É uma longa carta em verso,
sem assinatura e sem data, mas por volta de 1770, com 50 décimas dirigidas
contra dom Diego Zernadas, o conhecido Cura de Fruíme, uma das figuras mais
sobranceiras da Galiza do Iluminismo. O professor da Faculdade de Filologia e
Tradução José A. Fernández Salgado acaba de publicar o livro Cincuenta décimas contra Diego
Zernadas, lançado pela Edições Laiovento, que dá a
conhecer a edição e estudo de um manuscrito inédito, escrito em galego, que se
enquadra dentro do período conhecido como dos Séculos Escuros.
A escassez de textos escritos
em galego do século XVIII acrescenta a valia destas “Cincuenta décimas” e obrigam a matizar afirmações sobre o anedótico
uso do galego escrito nesta altura. "À vista deles, parece melhor que
neste tempo existe uma escrita em galego, embora muitos desses textos não
cheguem a imprimir. Daí a importância da publicação deste manuscrito",
sublinha Fernández Salgado, professor do Departamento de Filologia Galega e
Latina, ao mesmo tempo que sublinha que as “Cincuenta
décimas” não só são importantes pela sua datação num tempo de escassa ou
nula produção escrita, mas também o tamanho do texto, 500 versos, o texto mais
longo deste período após as coplas do Padre Sarmiento.
"A sua extensão, datação,
redação íntegra em galego e um registo linguístico cuidado tornam as Cincuenta
décimas contra dom Diego Zernadas um texto de referência obrigatória na
História da língua e literatura galegas", enfatiza forte o autor na
introdução da obra.
O manuscrito que se edita encontra-se
num pequeno livro de quatro folhas sem referência no arquivo da Fundação Penzol.
"Eu estava a trabalhar nos arquivos da fundação numa pesquisa que nada
tinha a ver com isso e ao ver uma caixa com documentos pendentes para catalogar
encontrei estas folhas e, é claro, estar em galego, chamou a atenção",
explica Fernández Salgado, ao que acrescenta que "estes documentos
poderiam pertencer ao fundo de José María Álvarez Blázquez". Encontrou em
2011 e, desde então, aproveitou grande parte do seu tempo livre a trabalhar
nele, "sobretudo nos meses de Verão em que diminui o trabalho
docente", explica o pesquisador.
À importância da datação e da
extensão do manuscrito, o autor do livro acrescenta outros aspectos. Por um
lado, não só está redigido totalmente em galego, "outros textos da época
podem ter partes em espanhol", mas que as décimas apresentam qualidade
linguística, "nelas é usado um registo linguístico culto, enquanto outros
escritos da época são textos populares, que imitam o falar do povo",
enfatiza Fernández Salgado. Por outro lado, o texto tem qualidade literária e o
seu autor, embora desconhecido, é um "cavalheiro" culto que sabe
versificar e conhece a arte literária.
A fim de aproximar as “décimas” a vários tipos de
destinatários, tanto a pesquisadores como leitores, o livro inclui duas edições
do manuscrito: uma quase paleográfica, e outra com o texto atualizado
graficamente e com abundantes notas que facilitam a compreensão de uma obra
centrada sobretudo na censura contra o Cura de Fruime, focalizada
principalmente nos “Petitorios”, que vinham publicando desde 1745, a fim de arrecadar
bens para o culto da Virgem das Dores, que Zernadas era um grande devoto.
"Pelo que parece o autor das “décimas”
estaria ofendido pela crítica ou censura que o padre lhe devia ter feito nalgum
deles", explica o autor.
Além disso, o volume inclui
capítulos à parte de comentários e conjecturas sobre a datação e autoria do
texto e um completo e rigoroso estudo linguístico, tanto gráfica, como
gramatical e lexical.
As linhas de pesquisa de José
António Fernández Salgado centram-se no estudo da gramática e léxico galegos,
na historiografia linguística, na língua literária e na edição de textos,
sobretudo do século XIX. Acerca disto, é autor de várias edições e estudos da
obra de Marcial Valladares, como a coleção de provérbios (2003), Poesia (2003)
e a novela Majina, ou a filha espúrea (2011). Sobre ele publicou também a
monografia Marcial Valladares. Biografia de um precursor no Renascença galego
(2005) e vários artigos sobre o seu dicionário, a sua gramática e a sua
proposta ortográfica.
Fernández Salgado é co-autor
também do Nível Base da Língua Galega (1993) e do Dicionário de Dúvidas da
Língua Galega (1991). Atualmente é o editor da revista Cumieira. Cadernos de
pesquisa da nova Filologia Galega (nº 1, 2016), que publica o Departamento de
Filologia Galega e Latina da Universidade de Vigo. In
“GCiencia” - Galiza
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