Os
portugueses já são o maior grupo de imigrantes no cantão (estado) dos Grisões,
no leste da Suíça. Importante mão-de-obra para a economia local, eles também
ajudam a manter vivo o reto-romanche. Porém não são os adultos que irão salvar
da extinção o quarto idioma nacional
A primeira impressão de
familiaridade é o cumprimento que as pessoas se dão nas ruas de Scuol. "Allegra",
diz uma jovem ao turista que acaba de chegar. Em português, seria algo
"olá". Já pela manhã, as pessoas se cumprimentam com sonoro "Bun
di". O que soa por vezes como português é, na realidade, o reto-romanche,
o quarto idioma oficial da Suíça, um derivado do latim vulgar deixado pelos
romanos nessa região após séculos de ocupação na Antiguidade.
Scuol é um bonito vilarejo
alpino com apenas 4748 habitantes, dos quais um quarto são estrangeiros.
Localizada ao pé da chamada "Janela do Engadin", uma cordilheira de
altas montanhas localizada na região fronteiriça entre a Suíça e a Áustria, o
lugar é conhecido como estância hidromineral e estação de esqui. Por isso os
tradicionais casarões pintados de amarelo e decorados com afrescos no centro
histórico se misturam com hotéis, inúmeros restaurantes, lojas de esporte e
apartamentos de férias no seu centro.
Uma das características de
Scuol é ser uma das comunas (municípios) onde a maioria da população ainda fala
o "vallader", um dos cinco idiomas da família do reto-romanche, assim
como outras comunas nessa região conhecida como Engadin baixo (Unterengadin). Muitas
crianças aprendem primeiro o vallader antes do alemão. "Eu nasci em Ftan e
só falava o reto-romanche em casa. Foi só a partir da quarta série que comecei
a aprender o alemão e curiosamente com um livro chamado 'Alemão para
estrangeiros", conta Flurina Plouda, professora escolar e coordenadora da
Lia Rumantscha, organização suíça fundada em 1919 com o intuito de promover a
língua e a cultura reto-romanche, em Scuol.
O idioma reconhecido
oficialmente em 1938 como "língua nacional" está ameaçado. Cada vez
menos pessoas o falam. No último censo, apenas 0,5% da população nacional
declararam ter o reto-romanche como língua principal, o que corresponde a pouco
mais de 40 mil habitantes. Em 1880 a proporção era maior: 1,4%. Segundo a Lia
Rumantscha, as razões para o declínio são várias, mas principalmente o
desenvolvimento econômico, a evasão dos jovens, a imigração e a influência da
mídia seriam os principais fatores.
Reforço
inesperado ao romanche: os portugueses
Porém muitos especialistas
consideram que a imigração pode ajudar a frear o declínio do reto-romanche,
especialmente vindo de países com línguas latinas como é o caso de Portugal. Nos
Grisões vivem atualmente 10586 portugueses, o maior grupo de estrangeiros no
cantão, 20% a mais do que há uma década. Em regiões como o Engadin, cada sétimo
habitante vem de Portugal. O aumento deve-se em grande parte à entrada em
vigor, em 2002, do acordo de livre-circulação com a União Europeia, que
facilitou a vinda das famílias dos imigrantes e trabalhadores sazonais.
E como funciona a integração
dos portugueses? "Pela forte proximidade do português com o reto-romanche,
esses migrantes mais têm facilidade de aprendê-lo", considera Flurina
Plouda. Todavia o maior potencial está nos mais jovens. "São essas
crianças portuguesas, recém-chegadas na Suíça ou nascidas aqui, que aprendem na
escola o reto-romanche e dão assim mais peso ao idioma."
Flurina Plouda também trabalha
como professora na escola de S-chanf, uma comuna de 742 habitantes ao sul de
Scuol. Nela, muitas crianças falam o português. Na 4a. série, três dos dez
alunos são filhos de migrantes lusitanos. Uma delas, Juliana, 10 anos, conta
que nasceu na comuna e fala o "puter", um dos cinco dialetos do
reto-romanche. "É a língua e também na hora da pausa ou quando estou
brincando na rua", conta. Como muitos portugueses, seu pai trabalha na
construção civil e a mãe em um hotel da região. Mas não aprenderam o puter.
"No trabalho eles falam italiano e em casa só o português".
Para Brigitte Thoma,
professora na mesma escola, essa é uma situação comum. "As crianças
estrangeiras já começam a aprender o reto-romanche no jardim-de-infância.
Depois nas escolas elas já o falam fluentemente, pois até o terceiro ano as
aulas e os livros escolares são todos dados em puter", afirma. Com quinze
anos de experiência no magistério, ela também ajuda a integrar filhos de
imigrantes recém-chegados. Assim percebeu um fenômeno. Se portugueses têm
facilidade para aprender o reto-romanche, crianças de língua alemã ou outros
idiomas levam mais tempo. A razão está em uma fraqueza do quarto idioma
nacional e, possivelmente, o fator mais importante para seu declínio. "É o
fato de sempre mudarmos do reto-romanche para o alemão ou até inglês quando
alguém que não fala o nosso idioma, é um problema. Essa adaptação permanente às
pessoas que vem de fora é a doença do reto-romanche."
Antônio Domingos, 11 anos, se
considera integrado. Filhos de migrantes originários do norte de Portugal, ele
participa do clube de futebol de S-chanf e seu melhor amigo é um suíço. Por ter
nascido na comuna, fala perfeitamente o puter, assim como a mãe, que trabalha
em um café ao lado da escola e já vive há duas décadas na região. O jovem
português gostaria de se tornar policial, mas sabe que é preciso se esforçar.
"Para mim o mais difícil agora é aprender o alemão", diz. O idioma
mais falado pela maioria dos suíços é determinante para o futuro profissional
dos jovens no cantão dos Grisões. E muitos infelizmente não chegam ao fim do
caminho. O censo de 2010 mostrou que 63% dos filhos de imigrantes só completam
a escola básica, o que lhes permite apenas o acesso às profissões mais básicas.
O peso do alemão cria temores
nos falantes de reto-romanche. "Eu acredito que as crianças não vão mais
esquecer o nosso idioma, porém nos perguntamos se elas irão escrevê-lo no
futuro, pois estarão vivendo em um meio em que o alemão tem muito mais
importância", reflete Flurina Plouda, sua professora.
Portugueses
veem o futuro na Suíça
Essa importância é demonstrada
pelos registros estatísticos de comunas como Scuol. Se em 1860, entre 75% e 90%
dos habitantes declaravam ter o reto-romanche como língua principal, em 2000 já
caiu para menos de 50%. Segundo um estudo da Lia Rumantscha, a principal razão
é o turismo. "De fato temos muitos turistas vindo de países de língua
alemã, mas também imigrantes que chegam em Scuol para trabalhar nos hotéis e
restaurantes, dentre eles muitos portugueses", revela Florineth Andri.
Mesmo sem dominar o reto-romanche, o administrador comunal (uma espécie de
vice-prefeito) considera muito boa a integração dos portugueses. "São
pessoas muito esforçadas, que vem com seus filhos para viver na nossa comuna e
trabalhar."
De 4.748 habitantes, pouco
menos de um quarto (23%) dos habitantes de Scuol é de estrangeiros. Desses, 425
vêm de Portugal. Manuel do Nascimento, 32 anos, originário de Viseu, chegou em
2011. "Vim à procura de uma vida melhor. Em Portugal cortava madeira.
Quando a situação por lá apertou com a crise, um irmão que já estava a viver no
país me chamou. Passei seis anos em Friburgo e então decidi me juntar a minha
namorada, também portuguesa", conta. Em Scuol já trabalhou na construção
civil e hoje está empregado em uma empresa de limpezas.
Ao seu lado, a namorada.
Marina da Silva, 25 anos, pertence à primeira geração de portugueses nascidos
na comuna. Os pais imigraram em 1982 e hoje tem quatro filhos vivendo na Suíça.
Ela se sente dupla-cidadã. "Nasci aqui e falo o reto-romanche. Depois de
terminar a minha formação de secretariado, fui contratada para trabalhar na
Secretaria de Turismo de Scuol. Em casa os dois falam português, mas ela faz
questão que seu futuro esposo melhore os conhecimentos de reto-romanche.
"Falar o idioma local é importante para a integração e também para o seu
futuro profissional". Os dois não tem planos de retornar à Portugal.
"É um país bom para passar as férias, mas a nossa vida é aqui em
Scuol."
Reto-romanche
como decisão pessoal
A vontade de integrar os
portugueses na comunidade reto-romanche é tão grande que a Lia Rumantscha
decidiu em 2010 lançar uma oferta especial para eles. O curso
"Piripiri" ensinava reto-romanche para trabalhadores portugueses.
Flurina Plouda desenvolveu e aplicou os cursos. Apesar do sucesso inicial,
apenas sete foram oferecidos, sendo que o último em 2014. O motivo do não
prosseguimento foi a situação especial desses imigrantes. "Nas empresas
que eles trabalham geralmente falam italiano ou alemão com os colegas. Assim
muitos não acham tão importante aprender o reto-romanche", justifica
Plouda.
Já imigrantes como Helena
Hinden-Cardino, 51 anos, consideram dominar o reto-romanche a única forma de
ter sucesso na Suíça. Essa portuguesa originária da Serra da Estrela chegou na
Suíça aos 20 anos para trabalhar em um hotel em Davos, conhecida estação de
esqui. No início fazia limpeza dos quartos. Porém ela tinha outros planos na
vida. "Eu já era costureira em Portugal e gostava muito de idiomas. Assim
comecei a estudar à noite", lembra-se. Muitos colegas portugueses achavam
estranho o comportamento. "Alguns foram até procurar o meu pai em Portugal
para dizer que eu estava gastando dinheiro com livros ao invés de economizar.
Por sorte ele não deu atenção a esses comentários."
Após aprender inglês, alemão e
italiano, os chefes lhe propuseram empregos melhores. "Então comecei a
trabalhar no bufê, em contato direto com os clientes", acrescenta Cardino.
Foi quando conheceu seu marido, um suíço originário de Scuol, com quem casou-se
em 1990. Hoje a portuguesa tem dois filhos de 23 e 27 anos, trabalha em um café
na rua principal da comuna e também aluga casas de férias. Para ela, a
realização pessoal ocorreu apesar de algumas características negativas da
migração portuguesa. "Muitas pessoas do meu país diziam que meu casamento
não daria certo pelo fato de meu marido ser suíço. Eu também não estava de
acordo com esse hábito de ficar sempre nos seus clubes, só comendo a comida
portuguesa em casa e não fazendo nada para conhecer o país, pois o único
objetivo é economizar, construir uma casa em Portugal e passar as férias com um
grande carro e roupas novas", critica.
Ao escutar pela primeira vez o
reto-romanche, ela se sentiu em casa. "Percebia quase tudo, pois achava
que era misture de italiano, francês e português", recorda-se. Para
conversar com os vizinhos e novos amigos, decidiu aprender o reto-romanche.
Para isso, Hinden-Cardino chegou a brigar com o marido. "Eu disse que a
partir daquele dia só iria falar romanche com ele. Foi duro no início, mas
acabou dando certo". Quando a primeira filha nasceu, só falou
reto-romanche com ela. Com a segunda foi o mesmo. "Hoje uma trabalha como
especialista em informática e a outra é funcionária comercial", conta com
orgulho.
O esforço de integração é
compartilhado por outros portugueses. Se em 2015, dos 11 estrangeiros
naturalizados, 4 foram portugueses. Um ano depois já foram 21 pessoas, dos
quais 11 portugueses. E para um estrangeiro em Scuol, uma das condições mais
importantes para obter o passaporte suíço é mostrar o nível de integração.
"E obviamente testamos o candidato para ver se ele fala o
reto-romanche", diz o vice-prefeito Florineth Andri.
Situação
demográfica no cantão dos Grisões (em 31.03.2017)
População total: 197 399
População estrangeira. 38 456
Portugueses: 10 586
Alemães: 7 953
Italiano: 6 980
Situação do reto-romano:
Segundo dados recentes (2015)
do Departamento Federal de Estatísticas, 43914 pessoas declararam ter o
reto-romano como principal idioma, o que corresponde a 0,5% da população total
da Suíça. Ao mesmo tempo, 298728 pessoas declararam ter o português como principal
idioma (3,7% da população total).
Curioso em relação à vida dos
portugueses no cantão dos Grisões? A Televisão da Suíça Reto-Romana (RTR)
produziu um documentário intitulado "Nós somos todos uma família -
portugueses no Oberengadin". Veja aqui. In “Swissinfo.ch”
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