José
Soares chegou com 14 anos à América sem falar inglês e aproveitou para voltar à
escola. Fundou uma empresa de construção e é um benemérito da comunidade
Foi Leslie Ribeiro Vicente,
diretora da Discovery Language Academy, quem me falou primeiro de José Soares,
empresário da construção civil e grande benemérito da comunidade luso-americana
de New Bedford. Ainda se lembra de um dia não haver dinheiro para os livros dos
alunos de Português numa antiga escola onde deu aulas e de José Soares a mandar
comprar o que fosse preciso que ele pagava. E foi também ela, oriunda do Pico
como o empresário, que marcou almoço para os três no Inner Bay (restaurante
português, pois claro!), para me apresentar a pessoa que tanto admira, e que
encarna mais uma história de português de sucesso na América.
É fácil simpatizar com José
Soares, até porque diz logo que se chama assim mas que lá na terra, ou seja em
Ribeiras do Pico, ainda o tratam por Zezinho. Recebidos por Tony Soares, que há
20 anos é dono deste Inner Bay quase clube português, sentamo-nos numa mesa à
janela e depois de escolhermos um peixinho na grelha, José e Leslie, e polvo à
lagareiro, para mim, avançamos com a conversa, que há de ser sobre o percurso
de vida deste açoriano de 62 anos, pai e avô de americanos.
"Emigrei com 14 anos com
o meu pai e a minha mãe. Como na altura para todos os emigrantes, a intenção
era a gente tentar melhorar a vida. A vida nos Açores era um bocadinho dura na
época. E havia também a ideia de fugir ao serviço militar. Isto hoje pode não
cair bem, mas na altura muitos pais tentavam desviar os filhos dos sacrifícios
que estavam a fazer-se no Ultramar", conta José. Para evitar ser chamado a
combater em África, o irmão mais velho tinha já em 1966 emigrado para o Canadá.
Confesso que me surpreende a
idade com que os pais partiram para a América, à beira dos 50 anos no caso do
pai, de nome José como o filho. "Muitas vezes penso no assunto, na idade
com que o meu pai emigrou. Ele emigrou com 49 anos. E penso na aventura que
teve já com essa idade, principiar uma segunda vida num país estrangeiro sem
conhecer a língua. Para eles deve ter sido uma decisão difícil, de
sacrifício", diz, contando que o pai já morreu, mas que a mãe está viva.
Chama-se Josefina.
"O meu pai, como muitos
emigrantes, nos primeiros anos pensava ganhar algum, juntar algum, o máximo
possível, para depois regressar à terra. Mas à medida que os filhos vão
crescendo, vão casando, começam a mudar de ideias. Por um lado, vão-se
habituando à América, por outro, quando vão à terra de visita, veem que as condições
não são aquelas a que se tinham habituado. O meu pai sempre teve essa ideia de
fazer vida de novo por lá. Quando veio para os Estados Unidos não se desfez da
casa nem dos terrenos que tinha. Ele gostava muito de animais, de criar gado,
no Pico costuma ser mais animais para carne. Ele tinha essa ideia de uma
lavoura", relembra o empresário.
Josefina vive nos Estados
Unidos até hoje. É a matriarca de uma família que vai ganhando novas gerações,
cada vez mais americanizadas, como é natural. José Soares tem dois filhos, um
rapaz e uma rapariga. E três netos. Diz que ambos os filhos se casaram com
americanos e em casa falam em inglês, pelo que os netos saberem português vai
ser difícil.
"Em casa sempre falámos
em português. Os meus filhos podem ter uma conversa em português, mesmo que
possam introduzir uma ou outra palavra inglesa se não souberem a nossa. Agora
com os netos vamos também tentando fazer a conversa em português, para eles se
irem habituando e sei que eles percebem alguma coisa. Não nos respondem em
português, mas nós quando lhes pedimos algumas coisas eles correspondem. Sabem
o que estamos a pedir", conta.
O empresário picoense casou-se
com uma portuguesa, também dos Açores mas de outra ilha. E não a conheceu nem
em Portugal nem nos Estados Unidos. "A minha esposa é da Graciosa, tinha
emigrado para o Canadá com 9 anos. Como eu tinha o meu irmão Manuel a viver lá
em cima visitava-o muitas vezes e ao fim de uns tempos conheci a Maria João,
começámos a namorar e casámo-nos, explica, mostrando como é dinâmico este mundo
da emigração portuguesa, gente que se habitua a viver entre vários países,
esquecendo fronteiras.
José pede uma garrafa de tinto
português para os três. O Inner Bay faz questão de estar bem fornecido e por
isso a oferta é vasta. Peço que me explique como foi a integração na sociedade
americana de um miúdo de 14 anos chegado de uma ilha no meio do Atlântico.
"Não falava nada de inglês quando cheguei. Escola era difícil. Fomos ter
aulas com outros emigrantes. Intenção era aprender inglês como segunda língua.
Mas como éramos todos portugueses, só se falava português, nas aulas, nos
jogos. No ano seguinte mudei de escola e lá tive ordem para seguir para o nono
ano. Aí é que fiquei preocupado. Era um liceu americano, o Roosevelt. Eu só
tinha a quarta classe de Portugal. Na altura nos Açores queria estudar mas
também nunca com grande empenho e como não era obrigatório... E com 10 anos
comecei a trabalhar. Depois fiquei arrependido e por isso agarrei essa segunda
oportunidade de estudar nos Estados Unidos. Completei o liceu e tirei um curso
técnico de eletricidade", sintetiza.
A oportunidade de criar uma
empresa surgiu da necessidade, como conta o próprio José Soares:
"Trabalhei muito, para poder amealhar algum. Nos anos 1970 houve aqui uma
crise de emprego. E eu precisava de ganhar dinheiro para as crianças e decidi
apostar na construção. A minha empresa é a Bay State Drywall. Temos 84
trabalhadores. Com empreitadas, mais ainda. Dois terços dos nossos funcionários
são portugueses. Não se trata de um preconceito. O principal é a pessoa saber
trabalhar e ter vontade. Nos últimos cinco anos até temos metido mais latinos
do que portugueses. São do México, do Equador, da Guatemala. Desde que saibam
trabalhar." Lerei mais tarde, no site da empresa, que Jason, o filho
formado em Engenharia, também acabou por integrar a Bay State Drywall, que atua
no Massachusetts mas também noutros estados da Nova Inglaterra.
José recorda que o pai, ao
chegar à América, "foi trabalhar para uma fábrica de tecidos e com vontade
de ganhar mais algum, depois das horas normais, começou a pintar e a fazer
manutenção das casas de madeira que há aqui. Fez negócio disso. E eu para
ganhar mais trabalhava com ele nas horas vagas".
Sobre se no seu caso sente que
aconteceu a concretização do famoso sonho americano, hesita um pouco antes de
responder: "Penso muitas vezes se teria conseguido em Portugal o que
consegui aqui. Quem gosta de trabalhar, quem tem ambição, também faz a sua vida
em Portugal. Mas não ia ter o sucesso que tive cá. Esta é uma terra de
oportunidades. Quem faz pela vida consegue. Dou graças a ter tido esta
oportunidade de vir para a América. Podia ter tido uma boa vida nos Açores,
acredito, mas não o sucesso que tive aqui." E acrescenta que chegou a ter
uma empresa em Portugal, nos Açores, mas que a vendeu há dois anos.
Com casa no Pico e na
Graciosa, José Soares visita muito os Açores, mas vai também algumas vezes ao
continente. E até diz que agora que está "a chegar a uma idade mais
madura" vai tentar tirar mais tempo para ir a Portugal, conhecer mais o
resto do país. "Já visitei o Norte e gostei. Também o Algarve."
Fico curioso por sabê-lo fã do
FC Porto. "Tornei-me adepto do Porto aqui na América. Houve um tempo em
que eu ligava pouco ao futebol e em que a rivalidade era entre o Benfica e o
Sporting e havia sempre aquelas intrigas, aquele barulho. E eu não gostava
desse barulho. Depois, nos anos 1980, o Porto veio cá fazer uns jogos
amigáveis, era o tempo do Futre, e ganhei afeição. Depois o Porto começou a
ganhar quase tudo", explica o açoriano.
No final do almoço, quando
explico de novo esta série de artigos sobre portugueses na América, mostra-se
emocionado. "Gosto muito de Portugal. Tenho grande afeto. Vou todos os
anos e já me aconteceu ir três vezes num ano. Julho e Agosto passo em Portugal.
Tenho casa e barco, tenho uma canoa baleeira, que é muito tradicional no Pico,
e passo o verão lá. Fazer vida efetiva em Portugal não. A família está cá. Mas
quero levar os netos para conhecerem e tomarem gosto àquilo", diz.
À saída cruzo-me com Tony
Cabral, membro da Câmara de Representantes do Massachusetts e uma das figuras
mais destacadas da comunidade luso-americana na Nova Inglaterra. Também ele
fará parte desta série de reportagens no DN. E ficou comprovado que o Inner Bay
é mesmo um ponto de abrigo para os portugueses. Leonídio Ferreira – Portugal in "Diário de Notícias" Reportagem apoiada pela FLAD
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