Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Riqueza humana

Ces Messieurs Afrique, le Paris – village du continent noir” : a propósito de alegadas declarações de um Ministro português contra o seu próprio Estado de Direito.

“Ces Messieurs Afrique” é o título de uma obra de Stephen Smith e Antoine Glaser, que desvenda algumas relações inconfessas, entre homens de negócios, políticos e profissionais liberais franceses, com personalidades africanas, da África dita francófona. É desse livro que me lembrei hoje, ao analisar os gaguejos atribuídos ao Ministro português dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete, que teria anunciado à Rádio Nacional de Angola, que transmitira às autoridades angolanas, as desculpas do Estado português, pelos pequenos incómodos causados, devido a certos processos que correm nas instituições da justiça portuguesa, contra algumas e alguns notáveis angolanos. O homem ter-se-á esquecido que em Portugal ainda vigora o regime de separação de poderes. A menos que eu esteja desatualizado.

No caso francês, sabemos que os factos estavam perfeitamente enquadrados dentro de uma estratégia montada, aquando da outorga das independências àquilo que, hoje, em grande parte, são autênticas neocolónias francesas em África. Era no cumprimento do pensamento estratégico de De Gaulle, segundo o qual “A nossa linha de conduta é aquela que salvaguarda os nossos interesses e que tenha em conta a realidade no terreno. E quais são os nossos interesses? Os nossos interesses são a livre exploração do petróleo e do gás que descobrimos e havemos de descobrir.”

Na página (web) em que encontrei aquela citação, que deste modo tentei traduzir para o nosso português, está patente uma fotografia com um homem branco, tendo ao lado a cabeça de um jovem preto, espetada na ponta de uma vara pontiaguda.

É, com certeza, a propósito dessa relação da França com a África que Agostinho Neto – homem de erros clamorosos, porque humano do seu tempo, mas de um extraordinário idealismo – terá dito que a África continuava como um “corpo inerte onde cada abutre” queria “debicar o seu pedaço”.

Mas da forma como as ex-colónias portuguesas (especialmente a Guiné-Bissau, Moçambique e Angola) conquistaram a suas independências, estou convencidos que, entrados no mundo do pós-Guerra Fria, e se no caso de Angola a lei da vida permitisse que Holden Roberto, Agostinho Neto e Jonas Savimbi sobrevivessem para repararem os seus erros – porque todos eles seres humanos – não estaríamos perante esta relação vergonhosa que se constrói hoje, entre Angola e Portugal, que também se libertou do totalitarismo salazarista, graças a luta do povo português, com uma liderança constituída por figuras insignes, independentemente das ideologias, como Álvaro Cunhal, Mário Soares e Sá Carneiro.

Portugueses e angolanos, especialmente os mais jovens, temos que nos juntar para evitar o envenenamento da nossa relação irmã. A nossa riqueza humana e cultural, angolanos e portugueses, é muito superior a barris de petróleo reduzidos a “sacos azuis”.

Resistamos a transformação dos nossos países irmãos, em meras plataformas de transação de sacos de euro-dólares, que a ninguém levará para o céu ou libertará do fogo do inferno.

Esta mensagem também vale para o nosso queridíssimo país irmão Brasil e sobretudo para a sua juventude. Não se juntem a esta festa em que meia dúzia (chega a isso?) de famílias, orquestram a desgraça sobre a maioria de angolanos de todos os quadrantes de um país, onde tudo chegaria e chegará para todos, sem comprometer as nossas relações irmãs, com aqueles com que vimos a escrever as páginas de uma mesma história. Marcolino Moco – Angola in “Moco Produções”

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