Patrícia
Portela estreou-se no Festival de Artes de Macau com “Parasomnia”, instalação
visual e sonora, com uma dimensão performativa, que incita o espectador a
desacelerar, a render-se a um estado que oscila entre a vigilância e a
dormência. Um modo de questionar o lugar do sono num quotidiano rendido à
imposição insone da produtividade, concebido por uma artista e escritora
habituada a contornar as fronteiras da evidência
No tempo lentíssimo da
metamorfose, pontuado pela “Elegia” de Stravinsky, transfigura-se o corpo
dormente de mulher, na transição de Vénus para Ophelia. Atirado para a penumbra
da sala, sacode o espectador a trepidação que percorre, ainda, o corpo
acelerado. Trava-se o movimento e a respiração até um estado de torpor, que
oscila entre a vigília e a sonolência. Esperar, desacelerar, estar. O desígnio
de uma instalação visual e sonora que potencia no público a libertação de um
quotidiano cronometrado. Com “Parasomnia”, Patrícia Portela converteu a Casa do
Mandarim num lugar onírico, rendido ao sono, ao sonho, e à evidência de uma
existência espartilhada e entregue ao desperdício. No percurso da cenógrafa,
encenadora, actriz e escritora – vencedora, em 2005, do Prémio Acarte/Madalena
Azeredo Perdigão, da Fundação Calouste Gulbenkian – é quase sempre o texto a
desencadear a realização performativa, que se traduziria depois numa sucessão
de títulos. Com o último livro, “Dias Úteis”, lançado em 2017, inaugura a
autora um percurso votado quase em exclusivo à literatura. Com o novo livro,
cuja escrita será finalizada até ao final do ano, Patrícia Portela recua a
1998, ano que diz ter encerrado uma promessa de futuro ainda por cumprir,
enquanto escancarava a uma geração que se acercava da maturidade as
possibilidades infinitas da tecnologia. Com uma vivência hoje repartida entre
Lisboa e Antuérpia, foi também em Macau que a condição de estrangeira se
instalou na criadora. Num tempo em que se cristalizaram as únicas memórias que
sobram da infância, impôs-se a errância como caminho, perante um mundo que era,
afinal, um lugar infinito.
O jornal Ponto Final entrevistou Patrícia Portela que poderá ler aqui. Texto de Sílvia Gonçalves e fotografia de Eduardo
Martins - Macau
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