A
poesia chegou cedo, o acto de dizer não também. Porque bateu o pé contra o
sistema, saiu de Portugal para voltar uma e outra vez, para ainda não estar lá,
estando. Hélder Macedo é um nome incontornável do passado-presente da
literatura portuguesa. Está por estes dias em Macau
Fez
parte do Grupo do Café Gelo. Como é que funcionava esta tertúlia, influenciada
ainda pelo Orpheu?
A obra de Fernando Pessoa
começou a ser publicada, de facto, nos anos 1940. Nos anos 50, ainda era uma
coisa recente. Fernando Pessoa era mítico, havia várias obras não só do Pessoa,
como do Sá Carneiro, etc., que não eram acessíveis. O Gelo foi um bocado um
acidente. Éramos jovens, com 19 ou 20 anos, e mais ou menos por acidente
começámos a encontrar-nos – uns conheciam-se, outros não –, basicamente para fugirmos
aos cafés literários.
Porquê?
Eram chatos?
Eram chatos, eram
estabelecidos, eram senhores pomposos, importantes. Aconteceu que um grupo de
pintores alugou um quarto num sótão perto do Rossio. Não cabiam todos. Eram
quatro pintores que partilhavam aquele espaço. Uns desciam e o café mais
próximo era o Gelo que, nessa altura, era frequentado por uma clientela de
pequena burguesia, pacata, nada intelectual, nada literária. Ia para lá para
estar sossegada, não estar naquele ambiente dos cafés literários e dos cafés
para estudantes. Uns foram atraindo outros para conversarmos. Eu tinha sido
colega de liceu do Gonçalo Duarte, pintor, que me disse que ali tinha uma gente
interessante, que eu ia gostar. Fui. Tinha conhecido o Manuel de Castro nessa
altura também, ainda no liceu. Uns levaram a outros e sentimo-nos mais ou menos
unidos por uma atitude existencial e política, de certa maneira, que era
essencialmente de recusa do ‘status quo’, do salazarismo e até das carreiras
literárias, da Brasileira, do espírito de promoção e de autopromoção que havia.
No meio disto tudo, aparece lá o Mário Cesariny de Vasconcelos que, nessa
altura, era um escorraçado social. Nós conhecíamos a obra dele, tinha publicado
um livro ou dois. Gostámos muito dele e ele passou a ir ao Gelo. Ele também
atraiu outras pessoas. Criou-se um bocado a ideia de que o Café Gelo era uma
espécie de segunda ou terceira leva do surrealismo em Portugal. É e não é.
E
não é porquê?
Todos nós beneficiámos da
existência do Surrealismo, como beneficiámos da existência do Orpheu, do
Futurismo, dessas coisas todas. Mas, com algumas excepções, nem os pintores,
nem os escritores que depois vieram a ter o seu bocado de obra se podem
caracterizar, de facto, como surrealistas. Herberto Helder não é um surrealista.
É um homem que bebeu, com certeza, do Orpheu, mas bebeu da tradição bárdica do
século XIX, bebeu da leitura da Bíblia, como se vê pela poesia dele. O Manuel
de Castro era um homem muito interessado pelas coisas esotéricas, mas não era
um surrealista. Eu não sou um surrealista. Alguns foram mais directamente
influenciados pelo Surrealismo, como o Ernesto Sampaio, por exemplo, um nome de
referência, extremamente importante – era a pessoa que, na altura, mais sabia
de Surrealismo em Portugal, um excelente escritor. E depois também outros mais
associados directamente à influência do Mário Cesariny: o António José Forte, o
Virgílio Martinho, embora escrevesse mais prosa. Esses assumiram-se como
surrealistas. Mas o Herberto, eu, o Manuel de Castro, não. As pessoas gostam de
dar rótulos. Pronto, nada contra. A outra dimensão do Gelo, que é extremamente
importante, é a ligação com os pintores. Foram fundamentais. Eles foram, de
facto, os fundadores do Gelo. O João Vieira, o Gonçalo Duarte, o José Escada, o
Costa Pinheiro. Alguns, depois, foram para Paris; outros, como o Costa Pinheiro,
para a Alemanha. Reencontraram-se mais tarde em Paris, onde fundaram o KWY.
Quando se fala no Gelo, há três Gelos: um inicial, jovens tacteantes; os que
saíram e que continuaram lá fora qualquer coisa associada ao espírito do Gelo;
e os que ficaram – e esses tornaram-se muito mais ortodoxos surrealistas e
ficaram muito mais sob a influência directa do Mário Cesariny. Um notabilíssimo
poeta, mas era um senhor que não brincava em serviço. Fingia que não, mas tinha
o olho posto na glória póstuma. Ele guardava tudo, todos os papéis… E aquela
mania surrealista de quem é ortodoxo e quem não é, quem é bom e quem é mau,
aqueles catálogos que já em França havia e que deu sempre naquelas proliferações.
Mas, se há uma coisa que unificava aquela gente toda, era uma atitude de
recusa, o dizer ‘não’, o não querer pactuar política e socialmente, o
desrespeitar as normas estabelecidas. A grande revolução que aconteceu no nosso
tempo, recentemente, é de facto a afirmação das mulheres, que é uma coisa
maravilhosa. A outra é a grande liberdade sexual, o que é espantoso. Nessa
altura, os homossexuais eram perseguidos pela polícia. O Cesariny era humilhado
semanalmente porque tinha de ir à polícia dizer que estava a portar-se bem. Nós
tínhamos uma atitude de total liberdade em relação à própria sexualidade: cada
um dormia com quem quisesse, não era obrigatório nem ser, nem deixar de ser,
não entrava no assunto. Isso também era parte dessa atitude de recusa das normas
estabelecidas e do sistema. Escrevi um texto que está incluído num livro de
ensaios em que uso o título “A Utopia da Negação”: a negação como utopia, como
desejo de recusa. O mais importante é sermos capazes de recusar, de dizer não.
Os ‘sins’ organizam-se sozinhos, alternativamente. Mas temos de decidir o que
não queremos. Se aceitarmos, estamos pactuando no essencial, e isso é que não
pode ser feito.
Essa
atitude vem dessa altura e dessa vivência?
Virá dessa experiência. Por
outro lado, é uma atitude que levou a esta experiência. Era uma coisa
partilhada. Numa loja daquelas muito lisboetas – em que tinha, de um lado,
mercearia, e do outro residência do dono – o Manuel de Castro encontrou, na
residência, uma coisa impressa que dizia ‘Aqui não se vende’, significando que
aquilo não era a loja. O Manuel tirou aquilo e punha diariamente na mesa do
café: ‘Aqui não se vende’. A nossa atitude estava, de certa maneira,
simbolizada por aquilo. Nós não estamos à venda.
Hoje
em dia, este tipo de encontros, onde se discute o estado das coisas, da
política, da literatura, praticamente não existe.
Existe muito menos.
É
a consequência do desinteresse?
Há uma grande proliferação, há
muita mais gente que escreve, que pinta, uns bem, outros mal, outros
assim-assim. Há uma tentativa um bocado artificial, em Lisboa, de criar uma
espécie de grupos. Por exemplo, as pessoas associadas à Abysmo, uma excelente
editora, sentem que são um bocado um grupo, mas é mais difícil. Há uma coisa
que, felizmente, falta: a repressão. A polícia, o perigo, o proibido, o risco,
as torturas, Caxias, choques eléctricos – havia um elemento de risco que agora
não há. Vários dos nossos amigos – e eu – aos 18 ou 19 anos, foram presos e
torturados, eram uns adolescentes, miúdos. Ainda bem que não existe. Se se quer
ser maldito, é por vontade e não por necessidade. Nós tornámo-nos um bocado
malditos por sanidade, porque, no fundo, a recusa era a sanidade, a recusa era
portarmo-nos mal. Um termo que é muito usado e abusado – o abjeccionismo – não
é tanto no sentido que se dá actualmente, da pessoa se portar abjectamente.
Não, o mundo em volta é que era abjecto. Ao recusarmos aquilo estávamos, de
algum modo, a fazer uma afirmação positiva através da recusa. O que acho muito
interessante é que as gerações mais novas estão agora a recuperar um bocado a
mitificação do Gelo com o Pacheco, o endeusar literário também do Mário
Cesariny, felizmente com algumas consequências muito positivas que foi a
redescoberta do Manuel de Castro, que estava esquecido – um notabilíssimo
poeta. Consegui que o João Paulo Cotrim publicasse um livrinho do José Manuel
Simões, “Sobras Completas”, toda a obra completa dele que ele considerava
importante e que me entregou, num envelope castanho, a última vez que estive
com ele em Paris. Morreu um ano depois, não querendo voltar a Portugal. Estive
uns bons dez anos até conseguir editor e o Cotrim publicou. As “Sobras
Completas” é um livro muito giro, muito interessante, muito bom. E há outros
que podem ser descobertos. Mas está a haver um interesse grande de várias
pessoas a escrever sobre o Gelo.
Do
Gelo à política. Foi secretário de Estado da Cultura no Governo de Maria de Lourdes
Pintasilgo, numa altura complicada, no pós-revolução.
Tinha trabalhado politicamente
contra o regime, foi essa a razão pela qual não podia estar em Portugal. Depois
regressei e, em 1975, fui convidado pelo então Governo provisório e aceitei ser
Director-Geral dos Espectáculos. O Governo caiu, houve um período de várias
semanas sem Governo, sem coisa nenhuma, uma coisa perfeitamente caótica. Para
entrar no meu gabinete, que era no Palácio Foz, tinha de pedir licença aos
piquetes. Nessa altura, como não havia muito mais que pudesse fazer, decidi
publicar umas notas sobre o que poderia ser eventualmente uma política
cultural, o que se poderia fazer. E isso foi publicado no Diário de Notícias
que, na altura, era dirigido pelo Saramago. Decidi não continuar, voltei para
Londres. No Verão de 1979, eu e a minha mulher fomos de férias a Portugal, de
carro, pacatamente. Chegámos a Lisboa, fui ver os meus amigos, que se reuniam
no café Montecarlo – o Carlos de Oliveira, o José Cardoso Pires, o Herberto
Helder – e o [Augusto] Abelaira diz-me que se falava em mim para secretário de
Estado da Cultura. Ri-me muito e disse-lhe: ‘Ah, e fala-se de si para ministro
da Saúde’. Quando cheguei a casa dos meus pais, à noite, um telefonema a
convidar-me. Fiquei muito surpreendido. O que deve ter acontecido foi que a
Maria de Lourdes deve ter lido essas notas, achou que a coisa fazia algum
sentido e decidiu convidar-me. Era um Governo provisório, diziam que era 100
dias mas afinal foram cinco meses, foi pouco tempo e, como tal, aceitei. Nunca
quis ter uma carreira política. Devo ter sido a única pessoa em Portugal que
foi director-geral e membro do Governo e que não tem um chavo de pensão de
coisa nenhuma. Portanto, nunca quis coisa nenhuma e queria, precisamente, ter a
minha total independência. Depois de o Governo se ir embora, tive três convites
para deputado, de vários partidos. Recusei, não quis ter uma carreira política.
Mas alguma coisa foi feita e que, depois, por ódio pessoal do Sá Carneiro à
Maria de Lourdes Pintasilgo, foi apagada.
O
que é que foi apagado?
Para já, uma coisa sem
precedentes na democracia: suspenderam em bloco todos os actos que podiam ser
suspensos do Governo da Maria de Lourdes Pintasilgo. Não só na cultura – nos
serviços sociais, no trabalho. Tudo suspenso, para tornar a coisa uma espécie
de não-Governo, o que é ideológico porque a Maria de Lourdes, sendo católica,
tinha um programa muitíssimo mais à esquerda do que o Partido Socialista. Por
outro lado, era uma posição antifeminista por ser mulher, que ainda por cima
vivia com outra mulher. Na área da cultura posso dizer três coisas: quem criou
o Museu de Arte Moderna no Porto foi o Governo da Maria de Lourdes numa sessão
pública onde eu estava. Este projecto ficou parado durante uns tempos e depois foi
reaproveitado pela Maria Teresa Gouveia, que criou Serralves. A origem de
Serralves foi a negociação que fiz em mandar para o Porto, instalado
provisoriamente no Museu Soares dos Reis, a colecção de arte moderna do Estado.
Uma outra coisa que fizemos foi a compra do prédio da Cinemateca de Lisboa. São
coisas que não puderam ser destruídas porque já havia investimento de dinheiro
e não se podia recuar. O que fizeram foi obliterar a origem. É impensável que
na Cinemateca, que foi um prédio comprado com a minha assinatura, não haja uma
referência que esta aquisição foi feita no Governo da Maria de Lourdes. Também
não é aceitável que, em Serralves, na sua proto-história, não seja mencionado o
mesmo facto. Outra coisa que deixei organizado, e que depois foi feito pelo
João de Freitas Branco, foi uma planificação dos teatros nacionais, incluindo a
compra do Teatro de São João. Mas isto foi bloqueado mesmo porque foi a tempo.
Depois do 25 de Abril houve um painel em que 48 pintores, desde o Pomar ao
Escada, pintavam um dos 48 quadrados que faziam o painel. Era um painel
fascinante que era, no fundo, a história da pintura moderna portuguesa. Este
painel estava instalado no centro de exposições de um pequeno museu em Belém. O
director deste museu era o João Vieira, que me disse que as instalações
eléctricas naquele local estavam muito precárias. Fiz um despacho para que o
espaço fosse encerrado, para que pudéssemos fazer as reparações. O meu sucessor
no cargo, como o fecho tinha sido um acto do Governo anterior, mandou abrir o
local. O resultado foi que ardeu e o painel desapareceu. Isto é um exemplo
anedótico, mas trágico. É pena porque algumas coisas podiam ter ficado melhor,
e não ficaram. A planificação da rede nacional de teatros podia ter sido feita.
De qualquer forma, o que isto significa é que existiu essa atitude de
antagonismo em relação ao Governo da Maria de Lourdes Pintasilgo e do que ela
representava. Isso também se manifestou uns anos depois, quando foi candidata à
Presidência. Trabalhei com ela nisso e tive várias reuniões, mesmo com
militares, e houve uma mudança de atitude porque não aceitavam a ideia de que
uma mulher pudesse ser a pessoa que comandava as forças armadas.
O
que falta hoje em dia à cultura em Portugal?
Sou um optimista. Se vivesse
em Portugal, se calhar, irritava-me mais. Há sem dúvida mais gente que lê, há
uma quantidade muitíssimo maior de gente que escreve. A maior parte é uma
porcaria, mas a percentagem dos que têm nível não é, certamente, inferior ao
que era. O que há, talvez, é uma grande confusão entre qualidade e quantidade.
Tornam-se também grandes sucessos literários pessoas cuja obra não o merece.
Mas isto é um fenómeno que acontece em muitos países. Sem citar nomes, se
falarmos de escritores que são celebrados como grandes escritores, muitos deles
não valem nada. Há outros, menos celebrados, e que são muito bons, mas os
escritores excepcionais são poucos em toda a parte. O mesmo acontece na
pintura, por exemplo. Há uma democratização da criatividade literária e
artística, o que não significa que haja um abaixamento de nível. O que há é
gente de baixo nível que produz e que dantes não havia. Se calhar, e sendo
optimista, quantidade também pode gerar qualidade. Das pessoas que dantes não
tinham acesso nenhum à cultura, agora há mais que o têm e que vão produzindo
coisas que se calhar são boas e que, noutras circunstâncias, nunca teriam produzido.
A minha atitude é muito mais positiva do que a dos meus amigos em Portugal. Há
de tudo e o facto de haver gente que lê aquela péssima literatura de aeroporto,
e que compra livros no supermercado, significa que pelo menos lêem. O que faz
falta em Portugal é crítica literária. Paradoxalmente, no tempo do Salazar, os
jornais portugueses tinham uma coluna de crítica literária. Não era só no
Diário de Notícias, mas todos os jornais de Lisboa e do Porto tinham as suas
páginas literárias, coisa que agora não existe.
Começou
por estudar Direito.
Foi, mas não acabei o curso
porque tive de sair de Portugal a meio. Depois da campanha do General Delgado,
envolvi-me numa intentona, as pessoas começaram a ser presas e tive de sair.
E
como é que apareceu a literatura?
Desde pequenino. A minha mãe
gostava muito de poesia, lia-me poesia, fazia-me decorar “os boizinhos” do
Afonso Lopes Vieira e eu comecei a escrevinhar poesia com uns 11 anos. Fazia
umas rimazitas. Naquela altura fazia três coisas: escrevia poesia, andava de
bicicleta e jogava futebol.
A
sua escrita é biográfica, especialmente a poesia.
Os romances não são
biográficos, com excepção de “Partes de África”, que tem elementos
autobiográficos, mas também tem falsificações. Conto como se tivesse
acontecido, mas não aconteceu. Dava-me jeito, em termos de narrativa, que
tivesse acontecido, o que acabou por me dar problemas porque há algumas
personagens que são fusões de possibilidades de ser. É o caso de um médico que
é a fusão entre um médico abnegado que conheci e um médico corrupto que havia.
Misturei os dois e os filhos do abnegado cortaram relações comigo. O inspector
da PIDE que também aparece nesse livro e que acabou por salvar, na verdade, São
Tomé, é também a fusão de dois que conheci. Também uso a primeira pessoa com
muita frequência na minha narrativa e na minha ficção, mas continua a ser uma ficção.
Ponho-me nesse hipotético Hélder Macedo a contracenar com gente que não existe.
A estratégia aí é dar credibilidade à ficção, mas, por outro lado, torna
fictício o narrador. Na poesia é diferente. Escrevo pouca poesia. Não sou um
poeta que escreve habitualmente. Costumo escrever poesia em tempos de viragem.
É uma coisa interna.
A
poesia é uma coisa muito íntima?
É. E é necessário ter muita
cautela para não nos envergonharmos em público.
Estamos
em pleno encontro da Associação Internacional de Lusitanistas (AIL). Como é que
vê este congresso, o primeiro a Oriente?
Quem primeiro sugeriu que
fosse em Macau, fui eu. Fui presidente da AIL, depois foram simpáticos e
elegeram-me presidente honorário, que é uma óptima posição: uma pessoa manda
bocas e não tem de fazer nada (risos). Sempre achei que era fundamental sair da
Europa. Como presidente e com o Carlos André como secretário-geral, planeámos
depois de um congresso em Oxford fazer uma coisa no Rio de Janeiro. Foi a
primeira vez que o congresso aconteceu fora da Europa. Mais tarde, fez-se nos
Estados Unidos e depois achámos que era importante fazer em África, e acabou
por acontecer em Cabo Verde que, simbolicamente, estava muito bem. A Universidade
tinha acabado de ser criada. Depois disso, o passo óbvio era o Oriente. Aí a
minha ideia era de que, entre os dois sítios óbvios – Goa e Macau – a escolha
fosse Macau, devido à atitude dos chineses. Enquanto em Goa a língua portuguesa
foi obliterada tendo tido raízes muito mais fundas do que, alguma vez, teve em
Macau, aqui é mantida. Não será muito desenvolvida, mas é mantida. É até é
política oficial que podemos ver nos nomes das ruas, nos documentos oficiais. É
assumidamente, uma das línguas oficiais e isso é uma atitude inteiramente
diferente da atitude indiana. Seria estúpido não escolher Macau. Até como uma
afirmação política em relação à Índia. Não é que em Goa tenham obliterado as
línguas europeias. Não. O português foi substituído por outra língua colonial,
o inglês. Ora, se se mantém uma língua colonial, porque diabo de razão vão
destruir uma presença cultural que lá esteve durante 500 anos? Estão a chular a
história de Portugal com os monumentos, com as igrejas, retirando a identidade
que fazia parte daquela gente e daquela cultura, muito mais do que aqui em
Macau. Estas são as razões negativas. Como razões positivas, quando cá vim há
quatro anos, a minha ideia era, precisamente, negociar a hipótese de Macau. Fui
recebido pelo presidente do Instituto Politécnico de Macau que acolheu
imediatamente a ideia, fala um português perfeito, lê Camões e deu-nos
condições extraordinárias. A proposta acabou por ser feita em Cabo Verde com
muito boas condições. Pode não atrair tanta gente como outros congressos,
devido à distância. Tivemos a desistência de umas 40 pessoas do Brasil, 15 dias
antes de o congresso começar devido à crise, mas ainda assim, estamos com cerca
de 150 pessoas. Na sessão de abertura, a presença do Governo foi notável. O
desenvolvimento da língua portuguesa é, obviamente, parte de uma política
chinesa. Terão as suas razões, mas a nós também dá jeito. Sofia Mota e Isabel Castro – Macau in
“Hoje Macau”
Pode ler
outra entrevista de Hélder Macedo em Macau no ano de 2014 aqui.
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