Afinal
Não Sou um Peixe
Barcelona, 2015. São 15:35.
Desço calmamente as escadas da estação de Joanic, no bairro de Gràcia.
Atravesso a plataforma manchando o silêncio com o eco dos passos e, enquanto
aguardo a chegada do metro, procuro o telemóvel no bolso do casaco. “É quinta-feira
e quero ver os comentários da crónica lá no Rede Angola.” Já agora: Facebook.
E-mail. Whatsapp. O metro entra na estação, com um ruído que absorve as poucas
conversas que se ouvem num catalão perfeito. Guardo o telemóvel no bolso, entro
no vagão antes do apitar das portas. Não encontro lugar para me sentar. Nesse
momento, olho à minha volta e, assombrada, deparo-me com uma imagem do futuro:
a morte da utopia tecnológica.
Faço contas rápidas de
cabeça. Se estavam naquela carruagem umas 40 pessoas, pelo menos 30 se
encurvavam sobre o seu smartphone, como quem se encurva sobre o seu próprio
mundo. As outras 10 liam ou dormiam. Ninguém conversava com o vizinho do lado.
Reparei até mesmo numa família de ar tradicional – pai, mãe e filho adolescente
estavam cada um no seu universo paralelo, conectados a algum lado, embora,
certamente, separados entre si. Não os ouvi falar durante todo o trajecto.
Os olhos dos passageiros
pareciam vidrados. O polegar deslizava pelo ecrã no eterno scroll do
aborrecimento, preenchendo a espera da viagem, procurando um estímulo, uma
gargalhada, uma resposta, uma companhia. Miradas que suplicam: “Entretem-me.”
De vez em quando, alguém levantava a cabeça, no gesto súbito de quem precisa
respirar depois de um mergulho profundo. “Afinal não sou um peixe.” Um peixe
que toca com a boca nas paredes de vidro do aquário e só vê o seu próprio
reflexo.
A Rede. Supõe-se pelo nome
que nos conecta, que nos informa, que nos aproxima. Li algures que grande parte
da vida social dos jovens (os jovens daqueles lugares do mundo onde não falta
luz, nem água e toda a gente usa a internet) se passa nas redes sociais. Não
usá-las é, nestes casos, como ser invisível. Não existir. Muitos de nós,
leitores deste jornal e frequentadores assíduos do Facebook, estamos na mesma
situação. Alimentar a nossa existência virtual tornou-se num imperativo e,
acima de tudo, numa fonte de ansiedade.
O Vício. A falta de
educação. Notificações que interrompem conversas cara a cara. Porque o Whatsapp
não pode esperar. A sua natureza é imediata, é agora se não caduca. “Desculpa,
é rápido.” A presença física perde para a concorrência virtual, muito mais
estimulante, muito mais compensadora. “Para quê focar-me nos olhos de quem
tenho em frente se no ecrã do tablet tenho tudo? Preciso saciar esta fome de
tudo.”
Na carruagem-aquário do
metro de Barcelona, oiço o anúncio da minha estação: Jaume I. A tal família,
que descubro agora ser francesa, também vai sair aqui. “Allons-y!” E vamos.
Caminhando entre desconhecidos, aumentando ao mesmo tempo a velocidade da
ligação e a distância entre nós, cultivando a apatia, a dispersão, a exaustão e
a ilusão de progresso do maravilhoso mundo contemporâneo hiperdigital. Aline Frazão – Angola in “Rede
Angola”
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