Na
Universidade de Macau, contrariamente ao que se poderia pensar, não existe a
promoção da língua portuguesa. As palavras são de Inocência Mata, antiga
subdirectora do Departamento de Português da instituição. Ao Ponto Final, a
académica apontou um rol de problemas que diz existir no departamento
relacionados com a importância – ou falta dela – atribuída à língua portuguesa
A Associação de Imprensa em
Português e Inglês de Macau (AIPIM) enviou uma carta aberta a Song Yonghua, que
tomou ontem posse como reitor da Universidade de Macau (UM). Na missiva, o
organismo apela ao académico para “promover a utilização da língua portuguesa
na comunicação da UM com a sociedade e com os jornalistas de língua portuguesa
de Macau”, algo que considera “que não tem sido prática corrente no passado
recente da UM”. Para Inocência Mata, que até Agosto do ano passado era a
subdirectora do Departamento de Português da Universidade de Macau (UM), esta
carta é vista como “oportuna”. “É oportuna porque na verdade eu creio que para
a Universidade de Macau o português não existe”, afirmou a académica em
declarações ao Ponto Final.
“Eu penso [que esta carta] faz
todo o sentido porque contrariamente ao que se poderia imaginar não existe a
promoção da língua portuguesa pela e na Universidade de Macau”, declarou
Inocência Mata. “Eu gostava que a língua portuguesa fosse uma língua mais
promovida não apenas no sentido desse ensino que, como também já é do
conhecimento geral, tem sofrido um enorme ‘backlash’. Eu espero que quem toma
as decisões na Universidade de Macau perceba que a universidade ganha em
promover a língua portuguesa. Não direi já como língua de trabalho mas pelo
menos [como] uma das línguas muito importantes para os alunos e para que os
alunos se sintam motivados”, sustentou a professora.
Questionada quanto a uma
possível alteração do panorama por si traçado com a tomada de posse de Song
Yonghua, Inocência Mata duvida que tal esteja directamente dependente do
reitor. Porém, a académica também não acredita que este poder esteja
concentrado no director do Departamento de Português devido à “relação
demasiado vertical” que diz existir na hierarquia da instituição. “Nunca se
sabe quem impõe as regras, eu não sei se depende do chefe do departamento porque
na verdade é uma relação demasiado vertical que não sei qual é o centro do
poder que não tem noção da especificidade da língua portuguesa na região de
Macau”, criticou a docente.
Quanto ao que a motivou a
abandonar o cargo de subdirectora, Inocência Mata aponta uma “miríade de
razões” sendo a principal o facto de achar que “todas as decisões já estavam
tomadas”. “Eu não quis continuar porque achava que não fazia a diferença e eu
estou habituada a fazer a diferença. Na casa de onde venho, a Faculdade de
Letras da Universidade de Lisboa, eu estou habituada a que as decisões de ordem
pedagógica e científica sejam tomadas pelos professores. Eu cheguei à conclusão
que os professores não têm qualquer palavra a dizer, a decisão está toda
tomada. Eu não sei onde é que está o centro das decisões, eu sei é que não está
no Departamento de Português”.
Inocência Mata faz também a
ponte com a instituição onde leccionava em Portugal antes de vir para Macau
para criticar o facto de a UM não abrir há três anos um mestrado na área dos
estudos literários e culturais de português. Segundo explicou a académica,
quando assumia ainda funções como subdirectora foi-lhe comunicado que o
mestrado não iria abrir devido ao número de alunos inscritos não ser
suficiente.
“Por exemplo, na Faculdade de
Letras da Universidade de Lisboa é óbvio que os candidatos aos cursos de latim
e grego são sempre um número menor do que os candidatos aos cursos de línguas
hispânicas ou de português; portanto, deixar de abrir cursos de latim e grego é
passar um atestado de óbito. Ou seja, a Faculdade de Letras da Universidade de
Lisboa arca com este fardo porque tem a ver com o espírito da faculdade e eu
penso que a Faculdade de Letras e Humanidades [da UM] devia fazer isto em
relação ao português”, sustentou.
A especialista em estudos
pós-coloniais no mundo da língua portuguesa critica ainda o facto de, na
faculdade, “o que conta são as revistas publicadas em inglês e os artigos
publicados em inglês”. “Então não era de se valorizar uma pessoa que é da área
do português e haver uma promoção das revistas portuguesas, angolanas,
brasileiras, moçambicanas?”, atirou. “Mas não. Para meu espanto cheguei a
apercebi-me de que, na verdade, o que conta são as revistas que estão em bases
e que são todas elas dos Estados Unidos e da Inglaterra”, contou.
“Obviamente que eu não consigo
conviver com isto porque a minha área é a área do português. Porque é que eu
tenho de escrever em inglês e publicar em inglês? O inglês aqui é a língua
valorizada para publicação, realidade com a qual eu não convivi nada bem”,
disse a académica que, contudo, assumiu que “obviamente que as coisas mudaram
um bocado”. “Esperemos que as pessoas agora tenham atenção a esta matéria
porque esta é a minha grande tristeza, a pouca atenção que se dá à língua
portuguesa na Universidade de Macau”.
“Que
obstáculo é que vocês têm no contacto [com a UM]?
Contactado pelo Ponto Final
também sobre a carta da AIPIM, Yao Jingming, director do Departamento de
Português da UM, disse que “faz sentido ter sido enviada essa carta”, apesar de
defender que “recentemente a universidade tem vindo a trabalhar muito em termos
de melhoramento do ensino da língua portuguesa”. “Em termos de relação da
Universidade de Macau com os meios de comunicação social em português, as
notícias que eles fazem sempre fazem em três línguas. Por isso, que obstáculo é
que vocês [jornalistas] têm no contacto e na comunicação com eles?”, questionou
o também poeta e tradutor.
Para Yao Jingming, a questão
também se coloca de forma inversa ao afirmar que “todos os cidadãos de Macau
também têm que aprender outras línguas”. “Os portugueses que vivem aqui em
Macau também têm que aprender e sentir-se mais motivados para aprender chinês.
Se todos pudessem falar outras línguas a comunicação e o convívio seria muito
mais fácil. Os chineses claro que têm que aprender mais português enquanto que
os portugueses que vivem em Macau também têm de estar mais motivados para
aprender a língua e a cultura chinesas”.
Quanto ao novo reitor, o
responsável pelo Departamento de Português disse que Song Yonghua “precisa de
tempo para conhecer a realidade da língua portuguesa para [poder] tomar medidas
em termos da promoção desta língua, porque ele chegou a Macau há poucos dias”. Catarina Vila Nova – Macau in “Ponto
Final”
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