Academia Angolana de Letras
(AAL) pediu esta quarta-feira ao Governo de Angola que não ratifique o Acordo
Ortográfico (AO) de 1990, perante os “vários constrangimentos identificados” no
documento, que necessita de uma revisão.
A decisão foi apresentada pelo
reitor da Universidade Independente de Angola e membro da AAL, Filipe Zau, numa
conferência de imprensa em que, pela primeira vez, a academia, criada
oficialmente em Setembro de 2016 e que conta com 43 membros, tomou uma posição
pública sobre o acordo ortográfico, apresentado em 1990.
“Recomendamos a todos os
Estados [membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, CPLP] e ao
Estado angolano que é necessário rectificar para que se possa ratificar”, disse
à agência Lusa Filipe Zau.
Segundo o docente, a academia,
que tem como patrono e ocupante da “cadeira número um” o primeiro Presidente de
Angola, António Agostinho Neto (1922-1979), decidiu tomar posição após
auscultar os seus membros. “Não estamos contra o acordo ortográfico em si,
estamos contra este acordo”, sublinhou.
“Um
número elevado de excepções”
No comunicado, a AAL apresenta
um conjunto de razões para justificar a tomada de posição, destacando que, no
âmbito dos pressupostos do Acordo Ortográfico de 1990, existe “um número
elevado de excepções à regra” que, acrescenta-se, “não concorre para a
unificação da grafia do idioma [português], não facilita a alfabetização e nem
converge para a sua promoção e difusão” em Angola.
Por outro lado, a AAL lembra
que o acordo “diverge, em determinados casos”, de normas da Organização
Internacional para a Padronização (ISSO) sobre o conceito ligado à ortografia,
além de “não reflectir” os princípios da UNESCO nem os da Academia Africana de
Letras (Acalan) sobre a “cooperação linguístico-cultural com vista à promoção
do conhecimento enciclopédico e de paz”.
“Face aos constrangimentos
identificados e ao facto de não ser possível a verificação científica dos postulados
de todas as bases do AO, factor determinante para a garantia da sua utilização
adequada, a AAL é desfavorável à ratificação por parte do Estado angolano”,
lê-se no documento.
A AAL sublinha que, tendo em
conta a contribuição de étimos de línguas bantu na edificação do português, o
AO não considera a importância das línguas nacionais angolanas como factor de
identidade nacional.
“A escrita de vocábulos, cujo
étimos provenham de línguas bantu, deve ser feita em conformidade com as normas
da ortografia dessas línguas, mesmo quando o texto está escrito em português”,
defende a AAL, entidade presidida pelo escritor Boaventura Cardoso e que tem
Pepetela como presidente da mesa da assembleia geral.
A academia, sublinha-se no
documento, constatou a necessidade de o AO ter de ser objecto de “ampla
discussão” entre os vários Estados-membros da CPLP, considerando
“indispensável” que se estabeleça um “período determinado para a análise,
discussão e concertação de ideias” à volta do assunto.
“Tem de se encontrar um
denominador comum que permita harmonizar a aplicação do AO de 1990 em todo o
espaço comunitário”, refere a AAL, recomendando “maior investimento” dos
Estados num “ensino de qualidade”, quer em português, quer nas línguas
nacionais, “como contribuição para a preservação” dos vários idiomas.
“Trouxe
uma deriva arriscada”
Na conferência de imprensa, o
presidente da AAL, Boaventura Cardoso, lembrou que, em Angola, a língua
portuguesa é a oficial e é falada “mais ou menos em todo o país”, tendo-se
tornado “materna” para grande parte dos angolanos, uma vez que 65% da população
utiliza-a na comunicação diária, tal como revelou o último censo populacional
de 2016.
Para Boaventura Cardoso,
muitos dos problemas que se levantam e que constituem erros passam sobretudo
pela ausência do AO de 1990 dos sons pré-nasais, duplos plurais e de respeito
pelos radicais das palavras que emigram das línguas nacionais para o português.
“Impõe-se, pois, rever esta
situação e, no nosso caso particular, rever a questão da escrita da toponímia
angolana, reassumindo os ‘k’, ‘y’ e ‘w’ na grafia da língua portuguesa”,
sublinhou, exemplificando ainda com dois casos de sons pré-nasais. “‘Ngola’ ou
‘Gola’. No primeiro caso, ‘Ngola’, trata-se do título do titular máximo do
poder no contexto da língua nacional kimbundu. Sem o som pré-nasal, significa a
parte superior de uma peça de vestuário. O mesmo se passa com ‘Mfumu’ e ‘Fumo’:
‘Mfumu’ significa ‘chefe’ nas várias hierarquias. Fumo significa o que de tal
termo se conhece na Língua Portuguesa”, exemplificou.
Para Boaventura Cardoso, o AO
de 1990 “trouxe mais problemas do que resolveu”: “Trouxe o iminente risco de
uma deriva arriscada que pode levar à desvirtualização da Língua Portuguesa.”
Dos nove países da CPLP,
apenas quatro Estados ratificaram o acordo: Cabo Verde, Brasil, São Tomé e
Príncipe e Portugal. In "Público"
- Portugal
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