Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quinta-feira, 8 de março de 2018

Albertino Bragança: O escritor contestatário na linha da frente da democratização de São Tomé e Príncipe

Na sua obra, o escritor e político são-tomense Albertino Bragança deixa transparecer a crítica a realidades pré e pós-independência e revela as preocupações de quem contestava o regime de partido único, estabelecido em 1975. Em entrevista ao Ponto Final, o autor convidado do Festival Literário de Macau – Rota das Letras, opositor do regime colonial, que esteve na linha da frente da democratização de São Tomé e Príncipe, descreve-se como sendo, sobretudo, um “homem de consensos”. Recentemente pediu a demissão do cargo de Embaixador de Boa Vontade da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, que ocupava desde 2006


Com “Rosa do Riboque e Outros Contos”, de 1985, Albertino Bragança dá início a um percurso pioneiro na literatura são-tomense que se foca em relatos ficcionais sobre a realidade do arquipélago formado por duas ilhas principais, São Tomé e Príncipe, no período anterior e posterior à sua independência, em 1975. Nos seus contos e romances o autor aborda temas ‘tabu’, preconceitos e estigmas sociais, entretanto esbatidos na realidade actual, mas não necessariamente resolvidos. Um dos seus contos, “Preconceito”, trata a questão da discriminação entre descendentes de escravos alforriados e os trabalhadores contratados para as roças de cacau e café, vindos de Cabo Verde, Moçambique, Angola, que chegavam a São Tomé e Príncipe para trabalharem “em regime de escravatura mascarada de contrato”, descrevem os historiadores. Os contratados viviam em condições precárias e eram marginalizados, tanto por colonizadores como por nativos. Estas condições laborais, defendem alguns investigadores, estiveram na origem do massacre de Batepá, em 1953, que opuseram trabalhadores contratados e nativos instrumentalizados pelo poder colonial.

Rosa do Riboque”, a heroína ficcionada que organiza o apoio aos estivadores em greve e é presa e torturada pelas autoridades coloniais portuguesas, teve grande impacto no país, tornou-se leitura obrigatória, alguns dos textos entraram nos manuais escolares. “Hoje, quando se fala em literatura de São Tomé e Príncipe, é esta a obra de referência”, refere o autor em entrevista ao Ponto Final. Com “Um Clarão sobre a Baía”, de 2005, Albertino Bragança publica aquele que, na altura, foi considerado “o mais importante romance são-tomense”, por “quebrar a regra do silêncio” sobre o regime de partido único que dominou os primeiros anos de independência do país. Nesta obra, o autor faz uma crítica ao Governo, que terá perseguido e encarcerado os chamados “contra-revolucionários”, numa repetição da história, antes protagonizada pela polícia política do regime colonial português. A “Rosa do Riboque e Outros Contos” e a “Um Clarão sobre a Baía”, de 2005, seguiram-se “Aurélia de Vento”, de 2011, “Preconceito e Outros Contos”, de 2014, sendo a última obra publicada “Ao Cair da Noite”, de 2017.

Albertino Homem dos Santos Sequeira Bragança nasceu em 1944, estudou em Portugal, onde frequentou o Curso de Engenharia Electrotécnica da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra. Considerado pelos seus pares como “um homem com margem para consensos”, Albertino Bragança acaba quase inevitavelmente por integrar a vida política do seu país, pouco depois de regressar, em 1976, altura em que começa por exercer funções no ensino. Desempenha vários cargos partidários, governamentais e parlamentares. Foi um dos fundadores do movimento de oposição que deu origem ao Partido da Convergência Democrática – Grupo de Reflexão, colocando-se na linha da frente da democratização do país, que permitiu a mudança política no país, de um regime de partido único para o multipartidarismo, com o seu partido a vencer as primeiras eleições democráticas realizadas no país, em 1991, derrotando o partido que estava no poder desde a independência, o MLSTP (Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe).

O escritor e político visitou a China pela primeira vez em 1978, com a selecção são-tomense de futebol. Regressou em 1993, enquanto ministro dos Negócios Estrangeiros, integrado na comitiva do Presidente são-tomense da altura, Miguel Trovoada. A presença do autor no Festival Literário de Macau – Rota das Letras marca o regresso ao território de Albertino Bragança, que aqui esteve no contexto daquela viagem oficial à China. Na altura, a comitiva foi recebida pelo governador Rocha Vieira.

– O Albertino Bragança fez a sua formação universitária em Portugal, antes da independência em São Tomé e Príncipe, em 1975. Conte um pouco sobre essa vivência de um são-tomense num Portugal pré-25 de Abril.

Albertino Bragança – Fiz a minha formação escolar em São Tomé e Príncipe, em São Tomé neste caso [a capital], parti para Portugal em 1964. Segui para fazer medicina, mas depois mudei para engenharia electrotécnica, na Faculdade de Ciências. Naquele tempo em Coimbra só se estudava até ao terceiro ano, eram as bases para depois irmos estudar no Porto ou em Lisboa. Estive em Portugal até 1976. Foram 12 anos em que fui estudante, praticava futebol, na Académica, depois fui para a União de Coimbra, estudava e jogava futebol, na altura. Isto para dizer que, em Coimbra, tive uma orientação, cheguei através de um colega mais velho, um são-tomense, o doutor Celestino Costa, hoje já desaparecido [Celestino Costa foi primeiro ministro de São Tomé e Príncipe, entre 1988 e 1991]. Ele levou-me para a casa onde vivia, que era a Real República Kimbo dos Sobas, na rua Antero de Quental, em Coimbra, e que tinha defronte a República dos Milionários. Era uma residência de africanos, negros, brancos, angolanos, moçambicanos. Nós éramos os dois são-tomenses que estávamos na Kimbo dos Sobas. Nessas duas repúblicas havia uma orientação anti-regime, notória, inculcada, e consagrada ao nível de algumas repúblicas e de estudantes que não estavam de acordo com o regime da época, o regime fascista. Portanto, eu segui esse caminho, que se fazia através de muita leitura, encontros e conversas.

– Essa convivência com os estudantes de Coimbra despertou-o para a forma como Portugal era então visto no mundo?

A.B. – Foi graças à ida ao Kimbo dos Sobas que comecei a aperceber-me de outras coisas que não me apercebia antes. Aperceber-me com mais fundamento, com elementos teóricos extremamente importantes para a compreensão, não só do que se passava em Portugal, mas do que se passava no mundo. Estive na República Kimbo dos Sobas durante uns anos até ser chamado para o serviço militar. Acabei o terceiro ano do curso e de imediato fui chamado para Mafra, onde estive durante um tempo. Depois estive em Vendas Novas e finalmente em Torres Novas, onde estive durante três anos como alferes miliciano. Depois, regressei a Lisboa e claro que vivi intensamente o 25 de Abril, na medida em que vínhamos contestando o regime colonial implantado nos nossos países. Nós estávamos muito ligados às Forças Armadas e às forças revolucionárias da época até se conseguir as negociações entre o MLSTP [Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe] e o Governo português, que terminaram a 26 de Novembro e que, depois, conduziriam ao 21 de Dezembro, que foi a data da entrada de São Tomé e Príncipe no Governo de transição. Aí foi marcada a data da independência para 12 de Julho do ano seguinte, de 1975.

– Onde é que se encontrava exactamente quando se dá o 25 de Abril?

A.B. – Já tinha saído da tropa, saí da tropa em Janeiro de 1972, estive lá desde 1968 a 1972. Já me encontrava em Lisboa, como civil, estava a estudar no Técnico e trabalhava no ministério, cujo ministro era o pai do actual Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa. Estava a trabalhar na direcção de estatística do Ministério do Trabalho [que, na altura, tinha a designação de Ministério da Saúde e Assistência, das Corporações e Previdência Social], que era no Campo Pequeno e estudava no Técnico. Em Julho vim para assistir à independência, esse era o meu projecto, mas estava em Portugal e só consegui chegar na semana seguinte.

– Que país encontrou no seu regresso?

A.B. – Em São Tomé, os dirigentes da época, do MLSTP começaram a fazer pressão no sentido de que deveríamos regressar, porque o país estava sem quadros. Os portugueses tinham partido. Em Janeiro de 1976 regressei a São Tomé e Príncipe definitivamente.

– Qual é o seu percurso quando regressa a São Tomé e Príncipe, em 1976?

A.B. – Chego a São Tomé e havia poucos professores, por isso, fui orientado para dar aulas de português, foi uma grande sobrecarga, porque eram muitas turmas, éramos muito poucos, os quadros nacionais na altura. Depois disso fui director de uma série de instituições que foram criadas na altura. Estive sete anos como director do Gabinete de Estudos de Pesquisas Pedagógicas do Ministério da Educação. Com a doutora Lígia Costa, hoje em Portugal, reestruturamos o ministério, estive lá de 1984 a 1991. Em 1991, entretanto, um grupo de cidadãos criou um grupo de reflexão, que era uma associação política que, na altura, pressionou muito o regime e conseguiu que se orientasse para o multipartidarismo. Fizemos muitas actividades e, mais tarde, conseguimos, através de um referendo, que a visão multipartidária fosse consagrada em São Tomé e Príncipe. A partir daí vieram as primeiras eleições democráticas, a 20 de Janeiro de 1991. As eleições foram ganhas pelo nosso partido, o grupo de reflexão transformado no Partido de Convergência Democrática/Grupo de Reflexão, que ganhou as primeiras eleições democráticas. Fui designado Ministro da Defesa num contexto, como calcula, de muita pressão e muita tensão no ar, na medida em que era uma mudança política muito profunda, passar de um sistema de partido único para o multipartidarismo e as forças militares, a polícia, estavam muito emanadas com o regime que tinha estado no poder 16 anos. Depois, caiu o Governo, em 1992. Eu deixei a Defesa e fui indigitado ministro dos Negócios Estrangeiros, onde estive dois anos e meio. O Governo caiu novamente, em 1994. Voltei à Assembleia, como deputado (…). Mais tarde, em Dezembro de 1996, fui indigitado ministro da Educação, Cultura e Desporto, foi o meu último cargo governativo.

– Esta carreira política era incontornável, estava em circunstâncias em que não tinha opção?

A.B. – Eu tinha opção, poderia ter recusado. Mas no primeiro cargo contou muito o facto de eu ter sido militar, depois contou também o facto de, no país, considerarem-me, e sou considerado, como uma pessoa que está em todos os núcleos sociais, que se envolve muito com as pessoas, isso dá-me uma certa margem de consenso e foi isso que levou os meus companheiros a indicar-me como ministro da Defesa num contexto que era muito complicado. Depois deixei a Defesa e fui para os Negócios Estrangeiros, não foi nenhuma imposição aceitei porque achei que estava em condições de exercer o cargo, depois regressei à Assembleia por três vezes, como deputado. Entretanto ia escrevendo livros.

– O que é que o fez divergir das ciências e das engenharias para a literatura?

A.B. – Vou lhe dizer, quando era aluno no liceu aqui em São Tomé e Príncipe, desde o princípio, eu estava no lote dos alunos um pouco mais credenciados na língua portuguesa. Tinha as suas causas, porque o meu avô materno era um literato, o meu avô Albertino, de quem eu herdei o nome. Ele era um homem que viajava muito por São Tomé e Príncipe, Portugal, nos princípios do século passado. E era um homem que gostava muito de ler, era um amante da leitura, era um amante de Eça de Queirós, Camilo Castelo Branco, aqueles grandes nomes da literatura portuguesa daquele tempo e de hoje. Eu gostava muito de futebol, ia jogar com os miúdos da minha idade no campo do Riboque que era um bairro onde vivi e onde me apercebi de coisas de que não me tinha apercebido noutras ocasiões. (…) também tinha lições e estudava por capítulos, que ia explicar ao meu avô e ia conversando com ele, sobre aquilo que eu entendia. Com essa convivência, eu, aos 13, 14 anos, tinha lido grande parte de Eça de Queirós, Júlio Dinis e Camilo Castelo Branco. Quando fui para o liceu já tinha todo esse contacto e, claro que, na disciplina de português, fui considerado, naquele tempo, um dos melhores alunos do liceu. Entretanto, só em 1984 é que começo a escrever, “Rosa do Riboque” [“Rosa do Riboque e Outros Contos”].

– Precisou de atingir um certo ponto de maturação para escrever?

A.B. – Cheguei aos 40 anos e comecei a pensar em tudo o que significou para mim ter ido viver para o [bairro do] Riboque. Vivemos durante nove anos no Riboque. Tive contactos com a garotada do sítio, os meus companheiros faziam coisas que eu não fazia, iam pescar no cais, iam ao cinema à noite sempre que quisessem, eu só podia sair com os meus pais, era um filho da classe média. Tinha as regalias, mas não tinha a liberdade. A liberdade entre aspas, talvez, que eles me vinham contar e que eu gostava de ter um dia. Lembrei-me, também, do sacrifício das mães, das pessoas mais pobres e das camadas menos literatas. Inventei uma mulher que não existiu, mas que era uma homenagem que eu fazia às mulheres do Riboque, inventei a Rosa, uma ficção, pura ficção, e começo o livro pelo funeral da Rosa. E esse funeral é grandioso, no aspecto em que o povo mais simples, os amigos, familiares, os acompanhantes, claro que não eram da classe média, eram trabalhadores, camponeses, era uma massa enorme que seguia o funeral da Rosa. Depois de tanta grandeza no funeral, tanta virtude, depois de escrever o primeiro capítulo, comecei a pensar comigo: “o que é que esta Rosa teria feito em vida para merecer tanta consideração e tanta amizade por parte das pessoas”. E claro que tinha que inventar e inventei. Claro que ela, enquanto mulher, naquela época não poderia estar à frente da greve, mas poderia angariar fundos para a greve dos estivadores, que iam descarregar os barcos. E, nisso, a Rosa foi perita, conseguiu grandes apoios para a greve de estivadores. Tanto que assim criou-se uma heroína que ao nível da população foi a que mais marcou, que é estudada no liceu, nas universidades. Esta obra situa-se nos anos de 1950. “A Rosa do Riboque” ficou muito ligada a Albertino Bragança e fez com que eu escrevesse o segundo livro. Foi um livro muito lido, alguns textos entraram nos manuais escolares, é assim que, quando se fala em literatura em São Tomé e Príncipe fala-se de “Rosa do Riboque”, o meu primeiro livro.

– O Albertino foi testemunha de situações que depois descreve nas suas obras?

A.B. – Não observei. Algumas situações são fictícias. Em São Tomé e Príncipe não se faziam greves, podia haver protestos, mas greves não havia. Eu inventei para representar a Rosa enquanto angariadora de meios para a concretização dos objectivos dos trabalhadores. Depois escrevi “Um Clarão sobre a Baía”, um clarão que se reflecte sobre a baía de Ana Chaves, que é a baía mais importante de São Tomé e Príncipe, esse clarão era uma crítica directa ao regime de partido único, que fiz através de uma série de personagens que foram presas. Aí, houve um morto, na época do regime que torturou, de 1975 a 1991, fiz uma crítica àquilo que se passou. Houve várias edições do livro, uma em São Tomé e duas em Portugal, pela editora Caminho.

– “Rosa do Riboque” inclui outros contos.

A.B. – Há outros três contos, um dos quais foi publicado no Brasil, chamado “Solidão”, em que criei uma personagem muito viva e extrovertida, trabalhadora, que aparentava muita alegria, mas que vivia sozinho. O conto é triste, falo da solidão. Esse conto é baseado numa figura real, verídica (…). Considero que “Solidão” é das melhores coisas que escrevi até hoje (…). Foi uma forma que aproveitei para trazer o mito para a literatura são-tomense.

– Escreveu também “Preconceito e Outros Contos”, editado em 2014

A.B. – É sobre as relações que existiam, o preconceito que havia em relação aos trabalhadores contratados por parte da população são-tomense, tentei explicar as razões de fundo desse fenómeno, que hoje está um tanto ou quanto esbatido em São Tomé e Príncipe. Há uma maior aproximação entre as pessoas, os trabalhadores contratados das roças do cacau e do café são muito retratados, são apresentados como tal, se bem que o preconceito hoje é diminuto.

– De que preconceito é que se trata?

A.B. – Isso é uma questão importante. Em São Tomé e Príncipe, em 1953, 3 de Fevereiro, houve o massacre de Batepá, em que um governador Carlos Gorgulho procedeu à matança de muita gente. É um evento assinalado todo os anos, fala-se com os jovens, as razões do massacre, as remotas e as próximas, para dizer o seguinte: o porquê dessa discriminação que havia entre os são-tomenses e os contratados. Os contratados são pessoas que vieram de Angola, Moçambique e Cabo Verde. Sabe que nas colónias portuguesas, pelo menos em São Tomé e Príncipe, a escravatura encontrou os seus últimos dias, o seu fim, em 1875. Quando acaba a escravatura, os escravos deveriam continuar a trabalhar nas roças como homens livres durante nove anos para não fazerem cair os preços da produção de cacau e café, mas eles recusaram-se e abandonaram as roças. Eram forros que dependiam de uma carta de alforria de libertação. Para salvar a produção, o Governo português teve de recorrer a contratados. Aparentemente eles assinavam o contrato com o Governo, que lhes dava garantias no papel mas, na prática, continuavam a ser escravos. Os contratados eram chicoteados como escravos. Eles vinham de Angola, Moçambique, porque os são-tomenses foram sendo considerados homens livres (…) e havia uma classe política muito forte, tanto em Portugal como em São Tomé, de nativos são-tomenses, e isso fazia de São Tomé e Príncipe uma colónia muito especial. (…) Gorgulho veio de Portugal com a convicção de que ia resolver o problema de mão-de-obra em São Tomé, mas os são-tomenses mantiveram-se firmes perante os propósitos de Gorgulho e, por isso, vinham os contratados trabalhar na rudeza das roças, (…) Por essa razão se criou esse complexo social, nós somos homens livres, aqueles são contratados, por isso, naquele tempo havia essa separação que eu tentei apresentar no conto “Preconceito”, que retrata essa discriminação entre os chamados nativos de São Tomé e os contratados de Angola e Moçambique e Cabo Verde.

– A origem do seu nome vem do seu avô, quem era o seu avô?

A.B. – O meu avô pertencia à classe dos “moradores da cidade”, à classe dos literatos. Albertino dos Santos era uma figura conhecida dos meios citadinos. Era o pai da minha mãe e de uma figura que foi ilustre, que ficou célebre, muito renomeada na libertação de São Tomé e Príncipe do regime colonial, que era o camarada Oné. Um homem muito culto, António Barreto Pires dos Santos, vulgo “Oné”.

– Em relação à retoma das relações diplomáticas de São Tomé e Príncipe com a República Popular da China, em Dezembro de 2016, esteve ligado a este processo?

A.B. – Fui durante muitos anos, desde 2006 até à semana passada, Embaixador da Boa Vontade da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa). Pedi a demissão há dias. Claro que durante a fase em que ocupei o cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros estive na China e em Taiwan. O corte de relações com Taiwan e a retoma de relações com a China apanhou algumas pessoas desprevenidas, se bem que soubéssemos dos contactos que têm vindo a ser feitos com a China Popular e no regresso deste país a São Tomé e Príncipe. Ora, eu não quero estar a falar muito sobre isso sem estar por dentro, não sabendo quais os interesses para São Tomé e Príncipe nesta retoma de relações com a China. Politicamente ainda estou no activo e não quero pronunciar-me sobre o fundo da questão. Queria dizer-lhe que em São Tomé e Príncipe, no princípio da independência, a China foi um grande parceiro, porque patrocinou os projectos mais importantes daquele tempo. Em 1997 rompe-se a relação, foi algo que pressenti anos antes quando visitei a China como ministro dos Negócios Estrangeiros e vi a reação dos chineses. Mas, o certo é que em 1997 cortou-se relação com Pequim e estabeleceu-se a relação com Taiwan, que também foi um grande parceiro de São Tomé e Príncipe, sobretudo na área da saúde e da agricultura. Estou em crer, acho que a forma quase deprimente como se fez o corte foi algo muito chocante certamente tanto para taiwaneses como para alguns são-tomenses, grupo no qual me incluo, porque as coisas poderiam ter sido feitas de outra maneira, de forma mais civilizada e pensando em tudo o que de bom fizeram os taiwaneses em São Tomé e Príncipe.

– Era algo de incontornável para São Tomé e Príncipe esta retoma das relações diplomáticas com a República Popular da China?

A.B. – Havia grupos chefiados por personalidades, embora São Tomé e Príncipe estivesse em parceria com Taiwan, havia grupos e personalidades que agiam no sentido da retoma de relações com a China Popular, porque a China é, sem qualquer dúvida, uma potência mundial, que tende a rivalizar com os Estados Unidos. Por isso mesmo há pessoas que viam nessa retoma possíveis grandes vantagens para São Tomé e Príncipe. Possivelmente, e sobretudo, nos grandes projectos, que podiam relançar a economia nacional, como a construção do porto de águas profundas e a reabilitação e restruturação do aeroporto nacional, projectos, portanto, de grande vulto que Taiwan certamente não iria patrocinar. Ainda não estamos em condições de saber se houve vantagens ou não. Mas, aparentemente, parece que o regresso às relações com a China poderia ser algo de muito positivo para São Tomé e Príncipe, a ver vamos. Cláudia Aranda – Macau in “Ponto Final”

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