Bendito o olhar de lince de Andrea Wanderley, que identificou o rosto de Machado de Assis na foto de Antônio Luiz Ferreira da missa celebrada em 17 de maio de 1888, no Campo de São Cristóvão, em ação de graças pela passagem da lei do dia 13 desse mês que abolira a escravidão no Brasil.
A
foto está disponível no portal Brasiliana
Fotográfica, fantástica iniciativa da Biblioteca Nacional
em parceria com o Instituto Moreira Salles. Outras figuras são identificáveis,
além, naturalmente, da princesa Isabel e do conde d’Eu. O presidente do
Conselho de Ministros do Gabinete conservador que fez passar a lei, João
Alfredo Correia de Oliveira, está à direita de Isabel, um pouco abaixo.
A
escravidão no Brasil foi bastante fotografada, mas a abolição, sobretudo a
semana de 13 a 20 de maio, nem tanto, mesmo na capital onde havia muitos
fotógrafos. A razão disso não sei. É quase total a ausência de fotos fora da
Corte (há apenas duas), quando se sabe que as festividades ganharam todo o
país. Mas a consequência disso é que os poucos registros até agora descobertos,
umas 25 fotos, ganham extraordinária importância. E o destaque vai todo para
Antônio Luiz Ferreira, autor das 15 fotos com que presenteou Isabel. Sua foto
mais espetacular é, sem dúvida, a da sessão da Câmara do dia 10 de maio, quando
foi aprovado o projeto da abolição. A foto mais curiosa é a de Luís Stigaard,
tirada na colônia Isabel, no Rio Grande do Sul. Retrata dezenas de colonos,
imigrantes europeus, disciplinadamente organizados em filas, comemorando a
abolição, em contraste com a exuberância das celebrações na capital do Império.
Mas
o registro importante hoje é a descoberta de que Machado foi à missa. Não era
pessoa de frequentar igrejas. Também não apreciava manifestações
multitudinárias. Mas a essa missa, a esse ajuntamento de milhares de pessoas,
ele compareceu e fica claro na foto seu esforço para aparecer, prensado entre
duas robustas figuras uniformizadas. Anos depois, em crônica (Gazeta de
Notícias, 14/5/1893), ele anotou sobre o 13 de maio, “Verdadeiramente, foi o
único dia de delírio público que me lembra ter visto”. A missa foi continuação
do delírio e é muito bom saber que o tímido, circunspecto e cético Machado
estava lá. José M. de Carvalho – Brasil in “Blog de
São João del-Rei“ - Crônica escrita em
29 de maio de 2015
José Murilo de Carvalho - (✰
Piedade do Rio Grande, 08/09/1939 ✞
Rio de Janeiro, 13/08/2023) Foi um cientista político e historiador mineiro,
membro da Academia Brasileira de Letras, de 2004 a 2023.
Foi o sexto ocupante da cadeira 5 da Academia
Brasileira de Letras, eleito em 11 de março de 2004 na sucessão de Rachel de
Queiroz. Foi recepcionado em 10 de setembro de 2004 pelo acadêmico Affonso
Arinos de Mello Franco.
A partir da investigação inicial sobre o
Império, José Murilo de Carvalho expandiu sua investigação para as relações
cidadãs no Brasil, de que resultou, entre inúmeras publicações relevantes, o
livro "A construção da cidadania no Brasil", publicado pela
Civilização Brasileira e com o qual conquistou o prêmio Casa de las Americas em
2004. Na sua opinião, “o cidadão vota racionalmente, mas preso ao mundo da
necessidade". E acrescenta: "É um voto que tem limitações decorrentes
da desigualdade social”, "há uma questão de dependência do Estado”.
Em
2022, Murilo se desencantara com o seu país: "O Brasil não será um grande
país. Não há nada a celebrar nos 200 anos da Independência..."
Recebeu
os seguintes prêmios: de melhor livro em ciências sociais de 1987 da ANPOCS por
seu livro Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi.
São Paulo: Companhia das Letras, 1987; e o Prêmio Jabuti, em duas ocasiões: em
1991 por sua obra A formação das almas: o imaginário da República no Brasil.
São Paulo: Companhia das Letras, 1990 e em 2008, com Dom Pedro II: ser ou
não ser.
Dentre
suas muitas obras, vale lembrar que escreveu ainda os seguintes livros: A
construção da ordem: a elite política imperial. Rio de Janeiro: Campus,
1980; Cidadania no Brasil: O longo caminho. Rio de Janeiro: Editora
Civilização Brasileira, 2001; Dom Pedro II. São Paulo: Companhia das
Letras, 2007; Nação e cidadania no Império: novos horizontes. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2007; Histórias que a Cecília contava.
Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008; A Academia Brasileira de Letras,
subsídios para sua história (1940-2008). Rio de Janeiro: Academia Brasileira
de Letras, 2009; O Pecado Original da República. Rio de Janeiro: Bazar
do Tempo, 2017.
Eis
o depoimento de Arnaldo Niskier sobre José Murilo de Carvalho, seu colega de
ABL: "Sou testemunha do quanto o acadêmico José Murilo de Carvalho
trabalhou pela cultura do nosso país, como historiador excepcional que foi, mas
também no âmbito da Academia Brasileira de Letras, o quanto ele coordenou, com
paixão, o nosso arquivo. Ele deu vida ao arquivo da Academia Brasileira de
Letras e, sempre presente, emprestou o brilho da sua inteligência e da sua
cultura à casa de Machado de Assis. Nós estamos sofrendo muito a perda
dele: ele na verdade é
insubstituível." Francisco Braga – Brasil in “Blog de São João del-Rei”
Francisco José dos Santos Braga - (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do
Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei)
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