a desenvolver um trabalho consistente na identificação e classificação dos monumentos e edifícios notáveis da cidade, e estabelecendo perímetros – tanto quanto possível consistentes – de protecção da sua área envolvente imediata, Francisco Ricarte, afirma que “é preciso ser mais ambicioso e atender a outros aspectos de natureza social, económica e ambiental que promovam a reabilitação harmoniosa e integrada da área”.

Acelerar medidas de protecção integrada

Na linha do reivindicado pela UNESCO, prossegue o arquitecto, importa agora “acelerar” as medidas de protecção integrada do Centro Histórico de Macau que “acautelem também o que não é singular ou monumental”, como os edifícios existentes de acompanhamento, as actividades económicas neles desenvolvidas, a fixação dos seus habitantes e atracção de novos residentes, a sua acessibilidade e a mobilidade urbanas.

Em síntese, é de opinião que o Plano de Salvaguarda “deverá também proteger e valorizar a vivência integrada do centro da cidade, evitando quer a sua sub-ocupação com edifícios em degradação já sem ocupação viável, ou a sua sobre-utilização agora que os fluxos turísticos voltaram, em massa, à cidade.”

O Plano, que surge na sequência de outros, será “um dos instrumentos fundamentais para conseguir o propósito de salvaguarda e reabilitação integrada do Centro Histórico”. Não deverá, obviamente, ser o único instrumento, “mas ser prosseguido por intervenções de pormenor quer de iniciativa da RAEM (Processo de renovação urbana e de reabilitação do edificado, por exemplo), quer privada sob sua orientação”.

Terá, contudo, prossegue, “um papel decisivo no estabelecimento de regras base e claras de utilização do espaço edificado e urbano existentes, dos edifícios a salvaguardar e dos passíveis de alteração, do desenho das ruas e seu mobiliário urbano de suporte, bem como de definir a potencial utilização dos espaços “vazios” e logradouros existentes, das volumetrias possíveis para as novas edificações e sua imagem arquitectónica geral”.

Neste domínio é imprescindível ser elaborado um Regulamento “ponderado” e com suficiente detalhe, “que dê resposta aos desafios e situações particulares que, naturalmente, surgirão”.

O arquitecto vai um pouco mais longe e expressa o seu ponto de vista sobre a matéria dizendo que que o Plano de Salvaguarda “terá que ir muito mais além do que abordar apenas aspectos físicos”. Como acima referido, “deverá avaliar e ponderar medias de valorização social e humana da área de forma integrada”, estipulando medidas de apoio aos seus residentes actuais e futuros, às actividades económicas de suporte, designadamente as tradicionais, ou à “criação de redes de equipamentos e serviços públicos fundamentais que propiciem uma melhoria da qualidade de vida da área”.

Neste aspecto, “dois dos desafios são enormes” e terão de ser abordados, designadamente a “valorização do Ambiente e Eco-sistema da área e o controlo da sua sobre-utilização por fluxos turísticos cada vez maiores”.

Francisco Ricarte lembra que a visão integrada do Plano de Salvaguarda não se deverá restringir ao seu limite territorial, que deverá ser o mais alargado quanto possível, mas identificar ações e intervenções articuladas com áreas adjacentes, como salientou a UNESCO, que deverão igualmente ser objecto de planeamento de detalhe e valorização, como a envolvente Norte e Sul da Colina da Guia, a Av. Rodrigo Rodrigues, a reabilitação e valorização integrada do Porto Interior, entre outros.

Na abordagem final, o arquitecto considera que o Plano de Salvaguarda do Centro Histórico “será um instrumento decisivo que urge elaborar”, as suas propostas e acções integradas serem discutidas publicamente, “e ser promulgado”. Cada dia que passa torna-se mais “urgente e necessário”.

Concretização de raiz implica um esforço significativo

Mário Duque deu igualmente ao JTM a sua opinião, começando por dizer que a demora na concretização do Plano de Salvaguarda e Gestão do Centro Histórico não é muito diferente do que se passou com o Plano Director da RAEM. “São diplomas no topo da hierarquia das matérias que regulam, que se actualizam ocasionalmente, mas a concretização de raiz implica um esforço muito significativo em reunir e tratar sistematicamente conteúdos, de os enquadrar numa síntese com as orientações necessárias e certas”.

Acrescenta que “é ainda tarefa que se torna cada vez mais difícil à medida que o tempo passa, as complexidades urbanas e económicas crescem, e proliferam as intervenções mal-avisadas, mas consolidadas”.

O arquitecto revela que a salvaguarda e a gestão do Centro Histórico da RAEM tem sido possível através de considerações e de diplomas avulsos que têm valido como medidas cautelares até à concretização do plano em vista, “mas sem a mesma eficácia ou consequência de um Plano de Salvaguarda e Gestão que se espera capaz de integrar e tratar todas as questões num único corpo”, completando o que falta, reformando e revogando o que ficou obsoleto.

Por isso, também à semelhança do que se passou com o Plano Director, muito possivelmente o formato do Plano de Salvaguarda e Gestão do Centro Histórico “será de início apenas as linhas geradoras dessa salvaguarda e gestão”, para serem preenchidas com especificação de detalhe, “sendo essa a modalidade que se afigura possível e desejável na impossibilidade de tratar toda a realidade”, e para que a entrada em vigor de um plano não seja recorrentemente protelada.

Mário Duque ressalva, no entanto, que existem “questões de articulação temática”, nomeadamente com o Plano Director, “para o qual um Plano de Salvaguarda e Gestão do Centro Histórico compreensivo, e não apenas uma estrutura de plano, é já esperado e é necessário”, sem o qual “não é possível concretizar os planos de pormenor”, para que a cidade deixe de ser “avisada e decidida avulsamente”.

Mesmo assim, discorre o arquitecto, “a possibilidade de esse plano de salvaguarda ser ainda num formato de intenções”, ou de uma estrutura para ser preenchida com especificação de detalhe, “não significa que o mesmo não enuncie já os princípios que orientem significativamente o que irá suceder”. As questões do “impacto do desenvolvimento e da morfologia urbana” serão sempre aquelas que os órgãos de fiscalização acompanharão pelas razões mais standard e mais recorrentes.

Mário Duque observa que as questões da interpretação pela qual se pauta a renovação urbana, na qual se tomam posições respeitantes às características tipológicas das edificações e do espaço urbano, e não apenas aos desenhos das fachadas, abrindo assim espaço e conferindo sentido à interpretação, como motor de actualização e de inovação do mesmo património, “já não será imposição dos órgãos de supervisão”. “Seria antes a visão do plano”, diz.

No remate final da sua análise, o arquitecto fecha com a frase: “Se se diz que pela constituição que tens, dir-te-ei que país és, da mesma forma se pode dizer qual é a pauta cultural de determinado lugar, a integração do seu património histórico no quotidiano das suas gentes, e a forma como isso repercute no estilo da vida, a partir dos princípios por que se norteia um plano de salvaguarda para um centro histórico”.

É importante que permaneça a atmosfera única de Macau

Por fim as declarações de Maria José de Freitas, ligada à área do património há mais de 30 anos, não só em Macau, mas igualmente em Portugal. “O Plano de Gestão para o Centro Histórico de Macau é urgente e a sua necessidade faz-se sentir desde que o Centro Histórico, pelas caraterísticas que revela, foi incluído na lista Classificada da UNESCO em 2005”, inicia assim a sua abordagem ao tema que lhe propusemos comentar.

A arquitecta refere que “mais tarde, em 2013, a Lei 11/2013 veio abordar novamente esta situação – a promulgação do Plano de Gestão – como uma das prioridades a concretizar para salvaguardar o património existente em Macau”.

E cita alguns pontos importantes: “compete ao Instituto Cultural (IC) a elaboração e execução do plano em cooperação com outros serviços públicos que, no âmbito das respectivas competências, exerçam poderes relativos ao «Centro Histórico de Macau», nomeadamente a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) e o Instituto para os Assuntos Municipais (IAM)” – na altura IACM; “O plano de salvaguarda e gestão subordina-se ao estabelecido na lei e às orientações da UNESCO, devendo conter medidas específicas que garantam o uso sustentável do espaço em termos urbanos, culturais e ambientais”.

Desde então, continua Maria José de Freitas, “temos assistido ao adiamento sucessivo da publicação do Plano de Gestão, o património vai sofrendo a consequência dessa ausência e as situações são resolvidas de forma casuística”, sendo certo que o Instituto Cultural tem zelado pela manutenção e cuidado dos bens patrimoniais, no entanto, “a inexistência de um plano consagrado e aprovado” torna a gestão “mais complexa, morosa e pouco transparente”. “As regras devem estar definidas, devem ser claras e a população está ciente disso”, afirma.

A UNESCO e o ICOMOS como entidades que cuidam da proteção patrimonial e sua defesa de modo que seja possível a existência de legados com significado e manutenção dos respetivos valores universais – Outstanding Universal Values [OUV] – tem feito pressão nesse sentido, a vigilância é permanente como denotam as sucessivas recomendações feitas ao longo dos últimos anos.

Aquela que é actualmente membro do Conselho do Património Cultural, juntamente com mais sete elementos, considera que a UNESCO e o ICOMOS como entidades que cuidam da proteção patrimonial e sua defesa, “de modo que seja possível a existência de legados com significado e manutenção dos respetivos valores universais” – Outstanding Universal Values [OUV] – “tem feito pressão nesse sentido, a vigilância é permanente, como denotam as sucessivas recomendações feitas ao longo dos últimos anos”.

Maria José de Freitas termina apontando que “em Macau as autoridades estão conscientes dessa situação e em Pequim têm-se feito sentir os ecos desta carência”, principalmente pela voz de associações patrimoniais locais, “designadamente no caso da envolvente do Farol da Guia e volumetria das construções a edificar nos novos aterros”.

Julgando ser importante que os corredores visuais se mantenham e permitam a visualização dos bens patrimoniais e considerando que é relevante que a atmosfera única de Macau permaneça, a arquitecta faz votos para que os prometidos Plano de Gestão e respectivo Regulamento sejam uma realidade em breve. Vitor Rebelo – Macau in “Jornal Tribuna de Macau”


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