Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Ensino em Goa

A aposta que a China, e Macau em particular, tem feito no ensino do português, deve servir de exemplo para Goa e para a Índia, defende Delfim Correia da Silva, director do Centro de Língua Portuguesa do Camões e leitor na Universidade de Goa. Na única instituição de ensino superior indiana com departamento de Português, o número de alunos tem aumentado de forma “gradual e consistente”.
 
Delfim Correia da Silva


- Quantas pessoas falam português em Goa e quantas estão a aprender?

Delfim Correia da Silva – Em relação às que falam português, não sei e duvido que alguém saiba. As que estão a aprender, em números redondos, são cerca de 1500 anualmente, divididas pelos vários níveis de ensino. Cerca de 800 alunos estudam português nas escolas do secundário, do 8º ao 12º ano, na Universidade [de Goa] temos cerca de 100 alunos, talvez não chegue a tanto. Dez estão inscritos no mestrado – é a única universidade em toda a Índia que oferece o nível de mestrado – e uns 70 estão inscritos em vários cursos opcionais que o Departamento de Português oferece, cursos de língua, de cultura portuguesa, de cinema, arte. Tem havido um aumento no número de inscrições. Existem outras instituições que oferecem os cursos livres: além do Centro de Língua Portuguesa do [Instituto] Camões, onde cerca de 100 alunos anualmente estudam, existem outros polos, no Chowgule College em Margão, com o qual temos um protocolo, e instituições como a Indo-Portuguese Friendship Society e a Communicare.

- Esse aumento tem sido gradual?

D.C.S. – É um aumento gradual e consistente. Essa tendência de aumento tem-se verificado nos últimos oito, dez anos, sensivelmente. Depois daquele interregno que foram os acontecimentos de 1961, com a libertação, houve um impasse complicado. O português deixou de ser língua obrigatória e só com o reatamento das relações diplomáticas entre Portugal e a Índia, nomeadamente com a instalação de instituições portuguesas como o consulado, o [Instituto] Camões e a Fundação Oriente, é que se verificou um reacendimento da procura pelo português. No nível secundário, os números, há uns anos, eram relativamente reduzidos, cerca de 200 ou 300 alunos. Segundo informações que recebi, há uma tendência de crescimento. Na universidade isso é muito mais evidente, os números dispararam e costumo dizer que se houvesse mais professores qualificados, poderíamos ter aqui uma situação verdadeiramente surpreendente de procura pelo português.

- É difícil trazer professores para cá?

D.C.S. – É muito complicado. Já desde o século XVI que é complicado convidar portugueses para virem para a Índia. Não é propriamente fácil viver nesta zona do planeta. Depois são as distâncias, as dificuldades burocráticas, a adaptação à vida, aos valores culturais. Apesar de haver vários jovens portugueses e brasileiros a procurarem saber das condições para poderem trabalhar, depois a efectivação é sempre muito complicada.

- Também passou por essas dificuldades? Que balanço faz?

D.C.S. – A minha experiência indiana começou em Nova Deli, em 1996. Aí senti, de facto, um choque cultural e uma dificuldade francamente grande. É brutal, nalguns aspectos, a adaptação à Índia. Vir para Goa já não foi propriamente um desafio. O desafio que aqui se coloca é o de responder às solicitações, que são imensas. Estou cá desde 2008 e o tempo tem passado a voar. Tem sido uma experiência muito positiva, com momentos que guardo com muito agrado.

- Quem são os alunos do Departamento de Português?

D.C.S. – Tem-se sentido uma evolução em termos de perfil e motivações. A Universidade restruturou os programas curriculares, tornando-os mais exigentes e intensivos. De maneira que, se em 2010 tínhamos ainda alunos que vinham fazer mestrado por mero interesse pessoal, hoje o perfil é totalmente diferente. São alunos mais jovens, que vêm de outros estados da Índia e que vêm com o propósito muito claro de adquirir competências que possibilitem o desempenho de funções profissionais, sobretudo a nível das grandes empresas. Têm um plano muito bem delineado e sabem que, acabando o mestrado, obtêm empregos muito vantajosos no resto da Índia porque a procura por especialistas em língua portuguesa é crescente.

- Com quantos professores conta a universidade?

D.C.S. – No Departamento de Português são cerca de 100 alunos para dois professores e tempo inteiro, com a colaboração de outras duas professoras. Nos outros departamentos a situação é muito semelhante, no máximo quatro docentes para um universo de 100, 150 alunos. No departamento de Química, com o maior número de alunos, cerca de 200, o corpo docente não deve exceder os seis professores. Em média, então, cerca de 20 professores.

- Que avaliação faz da Universidade de Goa?

D.C.S. – O Departamento de Português é o mais pequeno da universidade. Goa é o Estado mais pequeno da Índia e o Departamento de Português é uma espécie de Goa dentro da Universidade. Debatemo-nos com algumas dificuldades de infra-estruturas e sobretudo de ao nível do corpo docente. A universidade abriu um programa de oferta de postos e estou muito confiante que, com a contratação de professores qualificados, o Departamento de Português possa dar o salto que toda a gente espera, para poder responder e forma mais eficiente às solicitações do mercado de trabalho e da área académica.

- Cooperam com outras universidades?

D.C.S. – Beneficiamos de dois programas de cooperação, com a Universidade de Aveiro e com a Universidade de Porto. Tivemos, em 2011, um curso de Verão organizado na Universidade de Aveiro, para professores goeses, que correu muitíssimo bem, foi uma óptima experiência que gostaríamos de repetir, se possível já este ano. Com a Universidade do Porto temos uma série de convites para participar como membro em vários programas do Erasmus Mundus. Para além de programas específicos com a Faculdade de Letras, também teremos projectos com a Faculdade de Desporto e de Arquitectura. Estamos a consolidar e estabelecer essas pontes entre Portugal e a Índia, através de Goa.

- Nunca foi equacionada uma cooperação com a Universidade de Macau?

D.C.S. – Sei que já houve visitas de uma delegação de Macau, mas mais na área das ciências sociais e políticas, porque há um Centro de Estudos Latino-Americanos e um Departamento de Ciências Políticas. Na área das literaturas, ainda não houve nenhuma proposta.

- Seria interessante?

D.C.S. – Obviamente. Seria estratégico criar aqui uma espécie de triângulo das Bermudas: Moçambique, Goa e Macau. Faria todo o sentido, seria um projecto de muito interesse.

- Acompanha o trabalho da Universidade de Macau?

D.C.S. – Tenho poucas informações sobre Macau. Conheci a universidade em 1996 e apercebi-me da força e da dimensão, em termos de programas académicos, que existe em Macau. Apercebi-me que, de facto, a China tem uma perspectiva de aposta no português que infelizmente ainda não acontece na Índia. Nesse sentido, acho que Macau é um bom exemplo, pode servir de modelo para Goa, e consequentemente para o resto da Índia.

- A nova geração de goeses está interessada em aprender ou o português que cá existe é das gerações anteriores?

D.C.S. – Sim. O português atrai os jovens goeses, devido ao Brasil – a música, o Carnaval, o desporto –, devido às grandes figuras da actualidade, como o Cristiano Ronaldo. Apesar de Goa ser quase uma aldeia, é um local bastante cosmopolita. Todos têm familiares um pouco por toda a Europa. Muitos viajam [para Portugal] e quando regressam confessam que afinal o Portugal que viram não é o Portugal que os avós lhe falavam. Ficam fascinados com os monumentos, com a modernidade. Essa nova geração tem uma visão diferente.

- A cultura é o factor número um para o interesse pelo português?

D.C.S. – Sim, mas também não podemos menosprezar o facto de Portugal ser um país que oferece boas condições de trabalho e vida profissional, apesar da crise. E também a possibilidade de realizar estudos superiores na Europa – é uma das coisas que eles falam com muito fascínio, das condições das universidades.

- Já disse que a experiência está a ser positiva. Quanto tempo mais pensa ficar em Goa?

D.C.S. – Sou sonhador, mas os meus projectos têm a duração de 365 dias. Todos os anos, quando colocada a questão, pelo [Instituto] Camões, se pretendo renovar por mais um ano, penso, reflicto e chego sempre à mesma conclusão: sim, quero ficar mais um ano. Mas penso que, devido às regras, a minha permanência em Goa está a terminar. Penso que ficarei até 2015. Do futuro só Deus sabe, apesar dos meus sonhos. Logo se verá.

- Tem pena de ir?

D.C.S. – Sim. Quando chegar essa altura, vai ser difícil. Aconteceu-me o mesmo em Nova Deli. Foi uma experiência verdadeiramente traumática, durante uns meses senti que vivia noutro planeta, tudo era diferente, o choque cultural foi muito duro. Mas acabei por ficar quase seis anos e quando saí, ao contrário do que supunha, quando cheguei ao aeroporto senti que parte de mim ficava para trás. Foi muito difícil. Em relação a Goa, quando isso acontecer, suponho que vai ser muito mais duro.

- Os seus sonhos incluem projectos fora de Goa?

D.C.S. – O meu sonho é, sobretudo, concretizar os projectos em que estou empenhado e procurar não perder este gosto, esta paixão, pelo ensino.

- Nunca pensou em estabelecer uma Escola Portuguesa em Goa, à semelhança da que existe em Macau?

D.C.S. – Há uns anos falou-se nessa possibilidade. Mas penso que é um pouco prematuro, é necessário consolidar outras questões. Uma delas passa pelo fortalecimento da estrutura escolar do ensino secundário – criar uma rede de professores do quadro porque os professores não têm vínculo, são financiados quase na totalidade pela Fundação Oriente. Se a rede de docência do secundário estiver, de facto, consolidada, penso que sim, que justifica o projecto de uma Escola Portuguesa, à semelhança de Macau.

- Haveria interesse por parte das autoridades locais em criar as infra-estruturas, e por parte do Ministério dos Negócios Estrangeiros português em aqui ter um espaço?

D.C.S. – Mais do que uma escola portuguesa, deveria ser uma escola lusófona, uma escola que congregasse interesses do Brasil dos PALOP e de Portugal.

 “Gostava de ser professora de português”

Fomos encontrar Alysia Viegas em plena aula, juntamente com mais quatro colegas. Esta jovem de 20 anos, natural de Goa, está a aperfeiçoar o domínio do português, para poder contribuir para a sua preservação. “Desde pequena que falo português, toda a minha família fala português mas pouca gente em Goa fala português. Não há professores, gostava de ser professora de português para crianças”, explica.

Além de estudar na Universidade de Goa, Alysia Viegas é também desportista, joga futebol na equipa de Goa. Não está a competir nos Jogos da Lusofonia, mas tem boas perspectivas para os resultados da equipa: “Acho que vão ganhar”. Inês Gonçalves – Macau in “Ponto Final”

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