Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Selvagens

O Direito do Mar, e as questões com este relacionadas, têm ganho redobrado interesse nos últimos tempos. A extensão da plataforma continental (PC) portuguesa e o estatuto jurídico das ilhas Selvagens revestiram-se de novo interesse com uma recente nota verbal de Espanha apresentada no âmbito das informações sobre os limites exteriores da PC, submetidas por Portugal junto da entidade internacional competente. O Artigo 5º, nº l da Constituição dispõe que Portugal abrange o território historicamente definido no continente europeu e os arquipélagos dos Açores e da Madeira.

O território estadual é o espaço em que se aplica o poder do Estado, onde o Estado exerce o conjunto de competências deduzidas da soberania. Esta soberania estende-se às águas interiores e ao mar territorial assim como ao espaço aéreo sobre o seu território, que lhe estão imediatamente adjacentes.

Sobre a PC e a zona económica exclusiva (ZEE), a Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar (CNUDM) reconhece determinados direitos, ali especificamente previstos, incluindo direitos de soberania. Salvaguardando o caso de Estados com costas adjacentes ou frente a frente, a PC de um Estado pode estender-se até às 200 milhas (casos em que, em princípio, coincidirá com a área da ZEE) ou além deste limite, se o prolongamento natural do seu território (leito e subsolo marítimos) assim permitir. O reconhecimento, definitivo e obrigatório, dos limites da PC além das 200 milhas implica a submissão de informações já referidas.

As ilhas podem ter águas interiores, mar territorial, ZEE e PC (em todo o seu prolongamento natural ou até às 200 milhas). Os rochedos apenas podem ter águas interiores e mar territorial. A distinção entre ilhas e rochedos reside no facto de se prestarem ou não a habitação ou a vida económica na mesma.




Parte da doutrina tem defendido que a habitabilidade de uma ilha se afere pela sua capacidade de armazenar e dispor de água fresca, vegetação suscetível de sustentar habitação humana, material suscetível de ser usado como abrigo e condições para manter uma comunidade mínima de 50 pessoas. Mas nada é ainda certo. Podem ser apontados vários exemplos de conflitos atuais e/ou potenciais no âmbito do direito internacional como o arquipélago de S. Pedro e S. Paulo (Brasil), a ilha Heard e as ilhas McDonald (Austrália), ilhas Serpente (Ucrânia), ilhas Howland e Baker (Estados Unidos), ilha Clipperton (França) e os mais mediatizados casos de Okinotorishima e Minamitorishima (Japão).

A maioria destas ilhas (ou rochedos) tem uma área inferior à do subarquipélago das Selvagens ou da ilha Selvagem Grande (245 hectares). Voltando à nota verbal apresentada por Espanha, esta apenas esclarece que, não pondo em causa a soberania portuguesa sobre as Selvagens, não reconhece o estatuto de ilhas às mesmas mas apenas o estatuto de rochedos, que não confere direito a PC e ZEE com base nos mesmos.

Na sequência da posição espanhola, Portugal informou, no mesmo processo, que a extensão da PC foi efetuada com base no prolongamento natural da ilha da Madeira e não do das ilhas Selvagens. Ou seja, para efeitos de apreciação pelas entidades competentes da submissão portuguesa relativa à PC, é perfeitamente irrelevante o estatuto de ilhas ou rochedos das Selvagens. Poderá, no entanto, tal estatuto vir a ser relevante, por exemplo, para a delimitação das ZEE. Fátima Moreira – Portugal in “Jornal Expresso”

Fátima C. Moreira -Mestre em Direito Internacional Público e doutoranda em Direito do Mar pela Universidade Católica, advogada.

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