Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quarta-feira, 19 de julho de 2017

Suíça – Os portugueses são a esperança para o quarto idioma oficial

Os portugueses já são o maior grupo de imigrantes no cantão (estado) dos Grisões, no leste da Suíça. Importante mão-de-obra para a economia local, eles também ajudam a manter vivo o reto-romanche. Porém não são os adultos que irão salvar da extinção o quarto idioma nacional

A primeira impressão de familiaridade é o cumprimento que as pessoas se dão nas ruas de Scuol. "Allegra", diz uma jovem ao turista que acaba de chegar. Em português, seria algo "olá". Já pela manhã, as pessoas se cumprimentam com sonoro "Bun di". O que soa por vezes como português é, na realidade, o reto-romanche, o quarto idioma oficial da Suíça, um derivado do latim vulgar deixado pelos romanos nessa região após séculos de ocupação na Antiguidade.

Scuol é um bonito vilarejo alpino com apenas 4748 habitantes, dos quais um quarto são estrangeiros. Localizada ao pé da chamada "Janela do Engadin", uma cordilheira de altas montanhas localizada na região fronteiriça entre a Suíça e a Áustria, o lugar é conhecido como estância hidromineral e estação de esqui. Por isso os tradicionais casarões pintados de amarelo e decorados com afrescos no centro histórico se misturam com hotéis, inúmeros restaurantes, lojas de esporte e apartamentos de férias no seu centro.

Uma das características de Scuol é ser uma das comunas (municípios) onde a maioria da população ainda fala o "vallader", um dos cinco idiomas da família do reto-romanche, assim como outras comunas nessa região conhecida como Engadin baixo (Unterengadin). Muitas crianças aprendem primeiro o vallader antes do alemão. "Eu nasci em Ftan e só falava o reto-romanche em casa. Foi só a partir da quarta série que comecei a aprender o alemão e curiosamente com um livro chamado 'Alemão para estrangeiros", conta Flurina Plouda, professora escolar e coordenadora da Lia Rumantscha, organização suíça fundada em 1919 com o intuito de promover a língua e a cultura reto-romanche, em Scuol.

O idioma reconhecido oficialmente em 1938 como "língua nacional" está ameaçado. Cada vez menos pessoas o falam. No último censo, apenas 0,5% da população nacional declararam ter o reto-romanche como língua principal, o que corresponde a pouco mais de 40 mil habitantes. Em 1880 a proporção era maior: 1,4%. Segundo a Lia Rumantscha, as razões para o declínio são várias, mas principalmente o desenvolvimento econômico, a evasão dos jovens, a imigração e a influência da mídia seriam os principais fatores.

Reforço inesperado ao romanche: os portugueses

Porém muitos especialistas consideram que a imigração pode ajudar a frear o declínio do reto-romanche, especialmente vindo de países com línguas latinas como é o caso de Portugal. Nos Grisões vivem atualmente 10586 portugueses, o maior grupo de estrangeiros no cantão, 20% a mais do que há uma década. Em regiões como o Engadin, cada sétimo habitante vem de Portugal. O aumento deve-se em grande parte à entrada em vigor, em 2002, do acordo de livre-circulação com a União Europeia, que facilitou a vinda das famílias dos imigrantes e trabalhadores sazonais.

E como funciona a integração dos portugueses? "Pela forte proximidade do português com o reto-romanche, esses migrantes mais têm facilidade de aprendê-lo", considera Flurina Plouda. Todavia o maior potencial está nos mais jovens. "São essas crianças portuguesas, recém-chegadas na Suíça ou nascidas aqui, que aprendem na escola o reto-romanche e dão assim mais peso ao idioma."

Flurina Plouda também trabalha como professora na escola de S-chanf, uma comuna de 742 habitantes ao sul de Scuol. Nela, muitas crianças falam o português. Na 4a. série, três dos dez alunos são filhos de migrantes lusitanos. Uma delas, Juliana, 10 anos, conta que nasceu na comuna e fala o "puter", um dos cinco dialetos do reto-romanche. "É a língua e também na hora da pausa ou quando estou brincando na rua", conta. Como muitos portugueses, seu pai trabalha na construção civil e a mãe em um hotel da região. Mas não aprenderam o puter. "No trabalho eles falam italiano e em casa só o português".

Para Brigitte Thoma, professora na mesma escola, essa é uma situação comum. "As crianças estrangeiras já começam a aprender o reto-romanche no jardim-de-infância. Depois nas escolas elas já o falam fluentemente, pois até o terceiro ano as aulas e os livros escolares são todos dados em puter", afirma. Com quinze anos de experiência no magistério, ela também ajuda a integrar filhos de imigrantes recém-chegados. Assim percebeu um fenômeno. Se portugueses têm facilidade para aprender o reto-romanche, crianças de língua alemã ou outros idiomas levam mais tempo. A razão está em uma fraqueza do quarto idioma nacional e, possivelmente, o fator mais importante para seu declínio. "É o fato de sempre mudarmos do reto-romanche para o alemão ou até inglês quando alguém que não fala o nosso idioma, é um problema. Essa adaptação permanente às pessoas que vem de fora é a doença do reto-romanche."

Antônio Domingos, 11 anos, se considera integrado. Filhos de migrantes originários do norte de Portugal, ele participa do clube de futebol de S-chanf e seu melhor amigo é um suíço. Por ter nascido na comuna, fala perfeitamente o puter, assim como a mãe, que trabalha em um café ao lado da escola e já vive há duas décadas na região. O jovem português gostaria de se tornar policial, mas sabe que é preciso se esforçar. "Para mim o mais difícil agora é aprender o alemão", diz. O idioma mais falado pela maioria dos suíços é determinante para o futuro profissional dos jovens no cantão dos Grisões. E muitos infelizmente não chegam ao fim do caminho. O censo de 2010 mostrou que 63% dos filhos de imigrantes só completam a escola básica, o que lhes permite apenas o acesso às profissões mais básicas.

O peso do alemão cria temores nos falantes de reto-romanche. "Eu acredito que as crianças não vão mais esquecer o nosso idioma, porém nos perguntamos se elas irão escrevê-lo no futuro, pois estarão vivendo em um meio em que o alemão tem muito mais importância", reflete Flurina Plouda, sua professora.

Portugueses veem o futuro na Suíça

Essa importância é demonstrada pelos registros estatísticos de comunas como Scuol. Se em 1860, entre 75% e 90% dos habitantes declaravam ter o reto-romanche como língua principal, em 2000 já caiu para menos de 50%. Segundo um estudo da Lia Rumantscha, a principal razão é o turismo. "De fato temos muitos turistas vindo de países de língua alemã, mas também imigrantes que chegam em Scuol para trabalhar nos hotéis e restaurantes, dentre eles muitos portugueses", revela Florineth Andri. Mesmo sem dominar o reto-romanche, o administrador comunal (uma espécie de vice-prefeito) considera muito boa a integração dos portugueses. "São pessoas muito esforçadas, que vem com seus filhos para viver na nossa comuna e trabalhar."

De 4.748 habitantes, pouco menos de um quarto (23%) dos habitantes de Scuol é de estrangeiros. Desses, 425 vêm de Portugal. Manuel do Nascimento, 32 anos, originário de Viseu, chegou em 2011. "Vim à procura de uma vida melhor. Em Portugal cortava madeira. Quando a situação por lá apertou com a crise, um irmão que já estava a viver no país me chamou. Passei seis anos em Friburgo e então decidi me juntar a minha namorada, também portuguesa", conta. Em Scuol já trabalhou na construção civil e hoje está empregado em uma empresa de limpezas.

Ao seu lado, a namorada. Marina da Silva, 25 anos, pertence à primeira geração de portugueses nascidos na comuna. Os pais imigraram em 1982 e hoje tem quatro filhos vivendo na Suíça. Ela se sente dupla-cidadã. "Nasci aqui e falo o reto-romanche. Depois de terminar a minha formação de secretariado, fui contratada para trabalhar na Secretaria de Turismo de Scuol. Em casa os dois falam português, mas ela faz questão que seu futuro esposo melhore os conhecimentos de reto-romanche. "Falar o idioma local é importante para a integração e também para o seu futuro profissional". Os dois não tem planos de retornar à Portugal. "É um país bom para passar as férias, mas a nossa vida é aqui em Scuol."

Reto-romanche como decisão pessoal

A vontade de integrar os portugueses na comunidade reto-romanche é tão grande que a Lia Rumantscha decidiu em 2010 lançar uma oferta especial para eles. O curso "Piripiri" ensinava reto-romanche para trabalhadores portugueses. Flurina Plouda desenvolveu e aplicou os cursos. Apesar do sucesso inicial, apenas sete foram oferecidos, sendo que o último em 2014. O motivo do não prosseguimento foi a situação especial desses imigrantes. "Nas empresas que eles trabalham geralmente falam italiano ou alemão com os colegas. Assim muitos não acham tão importante aprender o reto-romanche", justifica Plouda.

Já imigrantes como Helena Hinden-Cardino, 51 anos, consideram dominar o reto-romanche a única forma de ter sucesso na Suíça. Essa portuguesa originária da Serra da Estrela chegou na Suíça aos 20 anos para trabalhar em um hotel em Davos, conhecida estação de esqui. No início fazia limpeza dos quartos. Porém ela tinha outros planos na vida. "Eu já era costureira em Portugal e gostava muito de idiomas. Assim comecei a estudar à noite", lembra-se. Muitos colegas portugueses achavam estranho o comportamento. "Alguns foram até procurar o meu pai em Portugal para dizer que eu estava gastando dinheiro com livros ao invés de economizar. Por sorte ele não deu atenção a esses comentários."

Após aprender inglês, alemão e italiano, os chefes lhe propuseram empregos melhores. "Então comecei a trabalhar no bufê, em contato direto com os clientes", acrescenta Cardino. Foi quando conheceu seu marido, um suíço originário de Scuol, com quem casou-se em 1990. Hoje a portuguesa tem dois filhos de 23 e 27 anos, trabalha em um café na rua principal da comuna e também aluga casas de férias. Para ela, a realização pessoal ocorreu apesar de algumas características negativas da migração portuguesa. "Muitas pessoas do meu país diziam que meu casamento não daria certo pelo fato de meu marido ser suíço. Eu também não estava de acordo com esse hábito de ficar sempre nos seus clubes, só comendo a comida portuguesa em casa e não fazendo nada para conhecer o país, pois o único objetivo é economizar, construir uma casa em Portugal e passar as férias com um grande carro e roupas novas", critica.

Ao escutar pela primeira vez o reto-romanche, ela se sentiu em casa. "Percebia quase tudo, pois achava que era misture de italiano, francês e português", recorda-se. Para conversar com os vizinhos e novos amigos, decidiu aprender o reto-romanche. Para isso, Hinden-Cardino chegou a brigar com o marido. "Eu disse que a partir daquele dia só iria falar romanche com ele. Foi duro no início, mas acabou dando certo". Quando a primeira filha nasceu, só falou reto-romanche com ela. Com a segunda foi o mesmo. "Hoje uma trabalha como especialista em informática e a outra é funcionária comercial", conta com orgulho.

O esforço de integração é compartilhado por outros portugueses. Se em 2015, dos 11 estrangeiros naturalizados, 4 foram portugueses. Um ano depois já foram 21 pessoas, dos quais 11 portugueses. E para um estrangeiro em Scuol, uma das condições mais importantes para obter o passaporte suíço é mostrar o nível de integração. "E obviamente testamos o candidato para ver se ele fala o reto-romanche", diz o vice-prefeito Florineth Andri.

Situação demográfica no cantão dos Grisões (em 31.03.2017)

População total: 197 399
População estrangeira. 38 456
Portugueses: 10 586
Alemães: 7 953
Italiano: 6 980

Situação do reto-romano:
Segundo dados recentes (2015) do Departamento Federal de Estatísticas, 43914 pessoas declararam ter o reto-romano como principal idioma, o que corresponde a 0,5% da população total da Suíça. Ao mesmo tempo, 298728 pessoas declararam ter o português como principal idioma (3,7% da população total).

Curioso em relação à vida dos portugueses no cantão dos Grisões? A Televisão da Suíça Reto-Romana (RTR) produziu um documentário intitulado "Nós somos todos uma família - portugueses no Oberengadin". Veja aqui. In “Swissinfo.ch”


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