Acerca do cerco aos aposentados da Função Pública
Tenho ouvido e lido nos últimos dias apontamentos
diversos, por vezes contraditórios, sobre o que se prepara para o cerco aos
aposentados da Função Pública. E todos os dias surge um novo pormenor. É a
prática usual: lançar primeiro o pânico e a confusão, e depois aliviar um pouco
o garrote e deixar o aposentado mais aliviado (ainda podia ser pior...), contudo
sempre “lixado”.
Ontem foram anunciadas nas TV’s as excepções à redução
dos 10% (média aritmética? Abaixo dos 600 Euros nada e daí para cima será
progressivo? Chegará aos 50%? Não se sabe. É preciso criar o pânico. Afinal só
chegará no máximo aos 30%, ouviremos ainda dizer. Uf!, que alívio, podia ser
pior...). Acima dos 95 anos não haverá penalização, Deo gratias!, diremos lá de cima.
Dizia-se ontem que segundo a proposta do governo a
redução não se aplicará nem aos juízes (Tribunal Constitucional na linha de
mira?) nem aos militares (pois, foram eles que fizeram o 25, não vá o diabo
tecê-las).
Mas hoje já se incluiram também os aposentados da Caixa
Geral de Depósitos, propriedade do Estado (que para o efeito dependerão do
Banco Central Europeu onde as regras são outras, embora paredes meias com os
homens da Troika que protagonizam a operação de “convergência” com as reformas da Segurança Social), e também os
políticos, incluindo os deputados e os autarcas, com pensões vitalícias após escassos
12 anos de actividade. E o que mais estará para vir.
Diz o povo com razão, que “é quem mais ordena” como acreditavam os líricos, que “quem se lixa é o mexilhão”.
Há poucos dias ouvi e vi na televisão um senhor que
participou e contribuiu para o famigerado memorando de entendimento, que não é
um jovem inexperiente como os que povoam o actual governo e que até já foi Ministro
das Finanças, afirmar, em resposta a uma pergunta da entrevistadora sobre se os
contratos firmados com os funcionários públicos não deveriam ser respeitados à
semelhança do que está a acontecer com os contratos com a banca, que na opinião
de um seu amigo, um conceituado jurista, os contratos têm que ser respeitados
como determina o direito internacional, enquanto as normas que regem o
funcionalismo público não são contratos, mas consequência de simples legislação
que pode ser alterada em qualquer momento.
Quando frequentei o Liceu, no tempo do “fascismo”, havia uma disciplina no 6º e
7º anos intitulada “Organização Política
e Administrativa da Nação”. Já nessa altura lá se ensinava que um dos
princípios básicos que devia presidir à feitura das leis era a sua “não rectroactividade”. Ainda hoje ouvi também
um erudito comentador, dos muitos que povoam agora as nossas televisões, dizer
que os princípios da confiança e da não rectroactividade das leis são a base, em
regime democrático, de um qualquer Estado de Direito. Em que ficamos? Fico com
dúvidas: Em que tipo de regime vivemos afinal?
Não vejo, por exemplo ninguém advogar, para a “convergência” das pensões (processo que
parece inevitável), pormenores ignorados pelos proponentes, como seja ser
tomado em consideração, por uma questão de justiça, o número de anos de
serviço efectivo prestado ao Estado e respectivos descontos efectuados. É
que 47 anos de serviço público, aos 70 de idade, quando o Estado
obrigatoriamente “manda embora” um funcionário,
não são exactamente a mesma coisa que 36 anos normais, ou menos do que isso nos
numerosos casos de aposentações antecipadas e no verdadeiro escândalo das
pensões vitalícias de políticos e autarcas com uma dúzia de anos de serviço, ou
de gestores de empresas públicas com pensões de largos milhares de Euros após
alguns meses de passagem pelas instituições.
E já agora talvez fosse a altura indicada para ser
reposto o Complemento Especial de Pensão
(CEP), a pagar aos militares que deram anos da sua juventude na guerra do
Ultramar, aquando da aposentação, legislado por um governo e alterado pelo
governo seguinte, com efeitos rectroactivos como agora é prática corrente.
Em Fevereiro de 2002 foi publicada a Lei nº 9/2002,
visando regular o regime jurídico dos períodos de prestação de serviço militar
de ex-combatentes, para efeitos de aposentação ou reforma.
Requeri a contagem do tempo de serviço militar para
efeitos de aposentação, como determinava a Lei, e quase três anos depois, em
Dezembro de 2004, recebi uma carta assinada por dois ministros, o Ministro de
Estado e da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar, Paulo Portas, agora
Vice-Primeiro Ministro e o Ministro das Finanças e da Administração Pública,
António Bagão Félix, em que, dirigindo-se ao «Caro Antigo Combatente»,
me explicavam:
«Este é o primeiro grande esforço do Estado para
reconhecer os mais de 400 000 Antigos Combatentes que serviram a Pátria em
condições especiais de dificuldade ou perigo», e me informavam ter sido «reconhecido,
para efeitos de aposentação, o tempo de serviço militar prestado no Ultramar,
incluindo o tempo de bonificação, que totaliza 3 anos e 6 meses.»
E mais:
«Saiba ainda que, quando se aposentar, tem direito
a que lhe seja atribuído, todos os anos o Complemento Especial de Pensão,
calculado de acordo com a contagem do tempo de bonificação do serviço militar
prestado. Este complemento é transmissível integralmente ao cônjuge sobrevivo,
pensionista de sobrevivência.»
(As palavras a cheio estão conforme o ofício)
O Complemento de Pensão seria uns escassos 12,50 Euros
mensais, pagos de uma só vez no mês de Novembro de cada ano.
Aposentado que fui, nunca recebi daí nem um único cêntimo.
Fui à CGA e deram-me um papel verde com muitas palavras, frente e verso, e explicaram-se
que no meu caso não tinha afinal direito a nada.
Como diria a minha avozinha transmontana, se fosse viva,
BERDAMBUM!
Sou ainda dos que acreditam que o povo acordará um dia da
modorra em que o mergulharam.
Aguardo pacientemente a tomada de posição de cada um dos
partidos sobre esta matéria para decidir se votarei em alguém nas próximas
eleições autárquicas. Walter Marques –
Portugal
Walter Anatole
Marques - Assessor Principal da Função Pública (AP), Eng.º Electrotécnico (IST), Alf.
Milº Infª em Moçambique - 1965 a 1967
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