Pela
primeira vez, uma equipa de investigadores do Instituto de Sistemas e Robótica
(ISR) da Universidade de Coimbra (UC) e do Instituto Politécnico de Tomar (IPT)
desenvolveu um sistema de interface cérebro-computador que garante praticamente
100 por cento de fiabilidade e precisão no controlo de cadeiras de rodas
através do cérebro, sem exigir grande esforço mental ao utilizador.
As
cadeiras de rodas guiadas pelo cérebro apresentam-se como uma solução
promissora para pessoas com deficiências motoras graves, que não podem usar
interfaces convencionais. Contudo, a baixa fiabilidade e precisão das
interfaces cérebro-computador (ICCs) baseadas em eletroencefalografia (EEG) e o
elevado esforço mental exigido ao utilizador – que fornece os comandos por meio
de sinais cerebrais para conduzir a cadeira de rodas, sem atividade muscular –,
inviabilizam a sua utilização, por razões de segurança.
Para
ultrapassar estes grandes obstáculos, o sistema proposto pela equipa do ISR e
IPT, cujos resultados já se encontram publicados na IEEE Transactions on
Human-Machine Systems, assenta numa nova abordagem que combina três
componentes: ritmo personalizado, comandos de tempo ajustado e controlo
colaborativo.
Ou
seja, esclarece Gabriel Pires, investigador principal do projeto, «no mesmo
sistema é possível a ICC detetar automaticamente quando o utilizador pretende
ou não enviar um comando, permitindo que este não tenha de estar
permanentemente focado, mas sim apenas quando pretende enviar um comando, ao
seu ritmo; o tempo para deteção da intenção do utilizador é também ajustado
automaticamente para permitir um desempenho constante, sendo por exemplo menos
suscetível a desatenções ou fadiga; e, ainda, um controlo colaborativo entre o
utilizador e a máquina».
Este
controlo colaborativo significa que a cadeira de rodas «tem um sistema de
navegação que, por um lado, realiza as manobras finas de navegação, aliviando o
utilizador desse esforço, e, por outro lado, corrige/interpreta possíveis
comandos errados enviados pela ICC», revela o investigador.
A
viabilidade do sistema foi validada em várias experiências realizadas com 6
pessoas com deficiências motoras graves, da Associação de Paralisia Cerebral de
Coimbra (APCC), e 7 pessoas sem deficiência (grupo de controlo). Os
participantes tinham de efetuar percursos de navegação diferentes em ambientes
semelhantes aos de um escritório, como corredores, passagem de portas,
gabinetes, acessos e desvio de obstáculos e de pessoas. «Por exemplo, uma das
tarefas consistia na passagem por portas estreitas, que é uma das tarefas mais
desafiantes em termos de navegação móvel dadas as dimensões da cadeira de
rodas», sublinha Gabriel Pires.
Para
conseguir testar a interface, a equipa teve de desenvolver o sistema navegação
da cadeira de rodas, adaptar, do ponto de vista ergonómico, a cadeira para
poder ser usada por pessoas com limitação motora e desenvolver os métodos de
descodificação dos sinais eletroencefalográficos da ICC.
As experiências provaram um nível de precisão e fiabilidade sem precedentes, superior a 99%, destaca o investigador do ISR e docente no Instituto Politécnico de Tomar: «o aumento da precisão de forma fiável foi uma grande conquista, ou seja, mantendo o desempenho elevado ao longo do tempo, independentemente das condições. Na verdade, em alguns conjuntos de experiências obtivemos 100% de precisão com o grupo de controlo e 99.6% com o grupo de pessoas com deficiência motora».
Estes
resultados mostram, pela primeira vez, que é possível «conceber sistemas
controlados por ICCs com elevado desempenho e fiabilidade e controlados de
forma natural (sem elevado esforço mental do utilizador e ao seu ritmo) por
pessoas com forte limitação motora», afirma Gabriel Pires, frisando que esta
avaliação foi obtida «de forma quantitativa, mas também qualitativa através de
questionários colocados aos participantes. Os cenários de teste, embora
realistas, não deixam de ser bastante estruturados e menos complexos dos que
encontramos em ambiente doméstico no dia-a-dia».
No
entanto, apesar de os resultados serem altamente promissores, representando um
passo de gigante em direção ao uso desta tecnologia, o docente e investigador
previne que o sistema desenvolvido ainda «não possui a maturidade para entrar
no mercado. Para além de estas experiências terem decorrido em ambiente
relativamente controlado, muito menos complexo do que os ambientes domésticos,
um outro desafio prende-se com os sistemas de aquisição dos sinais
eletroencefalográficos».
Por
outro lado, conclui, «a montagem e ergonomia dos elétrodos ainda terá de
melhorar. Finalmente, para utilização do sistema em ambientes domésticos mais
dinâmicos e exigentes, teremos de introduzir mais módulos de perceção do meio
circundante, um trabalho que já estamos a iniciar».
Esta
nova interface cérebro-computador foi desenvolvida no âmbito do projeto de
investigação e desenvolvimento (I&D) “B-RELIABLE: Métodos para melhoria da
fiabilidade e a interação em sistemas de interface cérebro-máquina através da
integração da deteção automática de erros”, cofinanciado por fundos europeus e
pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). Para além de Gabriel Pires,
a equipa que criou a ICC é constituída por Aniana Cruz, Ana Lopes, Carlos
Carona e Urbano J. Nunes. Universidade de Coimbra - Portugal
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