Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

sexta-feira, 25 de maio de 2018

Portugal – Júlio Pomar, o artista plástico com um percurso de sete décadas

Nascido em Lisboa, a 10 de Janeiro de 1926, Júlio Pomar, que gostava mais de desenhar do que de jogar à bola quando era criança, vendeu o primeiro quadro a Almada Negreiros por seis escudos, numa época em que era impensável viver da pintura. Tornou-se um dos artistas mais conceituados do século XX português, com uma obra marcada por várias estéticas, do neo-realismo ao expressionismo e abstraccionismo, e uma profusão de temáticas abordadas e de suportes artísticos experimentados.

A obra foi dedicada sobretudo à pintura e ao desenho, mas realizou igualmente trabalhos de gravura, escultura e ‘assemblage’, ilustração, cerâmica e vidro, tapeçaria, cenografia para teatro e decoração mural em azulejo. Desde muito jovem começou a escrever sobre arte, tem obra poética publicada, alguma musicada e interpretada por cantores como Carlos do Carmo e Cristina Branco.

Estudou na Escola de Artes Decorativas António Arroio e nas Escolas de Belas-Artes de Lisboa e Porto, tendo participado em 1942, em Lisboa, convidado por Almada Negreiros, na VII Exposição de Arte Moderna do Secretariado de Propaganda Nacional/Secretariado Nacional de Informação. Fez parte da Comissão Central do Movimento de Unidade Democrática Juvenil (MUD), e participou activamente nas lutas estudantis, o que lhe custou a expulsão das Belas-Artes do Porto.

Em 1947, realizou a primeira exposição individual, no Porto, onde apresentou desenhos, e colaborou com os jornais A Tarde, Seara Nova, Vértice, Mundo Literário e Horizonte, participando no movimento artístico “Os Convencidos da Morte”, assim denominado por oposição aos célebres “Os Vencidos da Vida”, grupo marcante na história da literatura portuguesa.

A oposição ao regime de Salazar leva-o a passar quatro meses na prisão, a apreensão de um dos seus quadros – “Resistência” – pela polícia política, e a ocultação dos frescos com mais de 100 metros quadrados, realizados para o Cinema Batalha, no Porto. Mesmo assim, Júlio Pomar conseguiu desenhar e pintar na prisão – onde circulavam papel, lápis e caneta – e fazendo um requerimento para obter materiais que lhe permitiram criar retratos dos camaradas presos, como Mário Soares, e do quotidiano no cárcere.

Num período inicial, neo-realista, foram marcantes algumas das suas obras, como “O Almoço do Trolha”, “Menina com um Gato Morto”, “Varina Comendo Melancia” ou “O Cabouqueiro”, que revelam a influência, na mesma corrente, de escritores como Alves Redol e Soeiro Pereira Gomes, e artistas plásticos como o brasileiro Cândido Torquato Portinari.

Nos anos de 1950 viajou até Espanha, onde estudou a obra do pintor Goya, fundou a cooperativa Gravura, em Lisboa, para produção e divulgação de obras gráficas, que marcou várias gerações de artistas. Na década seguinte, foi viver para Paris, onde esteve como bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian entre 1963 e 1966. Desse tempo destaca-se a série de quadros a preto e branco para ilustrar a versão de “D. Quixote”, de Aquilino Ribeiro, tema que usou noutras pinturas e esculturas, e iniciou a série “Tauromaquias”, que exibiu em Paris, onde também participou numa mostra dedicada ao quadro de Ingres “Le Bain Turc”, no Museu do Louvre, em 1971.

Em entrevista à agência Lusa em 2009, Júlio Pomar recordou que a vivência em Paris, nos anos de 1960, coincide com uma ruptura “mais dramática” no percurso artístico, quando sentiu que a pintura que criava “estava a desfazer-se”. “A minha pintura estava a desfazer-se e senti necessidade de dar-lhe uma estrutura”, explicou, acrescentando que as mudanças no seu percurso artístico foram feitas de um modo geral sem esforço, mas naquele caso “foi esforçada”.

Em Portugal, a primeira retrospectiva da obra de Pomar foi organizada em 1978 pela Fundação Gulbenkian e exibida na sua sede em Lisboa, também no Museu Soares dos Reis, no Porto e, parcialmente, em Bruxelas. Também em Paris e em Madrid apresentou, na década de 1990, a série sobre os índios do Alto Xingú, na Amazónia, onde passou algum tempo, e a antológica “Pomar/Brasil”, organizada pelo Centro de Arte Moderna da Gulbenkian, e apresentada em Lisboa, Brasília, São Paulo, e Rio de Janeiro.

Em 2004, o Sintra Museu de Arte Moderna – Coleção Berardo apresentou uma vasta retrospectiva intitulada “Pomar/Autobiografia”, comissariada por Marcelin Pleynet, enquanto o Centro Cultural de Belém expôs a antologia “A Comédia Humana”, organizada por Hellmut Wohl. Nesse ano foi criada a Fundação Júlio Pomar e quase uma década depois, em 2013, foi inaugurado em Lisboa o Atelier-Museu Júlio Pomar, com um projecto arquitectónico de reabilitação de Álvaro Siza.

Júlio Pomar também ilustrou várias obras, como “Guerra e Paz”, de Tolstoi, “O Romance de Camilo”, de Aquilino Ribeiro, a obra “D. Quixote”, de Cervantes, “A Divina Comédia”, de Dante Alighieri, “Pantagruel”, de Rabelais, “Rose et Bleu”, de Jorge Luis Borges, e “Mensagem”, de Fernando Pessoa. Recentemente ilustrou o livro “O cão que comia a chuva”, de Richard Zimler, distinguido com o Prémio Bissaya Barreto de literatura para a infância.

O seu trabalho encontra-se em edifícios e espaços públicos, nomeadamente na estação de metro do Alto dos Moinhos (1983-84), em Lisboa, os frescos pintados no Cinema Batalha (Porto 1946-7), e a sala de audiência do Tribunal da Moita, com o arquitecto Raul Hestnes Ferreira (1993), e as tapeçarias executadas para as sedes do Montepio Geral e da Caixa Geral de Depósitos.

Escreveu os livros de ensaio sobre pintura “Discours sur la Cécité des Peintres” (1985), “Da Cegueira dos Pintores” (1986), e “Et la Peinture?” (2000) e “Então e a Pintura?” (2003), e publicou os livros de poesia “Alguns Eventos” (1992) e «TRATAdoDITOeFeito» (2003). É o autor do retrato oficial do antigo Presidente da República Mário Soares.

Júlio Pomar integrou a representação portuguesa na Bienal de São Paulo de 1953 e recebeu, entre outros, o Prémio Associação Internacional de Críticos de Arte em 1995, o Prémio Celpa/Vieira da Silva, em 2000, e o Prémio Amadeo de Souza Cardoso em 2003. Foi condecorado pelo antigo Presidente da República Mário Soares e também por Jorge Sampaio. Em França, foi condecorado com a comenda das Artes e das Letras. Em 2013 recebeu o Doutoramento Honoris Causa da Universidade de Lisboa. Deixou-nos a 22 de Maio de 2018. Agência Lusa

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