Após
realizar um mestrado sobre desperdício alimentar no curso de sustentabilidade
na Universidade de Basileia, em 2011, João Almeida fundou a empresa Foodways na
capital helvética. Hoje vivendo entre Berna e Lisboa, Almeida é um exemplo de
uma nova safra de empreendedores sociais atuando globalmente
O nosso entrevistado viveu
nove anos na Suíça e há cerca de dois anos, juntamente com a família, decidiu
voltar a Lisboa. Trabalha remotamente a partir da capital portuguesa e
desloca-se a Berna uma semana todos os meses.
Ainda ao final dos estudos
secundários, João Almeida tinha o sonho de ir para Itália frequentar a
universidade mas acabou por se matricular em economia na Universidade Nova de
Lisboa, porque não sabia claramente o que estudar. "Não gostei, nem desgostei".
No terceiro ano, participou do programa Erasmus de intercâmbio universitário e,
ao ter de escolher um destino na Europa, optou por Berna por ser uma capital.
O
ano de Erasmus
João Almeida veio em 2006 à
Suíça para estudar. O seu primeiro choque foi com a língua e achou que seria
impossível aprendê-la. "Inicialmente é o que toda a gente pensa",
devido ao suíço alemão ser um dialeto de tradição oral que não se aprende na
escola nem nos livros.
Na Universidade de Berna, João
ficou admirado com as diversas mundividências dos seus colegas, contrariamente
ao que encontrou em Lisboa. Isso também o fez apaixonar-se pela Suíça. Também
lhe causou admiração os jovens tornarem-se independentes mais cedo do que em
Portugal. A centralidade geográfica do país foi outra boa surpresa, podendo
apanhar um comboio e em poucas horas estar noutra cidade europeia. Se tudo isso
não fosse suficiente, no final desse ano conheceu a sua companheira Martina e a
sua ligação ao país helvético aprofundou-se ainda mais.
Regressar
à Suíça: o estágio e o mestrado
Quando voltou para viver na
Suíça, um amigo incentivou-o a candidatar-se a um estágio na empresa Syngenta
para o departamento de "business intelligence". Nessa empresa começou
a ter contato com as discussões sobre sustentabilidade alimentar,
particularmente as duas abordagens: a da intensificação da produção, e a
vertente orgânica/biológica.
Ainda durante o estágio, João
descobriu o mestrado em Sustentabilidade, pelo qual se apaixonou. A
possibilidade de frequentar aulas nas faculdades de economia, ciências sociais
e humanas, e ciências naturais "mostraram-me a complexidade que o mundo
é". Durante o estágio pediram-lhe para fazer um estudo sobre desperdício
alimentar e o tema interessou-lhe de imediato. Por esse motivo, decidiu aprofundá-lo
e fez dele o assunto da sua tese que não poderia ter sido mais original: foi o
primeiro documento publicado sobre o assunto na Suíça.
Conhecimento
acadêmico para fundar a Foodways
Esse trabalho teve bastante
projeção nacional e João Almeida apareceu em diversos meios de comunicação
social e palestras sobre sustentabilidade. Aproveitando o interesse que a
sociedade depositou no seu trabalho acadêmico, juntou-se com o seu colega e
amigo Markus Hurschler e fundaram a Foodways uma empresa de serviços na área da
sustentabilidade alimentar. Inicialmente eram apenas os dois, mas hoje em dia
são uma equipe de oito pessoas.
João diz que abrir uma empresa
na Suíça foi um processo burocrático relativamente simples. Contudo, o mais
difícil para si é sentir-se sempre "estrangeiro, não pela sociedade, mas
pelas instituições", mesmo tendo um grande envolvimento em temas centrais
da política suíça.
A Foodways desenvolve projetos
e dá consultoria em diversas áreas, como desenvolvimento de negócio, inovação,
estratégias de marketing e comunicação, estratégias de redução de desperdício
alimentar, entre outras. Inicialmente os sócios estavam afetados pela síndrome
"da formiga que quer fazer tudo", mas com o tempo tiveram de
estreitar o leque de projetos.
Dos diversos projetos, João
Almeida destaca a gestão da associação United Against Waste, inicialmente
lançada pela Unilever, que procura reduzir o desperdício alimentar no setor de
restaurantes. Organizam sessões de coaching nas cozinhas e, por meio do
software de medição de desperdício alimentar Leanpath, mostram o potencial de
redução de desperdício levando-os a poupar dinheiro e recursos. Estão
igualmente desenvolvendo um aplicativo para smartphone em formato de jogo,
direcionado a cozinheiros que queiram aprender a reduzir o desperdício na
cozinha.
João fala-nos também do novo
aplicativo de receitas culinárias Myfoodways, que ainda estão a desenvolver e é
financiada pelo Migros Engagement Fonds. "A ideia é fazer uma aplicação
que as pessoas usem para o dia-a-dia", recomendando sempre produtos da
época e escolhas sustentáveis. O aplicativo também sugere formas de conservar
os alimentos cozinhados para se voltar a reaquecê-los. O programa encontra-se
em fase de testes, está apenas disponível em alemão, e uma empresa de
web-design sediada em Lisboa está a desenvolvê-lo. Paralelamente, estão a criar
um modelo de negócio para financiarem o projeto no longo prazo.
Regresso
a Lisboa: trabalhar à distância
João Almeida e a sua
companheira decidiram ir morar um ano na capital portuguesa para que os seus
dois filhos tivessem contato com os avós portugueses e a língua portuguesa.
Contudo, ao fim de alguns meses, decidiram que não queriam voltar para a Suíça
tão cedo. Apesar de se sentir feliz na Suíça, o seu coração está mais
confortável em Lisboa.
O esquema que encontraram foi
de trabalhar remotamente a partir de Lisboa. "Eu não queria deixar todo o
trabalho investido na empresa". No entanto, ficar pendulando tantas vezes
entre a Suíça e Portugal o faz questionar a sustentabilidade da sua escolha.
"Trabalho com sustentabilidade e viajo uma vez por mês de avião. Se
abrirmos cá um escritório, não terei de ir tão frequentemente à Suíça".
Por outro lado, essas idas à Suíça lhe permitem atualizar-se com a tecnologia.
As
raízes na Suíça e os novos caminhos
Ao fim de nove anos vivendo na
Suíça, e mais dois entre Lisboa e Berna, João Almeida já se aculturou em muitos
aspetos. Ele salienta que "o fato de haver pouca espontaneidade, de estar
tudo planeado" é algo com que se habituou mas que não lhe agrada muito na
Suíça. Mas, ao mesmo tempo, valoriza as pessoas com muita cultura e atividades
interessantes que conheceu.
A família da sua companheira é
de Berner Oberland e para lá costuma ir com frequência. No entanto, é o cantão
do Ticino que elege como lugar preferido da Suíça. Apesar de estar baseado em
Berna, frequenta Basileia e Zurique porque tem muitos amigos nessas cidades.
Por ter vindo ao país para
estudar, a sua abertura foi sempre grande. Quando começou a dominar a língua
alemã, as relações sociais desenvolveram-se de forma mais fácil. Apesar de
compreender o suíço-alemão, principalmente o dialeto de Berna, não se sente
confortável para usá-lo tão frequentemente no trabalho.
Ao ser indagado sobre a nova
emigração portuguesa, João reconhece que a maior diferença é a qualidade da
mão-de-obra e a abertura ao mundo. No entanto, parece-lhe que essa nova leva
ainda preserva um certo distanciamento em relação à sociedade suíça, como as
gerações anteriores.
Neste momento, João Almeida
pensa continuar a viver em Lisboa e a trabalhar na sua empresa na Suíça. Tem
alguns projetos de reforma de casas com a sua companheira, e estão a pensar
aplicar padrões de isolamento térmico suíços, tal como o Minergie, em Portugal,
mas, para isso, "é preciso trabalhar com precisão suíça".
Para além disso, João Almeida
gostaria de continuar a construir pontes culturais entre os dois países.
"De que forma e com que recursos, não sei. É apenas um projeto",
embora essas pontes já estejam a ser criadas através da sua vida. Filipe Carvalho – Suíça in “Swissinfo”
João
Almeida – Lisboa, Portugal - Ao escrever a sua tese de mestrado
sobre o tema do desperdício alimentar na Suíça desempenhou desde então um papel
fundamental no desenvolvimento desta agenda. As suas experiências no Gabinete
de Estratégia e Estudos (GEE) do Ministério da Economia de Portugal (Lisboa) e
na Syngenta Crop Protection (Basileia) despertaram interesse nos complexos
desafios que enfrenta um sistema alimentar sustentável e o levaram a formar a
Foodways ao lado de Markus e Jürg em 2012.
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