Nova
história da viagem dos ursos-pardos até à Península Ibérica inspirada no seu
ADN e em fósseis. Segundo um novo estudo, os ursos-pardos actuais não terão
descendido directamente dos ursos do Norte na última glaciação
Havia uma história sobre os
ursos-pardos que todos julgávamos como certa. Temo-la ouvido assim: depois das
últimas glaciações na Europa ocidental, o Sul da Europa tornou-se um refúgio
para ursos que chegavam do Norte. Viriam então daí os ursos-pardos que hoje
vivem na Península Ibérica. Contudo, estudos mais recentes, como um na revista científica Historical
Biology, reformularam essa história através do ADN e de
fósseis desta espécie de ursos. Querem reescrevê-la desta forma: os
ursos-pardos actuais não descendem directamente dos ursos do Norte na última
glaciação. Estes ursos abrigaram-se algures na Europa continental atlântica e
só depois “desceram” para a Península Ibérica.
O urso-pardo (Ursus arctos),
um mamífero com mais de 1,5 metros, tem garras longas, quase direitas, e com
elas faz a demarcação visual e olfactiva nos troncos das árvores. O seu tamanho
e cor do pêlo variam conforme o sítio onde vive, que pode ser em florestas
densas, florestas montanhosas e na tundra. Nos meses mais frios pode ficar a
hibernar em grutas.
Este é o ursídeo com maior
área de distribuição, encontrando-se na América do Norte, na Europa ou na Ásia.
Este peso-pesado das florestas está classificado pela União Internacional para
a Conservação da Natureza (IUCN, em inglês) com o estatuto de “pouco
preocupante”. “Apesar de a população global estar estável e a sua área de
distribuição ser grande, na Europa várias pequenas populações isoladas estão ameaçadas
devido à proximidade com o homem”, alerta o site do Jardim Zoológico de Lisboa,
acrescentando-se que os perigos que hoje enfrenta são sobretudo a destruição e
fragmentação do seu habitat, assim como a caça. Em Portugal, ter-se-á extinto,
enquanto espécie reprodutora, por volta do século XVII. Mas o último urso-pardo
no território português terá sido morto em 1843, no Gerês, como relembra o
livro publicado em Novembro de 2017 Urso-pardo
em Portugal – Crónica de uma Extinção (editora Bizâncio), de Miguel Brandão
Pimenta e Paulo Caetano.
Mas como chegou este urso à
Península Ibérica? É sempre uma aventura entrar na máquina do tempo para
percorrer os caminhos do urso. A teoria do refúgio glaciar “atreveu-se” a
fazê-lo. Dizia que durante as fases glaciares do Pleistoceno (entre há dois
milhões e 12 mil anos) que as penínsulas do Sul da Europa se tinham tornado um
refúgio para várias espécies de plantas e animais que não se adaptaram ao frio
extremo. Quando as condições climáticas melhoraram, voltaram a expandir-se para
norte. “Isto foi confirmado através de estudos filogenéticos de uma variedade
de espécies, incluindo plantas, insectos e vertebrados, que mostraram que
muitas populações do Norte da Europa tinham provindo das regiões do Sul”, lê-se
no artigo. Uma das espécies que teriam ainda “vestígios” desta altura seria o
urso-pardo, que ainda vive na Península Ibérica. Portanto, o urso-pardo que
conhecemos teria descendido directamente dos ursos das últimas glaciações e a
Península Ibérica seria o seu refúgio predilecto.
Agora, um novo estudo de uma
equipa espanhola propõe uma reviravolta na história. “Durante o período da
última glaciação [entre há 31 mil a 16 mil anos], o aspecto da Europa era um
pouco diferente do que é hoje”, conta Ana García Vázquez, da Universidade da
Corunha (Espanha) e principal autora do trabalho. Ora, a calota polar tapava
completamente a Escandinávia e grande parte da Inglaterra e da Irlanda, que na
altura estavam ligadas ao continente porque o nível do mar era mais baixo. Para
completar este cenário, os Alpes e os Pirenéus formavam duas grandes barreiras,
cobertos por glaciares. Antes deste período, os ursos-pardos espalhavam-se pelo
resto da Europa, mas com este clima tiveram de procurar uma “casa” mais habitável.
O rasto destes ursos foi agora
seguido através de fósseis de ursos, datados por radiocarbono, e cujo ADN
mitocondrial (transmitido por via materna e contido nas mitocôndrias, as
baterias das células), tal como o de ursos modernos da Europa Ocidental, foi analisado.
“Vimos então que a teoria do refúgio glaciar, geralmente aceite, não funciona
para esta espécie”, explica em comunicado Aurora Grandal-D’Anglade, também da
Universidade da Corunha e outra autora do estudo.
Passagem
pelas Ilhas Britânicas
Comecemos pelo ADN.
Observou-se que, no Norte da Península Ibérica, havia três linhagens genéticas
durante o Pleistoceno. Mas hoje só resta uma só linhagem na Península Ibérica,
o que quer dizer que as outras que chegaram de sítios longínquos não
sobreviveram aqui. Como tal, a equipa conclui que as linhagens do Pleistoceno
se perderam e que os ursos que hoje existem cá chegaram mais tarde, já no
Holoceno (época geológica iniciada há cerca de 12 mil anos e em que nos encontramos).
Já depois de terem colonizado as Ilhas Britânicas, chegaram por fim há dez mil
anos à Península Ibérica. Uma conclusão obtida pela datação dos fósseis: os das
Ilhas Britânicas tinham 15 mil anos e os da Península Ibérica dez mil anos.
“Concluimos que a Península
Ibérica não era o refúgio glaciar, pelo menos o Norte. Esse refúgio devia ser
uma área mais central, como França”, indica Ana García Vázquez. “De França a
Inglaterra, não haveria barreiras físicas, por isso entrar na Península Ibérica
poderia ser mais complicado, com os Pirenéus cobertos de glaciares e pouca
extensão de terra entre o mar e as montanhas. Outro problema seria o País
Basco, localizado na entrada na Península Ibérica: tinha uma população humana
importante e competia com os ursos por comida e pela ocupação nas grutas.”
Estaremos assim perante uma nova versão desta história para os livros de
ciência? “Esta é apenas uma pequena parte da história dos ursos-pardos, e
restrita a uma área particular, mas pode servir como um exemplo de como o
urso-pardo é uma espécie plástica em termos de habitat”, salienta Ana García
Vázquez. Mas nada termina aqui. “O próximo passo é descobrir onde era o refúgio
[antes de virem para a Península Ibérica] desses ursos, por isso, será
necessário mais amostras de ursos-pardos da Europa atlântica,” adianta a
cientista.
Portanto, aguardemos pelos
próximos capítulos da história evolutiva do urso-pardo na Península Ibérica. E,
enquanto esperamos, podemos conhecer melhor este animal em Lisboa, na exposição
Reis da Europa Selvagem – Os Nossos
Últimos Grandes Carnívoros no Museu Nacional de História Natural e da
Ciência ou vê-los ao vivo no Jardim Zoológico. Teresa Serafim – Portugal in
"Público"
Sobre este tema pode aceder ao
seguinte artigo:
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