Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quarta-feira, 8 de abril de 2020

UCCLA - Lança reflexão sobre a Cultura em tempos de Pandemia



Numa altura em que todos estamos vulneráveis e com esperança de novos e bons dias, a UCCLA lança o desafio aos escritores de Língua Oficial Portuguesa para refletirem sobre a “Cultura em tempos de Pandemia”. Podem nos enviar textos em poesia ou em prosa, até ao dia 25 de maio de 2020, que divulgaremos nas nossas plataformas digitais e em livro. O primeiro a aceitar o desafio foi o escritor cabo-verdiano José Luiz Tavares.

O limite de caracteres é de 5000. Estes deverão ser enviados por email para cultura@uccla.pt e/ou ruilourido@uccla.pt, até ao dia 25 de maio de 2020.

Texto de José Luiz Tavares:

FINDA  [Litania em tempos de coronavírus]

          A que não aguentamos esperar  vai nos ensinar.
          In «Música do Futuro», Hans Magnus Enzensberger

Depois, sim, que agora
estamos vivos.
Depois — quando o espirro
expirar.
Depois — quando tiveres
pó na goela.
Não agora — que agora
estamos vivos,
mesmo se nos interditam
a livre ciência do abraço.

Antes, sim, com os braços
portentosos.
Antes - sim – de o torpor
(n)os desemparelhar, com uma vénia,
pois, sim senhor,
que nunca é cedo para o terror
de, em campo aberto,
se desp(ed)ir do disfarce da vida.

Depois, sim,
porque a catástrofe caminha,
os monstros se desfazem
em ternurenta ladainha,
dizendo à vida enclausurada
que não tarda a primavera,
mesmo se a morte subterrânea
viaja pelo éter, e nas florestas da alma
o som da peste mais do que simples
rima a atafulhar, sonolenta, os ouvidos
é um rude ininterrupto canto.

Antes não, que te falta
a trela e o apito,
e a cara é sem rugas,
e a morte concorda contigo,
e tudo é mão de amigo
mesmo se te espreita
o tempo inimigo.

Depois sim, que estar vivo
é cedo encarquilhar-se;
não, não agora, porque estás
no imperscrutável interior,
e desconheces o limite ulterior,
e não sabes pedir por favor
o socorro amplamente sufragado.

Agora sim,
que é antes de toda a dor,
e ainda no corpo tens tanta cor,
e sobe-te à boca
cento de sabores.

Mas ainda não ao grande sim,
porque maravilha-te estar aqui
(só mais um instantinho),
embora penses na mão da eternidade
ou como é doce o despenhamento.

Antes não
— porque há a verdade
que desconheces,
e porque verdadeiramente nada sabes
tudo desejas devotamente.

Não ainda
— que os teus ossos
não sabem a alcatrão,
nem depois — que o esqueleto
é pertença do patrão.

Não depois,
mas agora sim,
porque tens fogo nas ventas,
mascas pó e polenta,
e o tempo inimigo te diz
que tudo se há de compor.

José Luiz Tavares nasceu a 10 de junho 1967, no Tarrafal, ilha de Santiago, Cabo Verde. Estudou literatura e filosofia em Portugal, onde vive. Entre 2003 e 2020 publicou catorze livros espalhados por Portugal, Brasil, Cabo Verde, Moçambique e Colômbia. Recebeu uma dezena de prémios atribuídos em Cabo Verde, Brasil, Portugal e Espanha. Não aceitou nenhuma medalha ou comenda, até agora. Traduziu Camões e Pessoa para a língua cabo-verdiana. Está traduzido para inglês, castelhano, francês, alemão, mandarim, neerlandês, italiano, catalão, russo, galês, finlandês e letão. Sobrevive ao tempo do mundo sem estar conectado a nenhuma rede social.


O surto epidémico do COVI19 atinge, de forma inesperada e dramática, toda a Humanidade, envolvendo a adoção de planos de contingência, também adotados por Países de Língua Oficial Portuguesa, que determinam constrangimentos de mobilidade exterior e distanciamento social no interior dos respetivos países. Tem-se revelado como uma crise de saúde pública com graves consequências sociais e económicas.

A UCCLA não podia deixar de fazer um apelo à reflexão sobre o papel da cultura no combate a esta Pandemia. Parecendo evidente que perante este flagelo, os povos e os países se verão confrontados com novos desafios sociais e políticos, sobre os quais importa refletir e encontrar novas respostas.

Neste novo contexto o papel da Cultura, e em especial dos escritores, é determinante. Assim lançamos o desafio aos escritores de Língua Oficial Portuguesa, que desejem contribuir para essa reflexão, para elaborarem textos, quer em poesia quer em prosa, tendo como limite cerca de 5.000 caracteres. Estes deverão ser enviados por email (cultura@uccla.pt e ruilourido@uccla.pt), durante os próximos dois meses, com termo no dia 25 de maio de 2020.

A UCCLA responsabiliza-se por divulgar os textos, com identificação da autoria e uma breve nota biográfica, nas suas plataformas digitais e em livro (a ser publicado após o tratamento editorial). Vitor Ramalho - Secretário-Geral da UCCLA

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