Dados
da ANTT mostram que, de 2001 a 2016, a velocidade dos trens caiu entre 5% e
76%; há casos em que as locomotivas circulam a menos de 10 km/h; falta de
investimentos e aumento da carga em alguns trechos estão entre as explicações
A velocidade das ferrovias
brasileiras caiu tanto nos últimos anos que hoje um maratonista olímpico
conseguiria superar os trens que circulam em vários trechos da malha nacional.
Em alguns casos, as locomotivas e vagões andam, em média, a menos de dez quilômetros
por hora (km/h) – número menor que os indicadores de 2001, quando as
estatísticas começaram a ser levantadas. A melhor marca nacional, em torno de
27 km/h, está bem abaixo da registrada nos Estados Unidos, por exemplo, onde os
trens circulam a 45 km/h.
Privatizadas há 20 anos e
prestes a terem os contratos renovados antecipadamente, essas estradas de ferro
enfrentam uma série de gargalos, que atrapalham a produtividade do transporte
nacional – hoje altamente dependente das rodovias. A origem do problema tem
várias vertentes. Começa com a morosidade e a incapacidade do governo de
resolver conflitos de sua competência no setor; passa pela falta de
investimentos adequados nas vias; e termina na saturação de alguns trechos, com
o aumento de carga movimentada.
O resultado se reflete na
curva de velocidade. Dados do Anuário Estatístico da Agência Nacional de
Transportes Terrestres (ANTT) mostram que de 2001 até 2016, a queda da
velocidade dos trens variou de 5% e 76%. Apenas uma – a MRS – conseguiu
melhorar o indicador.
Nesse período de 16 anos,
muita coisa aconteceu no setor. Em meados dos anos 2000, depois de
investimentos pesados em locomotivas e vagões e algumas melhorias na via, as
empresas conseguiram melhorar a velocidade, mas a partir de 2010 os números
entraram num movimento de declínio. “De modo geral, não há um fator que
explique a queda de todas as ferrovias. Cada uma tem sua especificidade”,
explica o presidente da consultoria Inter.B, Claudio Frischtak.
Ele usa como exemplo o caso da
Estrada de Ferro Carajás que passou por uma grande obra de duplicação, o que
pode ter influenciado na velocidade. Considerada uma das mais eficientes do
País, a ferrovia tinha velocidade média de 24,07 km/h em 2016 ante 33 km/h em
2001. A Vale, empresa que administra a estrada, afirma que a queda foi
decorrente do aumento da produção, que significa maior quantidade de trens ao
longo da linha férrea.
Frischtak cita também a
situação da ALL. A empresa, que detinha a maior malha ferroviária do País, foi
comprada em 2012 pelo grupo Cosan e passou a se chamar Rumo. De lá para cá, a
nova proprietária da malha ferroviária conseguiu alguns avanços na velocidade,
mas em 2016 voltou a cair. Comparados a 2001, todos os trechos da empresa
registraram queda.
A Rumo afirma que composições
mais compridas e vagões com maior capacidade de carga passaram a ser usados
após a compra. Desde então já foram investidos R$ 1,8 bilhão na aquisição de
150 locomotivas e de 2,7 mil vagões. “Com trens maiores e mais pesados circulando
pela malha, a velocidade naturalmente diminuiu”, afirma a empresa, em nota.
Eficiência. As
concessionárias não gostam de relacionar velocidade à produtividade, embora
especialistas afirmem que esse é um indicador de eficiência. “Temos uma malha centenária
com declives e aclives, que limitam a operação; nem com os melhores materiais
(trens e vagões) se consegue melhorar a velocidade”, afirma o diretor executivo
da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), Fernando Simões
Paes. Na avaliação dele, uma das principais explicações para a redução da
velocidade é o aumento do volume transportado.
Ninguém nega que houve
melhoras no sistema ferroviário desde a privatização. Um número maior de
empresas passou a ser atendido pelos trilhos, que hoje respondem por 25% da
matriz de transporte – participação considerada baixa. Mas especialistas
entendem que muita coisa precisa mudar para que as ferrovias ganhem mais
participação na matriz nacional.
O governo entende que para
compreender melhor as causas da queda na velocidade precisa fazer um estudo
aprofundado, o que ainda não está nos planos da ANTT, que fiscaliza o setor. O
superintendente do órgão, Alexandre Porto, afirma que a velocidade é resultado
de um conjunto de fatores, como a qualidade da via e o aumento do tráfego. Além
disso, o crescimento desordenado das grandes cidades espremeu as ferrovias, o
que tem impacto na velocidade. “Toda a malha nacional, construída num período
de baixa urbanização, tem muitas passagens de nível (para permitir que carros e
pessoas atravessem os trilhos)”, afirma o professor da Fundação Dom Cabral,
Paulo Resende.
Renovação. O
superintendente da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Alexandre
Porto, afirma que a renovação das concessões de ferrovias deve corrigir algumas
falhas dos contratos anteriores. Além de estabelecer níveis de qualidade de
serviço, a expectativa é ter multas mais razoáveis, caso o concessionário não
cumpra as obrigações.
Hoje, dizem especialistas, as
multas baixas não estimulam o cumprimento do contrato. Além disso, os novos
contratos devem prever investimentos bilionários exatamente para eliminar esses
gargalos.
“A solução para o problema da
baixa velocidade dos trens são investimentos em contornos ferroviários”, afirma
o professor da Fundação Dom Cabral, Paulo Resende. Segundo ele, o Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC) tentou reduzir o problema incluindo alguns
projetos, mas foi pouco diante dos gargalos. Porto cita como exemplo os
contornos de Araraquara (SP) e Barra Mansa (RJ) como investimentos feitos para
melhorar a operação.
Há ainda, segundo Resende, uma
questão técnica, que é o tamanho da bitola (largura entre um trilho e outro) de
1 metro e 1,6 metro. Isso exige locomotivas de tamanhos diferentes. Algumas
ferrovias têm um terceiro trilho para resolver o problema. “Mas há situações em
que isso não resolve, pois os túneis não foram preparados para isso. Ou seja,
não cabe uma locomotiva maior.” Reneé
Pereira – Brasil in “Estadão”
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