I
Se como ensina o professor
Massaud Moisés (1928), em A criação
literária. Prosa II (São Paulo, Editora Cultrix, 19ª ed., 2005), prosa
poética é a fusão da poesia e da prosa, caracterizada pela musicalidade, pela
metaforização abundante e a divisão da frase em segmentos que recordam a
cadência do verso, O feroz círculo do
homem (Taubaté-SP, Editora Letra Selvagem, 2015), de Carlos Nejar (1939),
preenche todos esses requisitos. Constitui, portanto, um romance escrito
inteiramente em prosa poética.
Como observa o jovem escritor,
jornalista e crítico Diego Mendes Sousa (1989) no posfácio que escreveu para
este livro, em dez capítulos de O feroz
círculo do homem, o leitor pode escutar a voz de Carlos Nejar ecoar no
pensamento do relator Tibúrcio Dalmar, personagem enveredado na arte de guardar
as sombras das almas no sótão de um tenda localizada em Pontal do Orvalho –
entre o cimo do monte e as margens do rio João Aragem – que toma a forma de uma
Caverna circular, governada pelo enigmático Círculo.
Como logo percebe o culto leitor,
o livro recorre à alegoria da caverna, também conhecida como parábola da
caverna, mito da caverna ou prisioneiros da caverna, passagem escrita por Platão
que se encontra na obra intitulada A
República (Livro VII) em que o
filósofo grego procura mostrar como o ser humano pode se libertar da condição
de escuridão que o aprisiona através da luz da verdade. Nessa obra, Platão
discute sobre teoria do conhecimento, linguagem e educação na formação do
Estado ideal.
II
Na apresentação que escreveu
para este livro, o romancista Miguel Jorge (1933) define esta obra como “uma
ópera filosófica”, dizendo que este romance funciona “como se um coro de vozes
levantasse outras vozes no respirar intranquilo de um círculo desenhado em
linhas de fogo”. Compara-o ainda a uma “catedral de forma barroca onde as
figuras, no milagre de um tempo passado, podem ser vistas de vários ângulos e
várias faces”.
Neste caso, é a palavra que
constitui o espetáculo, pois, como observa o romancista, “a palavra, senhora de
todos os espaços, como se desse cor ao coro de vozes, vibrava ao vento”. Ou
seja, a palavra aqui adquire o sentido bíblico, de voz de Deus, a explicação para
aquilo que não se explica, para as nossas ansiedades e perplexidades diante do
Desconhecido. Diz Nejar:
“E onde a palavra se impõe, declina a razão. E onde o
sobrenatural se entremostra, cada vez mais entramos e saímos na palavra. Até
rebentar de novo a semente, as plantas, flores, árvores, montanhas. Nem importa
o que poderia ter sido a história, mas do que sucede e sucederá”.
Para Miguel Jorge, não há
medida para este romance, ou ensaio filosófico, que ele define também como
“peça para um teatro de sensações históricas, capaz de revelar a dicotomia ou
trilogia incorporada ao conceito literário modernista”. É o que se pode perceber
neste trecho de Nejar:
“Nada se sabe”, diz Fernando Pessoa, “tudo se imagina”. Mas
vivi mais do que imaginei, até imaginar mais do que vivi. Como admitir que a
vida toda é apenas imaginação. Às vezes uma imaginação que endoidou e volta à
cura sonhando”.
III
Seu primeiro livro de
poesias, Sélesis, foi lançado em
1960. Hoje, sua bibliografia conta com mais de 30 títulos de poesia, além de
romances como Um certo Jaques Netan
(1991), O túnel perfeito (1994), Carta aos loucos (1998), e Riopampa, ou o moinho das tribulações
(Prêmio Machado de Assis, da Fundação Biblioteca Nacional, em 2000) e ensaios
diversos e até literatura infanto-juvenil como O Menino-rio (1985), Era um
vento muito branco (1987), A formiga
metafísica (1988), Zão (1989) e Grande vento (1997).
Participou de antologias e
coletâneas de poesias e tem sua obra traduzida para diversos idiomas. Em 1989,
entrou na Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira de seu conterrâneo
Vianna Moog (1906-1988). Participou de vários congressos e eventos
internacionais de poesia, representando o Brasil, e foi premiado em diversas
oportunidades: Prêmio Nacional de Poesia, do Instituto Nacional do Livro, em 1970;
Prêmio Fernando Chinaglia, da União Brasileira de Escritores, em 1974; Prêmio
Monteiro Lobato, em 1981; e Troféu Cassiano Ricardo, do Clube de Poesia, em
1995, entre outros.
Seus principais livros de
poesia são O campeador do vento
(1966), Danações (1969), Ordenações (1971), Casa dos arreios (1973), O
poço do calabouço (1974), A árvore do
mundo (1977), Os viventes (1979),
Livro de gazéis (1984), A genealogia da palavra (1989), Amar, a mais alta constelação (1991), Simon vento Bolívar (1993), Arca da aliança (1995), Sonetos do paiol, e Ao sul da aurora (1997). A exemplo de O feroz círculo do homem, de prosa poética é também O poço dos milagres (Prêmio da
Associação Paulista de Críticos de Artes, 2005).
Em 2013, saiu a terceira
edição de Viventes, acrescida de 300
novos poemas, e o romance A negra
labareda da alegria. Em 2012,
publicou Contos inefáveis, pela
editora Nova Alexandria. Em 2014,
A vida secreta dos gabirus, pela Editora
Record, e Matusalém de flores, pela Editora
Boitempo. Adelto Gonçalves - Brasil
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O feroz círculo do
homem, de Carlos Nejar. Taubaté-SP: Editora Letra Selvagem, 160
págs., 2015, R$ 35,00. E-mail: letraselvagem@letraselvagem.com.br
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Adelto Gonçalves é doutor
em Literatura
Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de Os vira-latas da madrugada (Rio de
Janeiro, José Olympio Editora, 1981; Taubaté, Letra Selvagem, 2015), Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio de
Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona
brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil,
2002), Bocage – o perfil perdido
(Lisboa, Caminho, 2003), Tomás Antônio
Gonzaga (Academia Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 2012), e Direito e Justiça em
Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 2015), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br
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