Nascido em Lisboa, a 10 de
Janeiro de 1926, Júlio Pomar, que gostava mais de desenhar do que de jogar à
bola quando era criança, vendeu o primeiro quadro a Almada Negreiros por seis
escudos, numa época em que era impensável viver da pintura. Tornou-se um dos
artistas mais conceituados do século XX português, com uma obra marcada por
várias estéticas, do neo-realismo ao expressionismo e abstraccionismo, e uma
profusão de temáticas abordadas e de suportes artísticos experimentados.
A obra foi dedicada sobretudo
à pintura e ao desenho, mas realizou igualmente trabalhos de gravura, escultura
e ‘assemblage’, ilustração, cerâmica e vidro, tapeçaria, cenografia para teatro
e decoração mural em azulejo. Desde muito jovem começou a escrever sobre arte,
tem obra poética publicada, alguma musicada e interpretada por cantores como
Carlos do Carmo e Cristina Branco.
Estudou na Escola de Artes
Decorativas António Arroio e nas Escolas de Belas-Artes de Lisboa e Porto,
tendo participado em 1942, em Lisboa, convidado por Almada Negreiros, na VII
Exposição de Arte Moderna do Secretariado de Propaganda Nacional/Secretariado
Nacional de Informação. Fez parte da Comissão Central do Movimento de Unidade
Democrática Juvenil (MUD), e participou activamente nas lutas estudantis, o que
lhe custou a expulsão das Belas-Artes do Porto.
Em 1947, realizou a primeira
exposição individual, no Porto, onde apresentou desenhos, e colaborou com os
jornais A Tarde, Seara Nova, Vértice, Mundo Literário e Horizonte, participando
no movimento artístico “Os Convencidos da Morte”, assim denominado por oposição
aos célebres “Os Vencidos da Vida”, grupo marcante na história da literatura
portuguesa.
A oposição ao regime de
Salazar leva-o a passar quatro meses na prisão, a apreensão de um dos seus
quadros – “Resistência” – pela polícia política, e a ocultação dos frescos com
mais de 100 metros quadrados, realizados para o Cinema Batalha, no Porto. Mesmo
assim, Júlio Pomar conseguiu desenhar e pintar na prisão – onde circulavam papel,
lápis e caneta – e fazendo um requerimento para obter materiais que lhe
permitiram criar retratos dos camaradas presos, como Mário Soares, e do
quotidiano no cárcere.
Num período inicial,
neo-realista, foram marcantes algumas das suas obras, como “O Almoço do
Trolha”, “Menina com um Gato Morto”, “Varina Comendo Melancia” ou “O
Cabouqueiro”, que revelam a influência, na mesma corrente, de escritores como
Alves Redol e Soeiro Pereira Gomes, e artistas plásticos como o brasileiro
Cândido Torquato Portinari.
Nos anos de 1950 viajou até
Espanha, onde estudou a obra do pintor Goya, fundou a cooperativa Gravura, em
Lisboa, para produção e divulgação de obras gráficas, que marcou várias
gerações de artistas. Na década seguinte, foi viver para Paris, onde esteve
como bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian entre 1963 e 1966. Desse tempo
destaca-se a série de quadros a preto e branco para ilustrar a versão de “D.
Quixote”, de Aquilino Ribeiro, tema que usou noutras pinturas e esculturas, e
iniciou a série “Tauromaquias”, que exibiu em Paris, onde também participou
numa mostra dedicada ao quadro de Ingres “Le Bain Turc”, no Museu do Louvre, em
1971.
Em entrevista à agência Lusa
em 2009, Júlio Pomar recordou que a vivência em Paris, nos anos de 1960,
coincide com uma ruptura “mais dramática” no percurso artístico, quando sentiu
que a pintura que criava “estava a desfazer-se”. “A minha pintura estava a
desfazer-se e senti necessidade de dar-lhe uma estrutura”, explicou,
acrescentando que as mudanças no seu percurso artístico foram feitas de um modo
geral sem esforço, mas naquele caso “foi esforçada”.
Em Portugal, a primeira
retrospectiva da obra de Pomar foi organizada em 1978 pela Fundação Gulbenkian
e exibida na sua sede em Lisboa, também no Museu Soares dos Reis, no Porto e,
parcialmente, em Bruxelas. Também em Paris e em Madrid apresentou, na década de
1990, a série sobre os índios do Alto Xingú, na Amazónia, onde passou algum
tempo, e a antológica “Pomar/Brasil”, organizada pelo Centro de Arte Moderna da
Gulbenkian, e apresentada em Lisboa, Brasília, São Paulo, e Rio de Janeiro.
Em 2004, o Sintra Museu de
Arte Moderna – Coleção Berardo apresentou uma vasta retrospectiva intitulada
“Pomar/Autobiografia”, comissariada por Marcelin Pleynet, enquanto o Centro
Cultural de Belém expôs a antologia “A Comédia Humana”, organizada por Hellmut
Wohl. Nesse ano foi criada a Fundação Júlio Pomar e quase uma década depois, em
2013, foi inaugurado em Lisboa o Atelier-Museu Júlio Pomar, com um projecto
arquitectónico de reabilitação de Álvaro Siza.
Júlio Pomar também ilustrou
várias obras, como “Guerra e Paz”, de Tolstoi, “O Romance de Camilo”, de
Aquilino Ribeiro, a obra “D. Quixote”, de Cervantes, “A Divina Comédia”, de
Dante Alighieri, “Pantagruel”, de Rabelais, “Rose et Bleu”, de Jorge Luis
Borges, e “Mensagem”, de Fernando Pessoa. Recentemente ilustrou o livro “O cão
que comia a chuva”, de Richard Zimler, distinguido com o Prémio Bissaya Barreto
de literatura para a infância.
O seu trabalho encontra-se em
edifícios e espaços públicos, nomeadamente na estação de metro do Alto dos
Moinhos (1983-84), em Lisboa, os frescos pintados no Cinema Batalha (Porto
1946-7), e a sala de audiência do Tribunal da Moita, com o arquitecto Raul
Hestnes Ferreira (1993), e as tapeçarias executadas para as sedes do Montepio
Geral e da Caixa Geral de Depósitos.
Escreveu os livros de ensaio
sobre pintura “Discours sur la Cécité des Peintres” (1985), “Da Cegueira dos
Pintores” (1986), e “Et la Peinture?” (2000) e “Então e a Pintura?” (2003), e
publicou os livros de poesia “Alguns Eventos” (1992) e «TRATAdoDITOeFeito»
(2003). É o autor do retrato oficial do antigo Presidente da República Mário
Soares.
Júlio Pomar integrou a
representação portuguesa na Bienal de São Paulo de 1953 e recebeu, entre outros,
o Prémio Associação Internacional de Críticos de Arte em 1995, o Prémio
Celpa/Vieira da Silva, em 2000, e o Prémio Amadeo de Souza Cardoso em 2003. Foi
condecorado pelo antigo Presidente da República Mário Soares e também por Jorge
Sampaio. Em França, foi condecorado com a comenda das Artes e das Letras. Em
2013 recebeu o Doutoramento Honoris Causa da Universidade de Lisboa. Deixou-nos
a 22 de Maio de 2018. Agência Lusa
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