A discussão da proposta de Lei
da Arbitragem foi concluída e o seu objectivo é claro. “O que nós queremos é
criar um centro de arbitragem de litígios comerciais entre a China e os países
de Língua Portuguesa”, afirmou Liu Dexue, director dos Serviços de Assuntos de
Justiça (DSAJ). O centro contará com “todos os meios disponíveis em Macau”,
sejam jurídicos ou humanos.
Para isso, a existência de
bilingues na área jurídica e que conhecem bem o ordenamento jurídico de Macau,
que tem matriz portuguesa, é uma das vantagens apontada pelo director da DSAJ.
“E assim consegue também fazer um elo de ligação conhecendo muitos deles os
ordenamentos jurídicos dos países de Língua Portuguesa”, frisou. Depois de já
ter sido analisada pelo Conselho Executivo, a proposta de lei segue agora para
a Assembleia Legislativa.
Esta política está em linha
com o defendido pela Associação dos Advogados, cujo Centro de Arbitragem vai
ter uma extensão para incluir árbitros da China, lusófonos e locais, e que
assinou em Outubro passado um protocolo com a Comissão de Arbitragem Económica
e Comercial Internacional da China (CIETAC).
Fernando Dias Simões,
professor associado na Faculdade de Direito da Universidade de Macau que se
dedica à investigação nas áreas da arbitragem comercial e arbitragem de
investimento indicou à TRIBUNA DE MACAU que “é normal que o aumento do volume
de tráfego comercial entre a China e os países de língua oficial portuguesa –
que tem sido notório nos últimos anos, em parte devido aos esforços do Fórum
Macau – resulte num maior número de litígios, pois onde existirem trocas
comerciais, mais cedo ou mais tarde surgirão litígios”.
O docente defende que Macau
deve aprender com outros centros de arbitragem da região, como os de Hong Kong
e Singapura, mas “não se trata de concorrer com eles”, por ter um mercado alvo
diferente. “Macau pretende focar-se nos litígios comerciais entre comerciantes
e empresas da China e dos países lusófonos, e esse é um mercado específico –
quer em termos linguísticos, quer jurídicos – em que Macau pode ter uma
vantagem competitiva por ter o Português e o Chinês como línguas oficiais e
conhecimento dos sistemas jurídicos dos dois blocos. Não se pode dizer que Hong
Kong e Singapura estejam especializados neste nicho de mercado”, disse. “Por
isso, não há verdadeiramente competição, o que Macau pode fazer é usar as suas
vantagens comparativas e especializar-se naquilo que pode fazer bem, não tentar
copiar os outros ou fazer melhor que eles, sob pena de falhar”, frisou ainda.
Questionado sobre se a RAEM se
consegue afirmar enquanto um espaço neutro para aqui se processarem casos de
arbitragem que envolvam a China, Fernando Dias Simões indicou que as mesmas
dúvidas se colocaram relativamente a Hong Kong, mas com um quadro legal
adequado “é possível manter a neutralidade”. “Hong Kong criou uma reputação de
independência e isenção, não vejo motivos para que o mesmo não aconteça em
Macau”, notou.
O
caminho para a “excelência”
O regime jurídico da
arbitragem em Macau assenta em dois diplomas nucleares, que já estão pelo menos
há 20 anos inalterados. “A parte de arbitragem tem de ser adequada às
necessidades de desenvolvimento futuro”, referiu Liu Dexue em conferência de
imprensa na Sede do Governo. Esta proposta de lei faz uma actualização do
regime seguindo a Lei Modelo da Comissão das Nações Unidas para o Direito
Comercial Internacional sobre arbitragem comercial internacional, de modo a
tornar-se mais simples e alinhado com os padrões internacionais.
“Esta lei modelo é uma lei
fulcral para seguirmos os padrões internacionais. Nalguns casos podemos ser
legíveis para os padrões de arbitragem mas noutros nem sempre”, disse o
responsável. A fusão dos dois diplomas, aliada a campanhas de sensibilização na
sociedade, serve para facilitar a aplicação da arbitragem em Macau, que de
momento “não é muito satisfatória”. Assim, indicou que é preciso as pessoas
terem confiança no sistema, e que a instituição de arbitragem seja “de
excelência”.
Uma das alterações práticas da
junção de diplomas será que as decisões arbitrais passam a ser definitivas e
vinculativas, não podendo haver recurso para o tribunal, só podendo as partes
pedir ao tribunal a sua anulação, cujo pedido tem de ser apresentado no prazo
de três meses. E os fundamentos para anulamento da decisão arbitral podem ser
apenas de ordem processual.
Entre as vantagens apontadas
por Liu Dexue, há que “reconhecer que é uma via extrajudicial muito célere”,
sendo um mecanismo “que consegue atenuar a pressão sentida pelos tribunais”.
Ao nível da formação dos
árbitros, cujos pormenores não foram ainda avançados pelo Governo, “Macau não
pode ter a pretensão de preencher as listas de árbitros disponíveis para
decidir casos apenas com árbitros locais”, comentou Fernando Dias Simões. A
lista de árbitros “deve ser ampla e diversificada, incluindo profissionais
originários de todos os países envolvidos, com diferentes aptidões linguísticas
e experiência em diversas áreas da actividade comercial. Este passo é decisivo
para dar uma imagem de neutralidade e imparcialidade”.
O docente sublinhou a
importância dos profissionais incluídos nesta lista terem muita experiência em
arbitragem, já que “no início de actividade de um centro, quando este está mais
sujeito a escrutínio, uma série de decisões mal ponderadas pode afectar a
imagem do centro”. Depois de ter uma experiência consolidada o centro poderá
então preparar a próxima geração de árbitros.
Cinco
instituições com condições para arbitrar
“Neste momento temos cinco
instituições de arbitragem, mas agora o que prevê é o chefe do Executivo passar
a definir mediante regulamento administrativo as condições em que pode ser
conhecida a competência de determinadas entidades para realizarem em Macau
arbitragens voluntárias institucionalizadas”, comentou o director dos Serviços
de Assuntos de Justiça.
Seis meses depois da aprovação
do regulamento administrativo estas instituições poderão pedir para se tornarem
em entidades de arbitragem institucionalizada em Macau. E a dimensão dos casos
a serem recebidos na RAEM é indiscriminada, dado que a proposta de lei
determina que “qualquer litígio de natureza civil ou comercial, contratual ou
extracontratual possa ser resolvido mediante arbitragem”, sem que haja
limitações em relação ao valor em causa. Salomé
Fernandes – Macau in “Jornal Tribuna de Macau”
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