O
Centro Cultural de Macau abriu portas este sábado e domingo para a produção do
grupo de teatro Dóci Papiaçám di Macau, “Qui di Tacho? (Que é do Tacho?)”. A
peça foi seguida da projecção de um vídeo musical que assinala os 25 anos da
companhia de teatro macaense
Este ano Macau foi eleita
Cidade Criativa da UNESCO em Gastronomia, portanto, para o grupo de teatro Dóci
Papiaçám di Macau, “Qui di Tacho? (Que é do Tacho?)” “fazia todo o sentido
abordar essa matéria”, explicou ao Ponto Final Miguel de Senna Fernandes, fundador
do Dóci Papiaçám di Macau, autor e encenador das produções do grupo. Um vídeo
musical, da autoria de Sérgio Perez, evoca no final do espectáculo os 25 anos
da companhia de teatro macaense, que estreou a sua mais recente produção este
fim-de-semana, no Centro Cultural de Macau, no âmbito do XXIX Festival de Artes
de Macau.
“Compreende-se o valor
turístico que isto pode representar para a RAEM, é uma oportunidade de ouro,
que os turistas possam provar a bela comida que se prepara e confecciona em
Macau”, explica o encenador.
Mas, as circunstâncias também
dão lugar a mal-entendidos e muito pano para mangas para a divertida sátira de
costumes em patuá com que o grupo diverte o público há 25 anos. “O grosso dos
turistas é do continente e nem todos sabem diferenciar comida macaense da
portuguesa, os sabores são diferentes, a confecção, os ingredientes. Podem até
ter origens comuns, mas são coisas muito díspares, mas os chineses não sabem
disto e é nesta confusão toda que se geram situações hilariantes, vamos brincar
com estas situações”, explica.
A
brincar com a comida nos entendemos
Este ano a peça conta com os
actores habituais e uma estreia, a do jornalista João Picanço, que representa o
papel de um português que chega a Macau, investigador na universidade, que anda
a fazer pesquisa sobre a identidade e comida macaenses. “Conheci o Picanço o
ano passado quando ele chegou, o primeiro contacto foi a ouvi-lo na rádio ou na
televisão, ele era comentador de um jogo de futebol, e gostei muito, gostei
logo. Para já tinha uma bela voz, voz radiofónica, é um profissional disto, uma
dicção fantástica, e nós precisávamos de uma pessoa assim, com qualidades de
voz bastante invejáveis”, conta Miguel de Senna Fernandes. O convite fez-se num
encontro ocasional, na rua, explicou João Picanço.
O português, que tem muita
dificuldade em perceber o que as pessoas lhe dizem, envolve-se numa série de
peripécias, conta o actor João Picanço. Explica o encenador que “o português
que chega a Macau é sempre bem-vindo. A comunidade macaense e a comunidade
chinesa olham para a maneira como o forasteiro se comporta, nós vemos as
coisas. Os chineses de Macau são muito reservados, a comunidade macaense
também, e muitas vezes não lidam com tanta facilidade com a espontaneidade que
vem de fora. Neste tipo de observação criam-se situações engraçadas”.
A história de “Qui di Tacho?”
tem como pano de fundo duas famílias rivais, cada uma proprietária de
estabelecimentos de comidas, vizinhos, mas que vivem de costas voltadas devido
a um mal-entendido antigo. O actor José Basto da Silva, nos Dóci Papiaçám di
Macau desde 2013, faz o papel de intermediário imobiliário. “Eu encontro um
cliente chinês que compra os dois imóveis e transforma o estabelecimento numa
espécie de cozinha de fusão, basicamente ele contrata um ‘chef’ chinês, que não
percebe nada de comida macaense, porque quer aproveitar esta vaga de turistas
para fazer negócio e enriquecer”, descreve José Basto da Silva.
Conta o fundador do Dóci
Papiaçám di Macau que o desconhecimento em relação à comida macaense é tão
grande que até o actor, chinês de Macau, que colabora com o grupo, “confessou
nunca se ter apercebido que há tantas diferenças entre a comida macaense e a
comida retintamente portuguesa”.
Este ano, o encenador
introduziu mais texto em cantonense, uma exigência do próprio enredo, explica
Miguel de Senna Fernandes.
A
gargalhada que atrai todos os públicos
As características culturais
chinesas, como a língua, todavia, nem sempre integraram as peças da única
companhia de teatro em língua patuá, fundada em 1993. “A partir do ano 2000 o
Dóci Papiaçám di Macau fez uma experiência única no teatro macaense que é
introduzir o elemento chinês, que tradicionalmente não existia”, explica Miguel
de Senna Fernandes. “Mas, se o teatro macaense diz respeito à sátira de
costumes, se estamos a falar de Macau é impossível ignorar o elemento chinês e
há que encará-lo de frente. Portanto, nessa altura introduzi com a participação
do grupo de teatro Hio Kwok. O resultado foi fantástico. A partir de 2000 até
ao presente há sempre um actor, alguém que fale chinês”, diz.
A partir de 2006 o grupo
começou a fazer crítica social. “Fazemo-lo directamente e as pessoas riem-se
muito”, prossegue o encenador.
A capacidade de provocar a
gargalhada começou a atrair, também, o público da comunidade chinesa, assim
como membros da administração. “Sei que o Governo não aparece lá como tal, mas
pessoas da administração também vão ver e também chegam à conclusão que isto é
tudo para rir e, muitas vezes, a boa gargalhada leva as pessoas a pensar,
porque no fundo situamos o público nestas situações mais actuais”, explica.
O fundador da companhia de
teatro afirma que “o público chinês começa a ir ver as peças cada vez mais, nos
últimos quatro anos começou a haver um interesse crescente, a imprensa chinesa
começa a notar a nossa companhia e várias vezes foram ver e teceram elogios
àquilo que nós fazemos”, diz.
A companhia de teatro começou
a contribuir à sua maneira para a aproximação das comunidades. “Justamente
porque temos o elemento chinês que se introduz no teatro, no meio da risada,
cumprimos uma coisa que, se calhar, noutros tempos não se faria com tanta
facilidade, é o contacto de culturas, a expressão parece muito formal, mas isto
existe no palco no meio da risada, acho que isto é fundamental”, conclui Miguel
de Senna Fernandes. Cláudia Aranda –
Macau in “Ponto Final”
Sem comentários:
Enviar um comentário