Félix
Monteiro (1909 – 2002) – Um Investigador probo
Hoje queria homenageá-lo – ainda que de forma
breve e, através também de um episódio interessante e que recentemente me foi
contado pela filha mais nova – este insigne investigador e estudioso da nossa
cultura (a cabo-verdiana) que foi Félix Monteiro.
Félix Monteiro é para muitos de nós, um
exemplo a seguir em matéria de probidade e de honestidade intelectual, na
prossecução do seu objecto de pesquisa.
Creio não alterar a verdade se dissesse que
Félix Monteiro não parte para a pesquisa com ideias “pré concebidas” ou
“preconceituosas,” destinadas a chegar ou a “criar” alguma tese adjacente, com
finalidades outras que não as que a pesquisa honradamente levada a cabo, o
fariam chegar. Quando se lêem os ensaios deste autor, a impressão com que o
leitor fica é de alguém que pôs ao serviço da investigação – quer se trate de
análise sobre os usos e os costumes das ilhas ou de abordagens religiosas e
sincréticas, que enformam grande parte das festas e das tradições do povo
cabo-verdiano – uma mente empenhadamente objectiva, limpa de reservas e de
preconceitos. O resultado a que chega é normalmente fruto de muito exercício de
procura, de cruzamento de dados, de comparações, de analogias e de
diversidades, com enorme grau de objectividade trazidos ao conhecimento do leitor,
por vezes sem a intromissão do ensaísta que deixa “falar” livremente o objecto
e os resultados da pesquisa.
É assim, que leio os ensaios de Félix
Monteiro. Alguns de cariz etnográfico, outros de natureza social, histórica e
vária, mas todos revestidos daquilo a que chamaria de sentido de hombridade, de
dignidade, colocado ao serviço da investigação.
Daí que usufruamos hoje, de importantes
trabalhos no campo etnográfico, por ele publicados, e que até agora não foram
ultrapassados. De entre eles, destacaria: “Tabanca” (1949); “Bandeiras da ilha
do Fogo – O Senhor e o Escravo Divertem-se” (1958) “Cantigas de Ana Procópio”
(1961); “A vitalidade do Movimento Claridade é mais notória na ficção do que na
poesia” (1963) um leitura crítica de “Os Rebelados da ilha de Santiago de Júlio
Monteiro” (1977); “Páginas esquecidas de Eugénio Tavares” (1981); “Páginas
esquecidas de Guilherme Dantas” (1984) “Naufrágios, arqueologia, museus”
(1984); “Notas biográficas de Eugénio Tavares” (1994); “Séculos de contactos com
americanos” (1997). Entre outros estudos ensaísticos, qualquer deles com
elevado grau de interesse para o entendimento comparado, dos factos da cultura
mestiça e da tradição cabo-verdianas.
Comparativamente ao labor investigativo e
probo de Félix Monteiro, quando olhamos actualmente, para muitos ensaios e
pesquisas entre nós, sobretudo nas áreas de História, de Literatura e de
Cultura destas ilhas, infelizmente, a nossa percepção primeira é que de eles já
vêm marcados politicamente, quando não partidariamente aferidos. Logo, estes
últimos, ficam em desvantagem qualitativa.
Como
alguém bem o notou numa tese, até o discurso identitário cabo-verdiano está
hoje – nas pesquisas feitas e, para mal de todos nós – ideologicamente
politizado e partidarizado.
De facto, estudando Félix Monteiro,
reiteramos a convicção de que estamos perante um investigador rigoroso e sério.
Mas o que trazia também o propósito deste
escrito, era narrar um caso exemplar de amor filial e de respeito pelo legado
deixado pelo pai, demonstrados por Anaísa Fernanda Silva Monteiro, a filha mais
nova de Félix Monteiro que vive há já algum tempo nos Estados Unidos.
Contou-me ela que de uma das vezes que veio
de férias, deslocou-se a Mindelo à casa onde o pai passou os últimos anos de
vida. Começou por ter de desalojar as pessoas que indevidamente a ocuparam e
que ainda por cima não cuidavam dela e muito menos do espólio deixado pelo
investigador.
Enfim, disse-me ela que isto tudo lhe havia
custado muitos “amargos de boca” e uma enorme dor de alma ao deparar-se com o
estado em que se encontrava a rica documentação de Félix Monteiro.
Abro aqui um parêntesis para esclarecer que o
espólio havia sido oferecido ao Estado de Cabo Verde pela morte do seu autor,
ocorrida em 2002, e que os herdeiros estão até hoje, à espera que isso
aconteça. Fecho o parêntesis sem mais comentários.
No decorrer da arrumação dos papéis, Anaísa
Monteiro verificou com muito pesar, que muitos documentos já se tinham
estragado com a água das chuvas que entretanto entrou na cave da residência.
Juntado a isto, os estragos feitos por ratos e traças que deram cabo de,
possivelmente, valiosa pesquisa.
Mas a nossa jovem mulher, não se deixou
abater. Mãos à obra e ei-la de forma cuidadosa e paciente a desinfestar, a
melhorar com tábuas protectoras e outras materiais, o soalho e o tecto – de
forma a evitar a entrada futura de mais bichos e de mais chuva – o quarto onde
se encontra guardada a herança deixada por Félix Monteiro.
Mas, mais fez ainda: pôs em ordem em caixas,
numerando-as por anos da escrita dos textos, tanto os artigos inéditos, como os
originais dos já publicados, por aquele autor. Para além disso, desse espólio
constam numerosos livros que Anaísa Monteiro zelosamente tratou também na
preservação do legado. Um labor realizado com afecto. Fiquei emocionada! São
valores como estes que devemos prezar.
Que belo exemplo de respeito pela memória
paterna, mas também de amor filial! Pronunciei intimamente, enquanto a
escutava.
Embora se perceba por um lado, de que o já
aludido sentimento filial foi naturalmente determinante e prioritário na
condução deste afectuoso labor. Por outro lado, deve-se reconhecer também, que
ao proceder deste modo, cuidando do espólio deixado, Anaísa Fernanda Silva
Monteiro prestou igualmente, um trabalho com mérito, ao arquivo cultural
cabo-verdiano.
Para ela o nosso: Bem-haja! Ondina Ferreira – Cabo Verde in “Coral Vermelho”
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