Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quinta-feira, 10 de maio de 2018

“O sono é o último reduto de contestação”

Patrícia Portela estreou-se no Festival de Artes de Macau com “Parasomnia”, instalação visual e sonora, com uma dimensão performativa, que incita o espectador a desacelerar, a render-se a um estado que oscila entre a vigilância e a dormência. Um modo de questionar o lugar do sono num quotidiano rendido à imposição insone da produtividade, concebido por uma artista e escritora habituada a contornar as fronteiras da evidência



No tempo lentíssimo da metamorfose, pontuado pela “Elegia” de Stravinsky, transfigura-se o corpo dormente de mulher, na transição de Vénus para Ophelia. Atirado para a penumbra da sala, sacode o espectador a trepidação que percorre, ainda, o corpo acelerado. Trava-se o movimento e a respiração até um estado de torpor, que oscila entre a vigília e a sonolência. Esperar, desacelerar, estar. O desígnio de uma instalação visual e sonora que potencia no público a libertação de um quotidiano cronometrado. Com “Parasomnia”, Patrícia Portela converteu a Casa do Mandarim num lugar onírico, rendido ao sono, ao sonho, e à evidência de uma existência espartilhada e entregue ao desperdício. No percurso da cenógrafa, encenadora, actriz e escritora – vencedora, em 2005, do Prémio Acarte/Madalena Azeredo Perdigão, da Fundação Calouste Gulbenkian – é quase sempre o texto a desencadear a realização performativa, que se traduziria depois numa sucessão de títulos. Com o último livro, “Dias Úteis”, lançado em 2017, inaugura a autora um percurso votado quase em exclusivo à literatura. Com o novo livro, cuja escrita será finalizada até ao final do ano, Patrícia Portela recua a 1998, ano que diz ter encerrado uma promessa de futuro ainda por cumprir, enquanto escancarava a uma geração que se acercava da maturidade as possibilidades infinitas da tecnologia. Com uma vivência hoje repartida entre Lisboa e Antuérpia, foi também em Macau que a condição de estrangeira se instalou na criadora. Num tempo em que se cristalizaram as únicas memórias que sobram da infância, impôs-se a errância como caminho, perante um mundo que era, afinal, um lugar infinito.

O jornal Ponto Final entrevistou Patrícia Portela que poderá ler aqui. Texto de Sílvia Gonçalves e fotografia de Eduardo Martins - Macau

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