Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Murro

Um traiçoeiro murro no “estômago” das Artes

Quando se fala que um personagem desferiu um murro a outrem, ocorre-nos logo a ideia que esse é, inequivocamente, um acto que implica quase sempre cenas de violência extrema.

Tratando-se então de um murro aplicado a um «órgão» do corpo humano cuja função é decisiva na vida do ser vivo, a apreensão é grande. Se o caso for um acto, premeditado, vil e traiçoeiro, maior se torna ainda, a nossa preocupação.

Traiçoeiro funciona, no fundo como uma atitude daquele, que ataca, preferencialmente, na calada da noite, encapuzado, trazendo na «bagagem» uma subtil mas mortífera “arma” que ao deflagrar se revela de fragmentação.

Perdoem-nos essa indignada franqueza, colocada numa linguagem que consideramos bélica a todos os níveis. Assumimos esse risco. A nossa indignação não tem, neste momento qualquer limite.

Pensamos, que, após a publicação deste pequeno Manifesto, haja uma franja significativa da elite, de intelectuais, de jovens, de compatriotas anónimos, da nossa praça, que insurjam contra aquilo que, eventualmente se possa apelidar, como é habitual no nosso meio de … politiquices.

Politiquices à parte, tomamos a liberdade, enquanto cidadãos, de pleno direito, desta Pátria em exprimir o nosso descontentamento, escrevendo nas páginas do jornal digital «Tela Nom».

A nossa legitimidade em redigir estas linhas passa por uma só palavra: ARTE.

A Arte, palavra originária do Latim é definida pelo dicionário como sendo um“ conjunto de preceitos ou regras para bem dizer ou fazer qualquer coisa”. Contudo, é de salientar que (…) “o principal problema na definição do que é arte é o facto de que esta definição varia com o tempo e de acordo com as várias culturas humanas”.

O motivo da nossa (in)contida indignação!

A razão que nos leva a falar da “violência” prende-se com a agressão feita a uma autêntica “Obra de Arte” que temos no nosso país, pintada por um Artista com letra grande, que já não pertence ao mundo dos vivos.

Existe uma máxima popular que diz textualmente, que o pior cego é aquele que não quer ver! “Cegueiras” há muitas e alguns de nós estamos, neste momento a precisar de usar umas lentes que nos ajudem a orientar no bom caminho.

Voltamos a frisar, sentindo o “impacto” violentíssimo desse murro.

Ficamos bastante incomodados com o procedimento que as autoridades da República nos impuseram – estamos perante um facto consumado – relativamente a uma autêntica Obra de Arte existente na emblemática Praça da Independência. Essa praça que em termos simbólicos, tende a perpetuar-se na memória colectiva do mundo, visto ser o palco onde se proclamou a nossa independência, naquele tranquilo e solarengo dia 12 de Julho de 1975.

A Obra de Arte em causa é uma pintura mural desenhada pelo pincel mágico do grande Mestre moçambicano Malangatana.

Uma Obra de Arte não cai do céu; não aparece por obras do acaso; não sai da cartola de nenhum mago, nem tão pouco surge por decreto-lei.

Não é artista de dimensão internacional quem quer, mas sim quem pode, ou seja, só os predestinados lá chegam. E Malangatana foi um deles.

Voltemos à cena do murro no “estômago”!

O murro no “estômago” é uma alegoria que é aqui utilizada para retractar a aberração que vem acontecendo impunemente, há cerca de 6 (seis) dias, na citada Praça da Independência.

Existe nesse espaço central uma pintura – que enche o olho do mais empedernido cidadão – do Mestre Malangatana, feita na parede dum prédio de traços arquitectónicos coloniais. O prédio mandado construir pelo antigo Banco Nacional Ultramarino, que é constituído por 6 andares e tem a capacidade para receber 24 famílias.

É justamente aí nesse recanto que as autoridades público-privadas resolveram colocar em frente dessa Obra, um gerador de energia eléctrica de grandes dimensões, retirando a tudo e a todos a beleza dessa pintura.

Para além dos prejuízos materiais que advém desse bárbaro acto, nomeadamente, o fumo exalado, o gasóleo e outros combustíveis utilizados na manutenção, desse “bisonte” fornecedor de energia, existe o perigo da mais que provável e involuntária degradação.

A nossa dor de estômago está no beliscar, aqui e ali, dos pormenorizados traços artísticos do Pintor, feitos involuntariamente, sobretudo pelos empregados que diariamente se encarregam do ranger dos potentes motores colocados indiscriminadamente pela empresa concessionária.

Abordamos alguns transeuntes e os indivíduos que na altura colocavam esse «motor» na Praça, perguntando quem seria o responsável de tamanha monstruosidade.

Foi-nos dito, com toda a parcimónia, que a máquina era pertença de uma Empresa de nome SPAUT (Sistemas de Pagamentos Automáticos), da qual o Estado parece ser accionista maioritário, através do Banco Central – a ser assim, é grave e deixa o Estado em muito maus lençóis – juntamente com os Bancos comerciais, a CST e outros… A montagem e a provável manutenção, está nas mãos de uma Empresa de nome Electro-frio.

PETIÇÃO

Meus senhores, por favor, retirem, usando da vossa influência na sociedade, esse “maldito” aparelho do sítio onde está e coloquem-no num outro local.

Esta petição é subscrita pelo cidadão nacional, Lúcio Barbosa Neto Amado, residente na Cidade-capital, Professor de Educação Física e Desporto de profissão, portador do Bilhete de Identidade número 08778 e com o Cartão de Eleitor cujo número de inscrição é AG07A25000041.

É uma Petição simbólica dirigida, através do Jornal digital «Tela Nom», aos principais Órgãos Nacionais de Soberania, nomeadamente:

Ao Excelentíssimo senhor Presidente da República;
Ao Excelentíssimo senhor Presidente da Assembleia Nacional;
Ao Excelentíssimo Governo na pessoa do senhor Primeiro Ministro;
Ao Excelentíssimo senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça;
Ao Excelentíssimo senhor Procurador Geral da República;
Ao Excelentíssimo senhor Presidente do Tribunal de Contas;
Aos Excelentíssimos senhores Presidentes de todos os Partidos Políticos, com ou sem assento Parlamentar;
Ao Excelentíssimo senhor Presidente da Câmara (Municipal) de Água Grande;
Aos Excelentíssimos cidadãos fazedores de opinião.

Protecção da Pintura

Criem, por favor, condições objectivas, para que essa Obra de Arte seja protegida com um vidro especial, para que os nossos vindouros conheçam e saibam a História dessa louvável iniciativa, produzida na segunda metade do Século XX.

Obra emblemática e de um simbolismo único

Os protagonistas:

- Doutor Mário Soares;
- Malangatana;
- Artistas plásticos São-tomenses.

- Doutor Mário Soares

Essa obra terá sido pintada cerca de 1986, aquando da primeira visita oficial feita pelo Presidente da República Portuguesa doutor Mário Alberto Nobre Lopes Soares, a São Tomé e Príncipe como país soberano e independente.

Nessa histórica visita, Soares fez-se acompanhar de dois moçambicanos ilustres: Malangatana e Eusébio da Silva Ferreira. Ambos fizeram com zelo e mestria aquilo que melhor sabiam fazer nos seus místeres.

Mário Soares teria, provavelmente o intuito de agradecer as provas de solidariedade que recebeu de todo o povo, aquando do seu desterro em terras de São Tomé e Príncipe, imposto pela ditadura do Estado Novo. Esse cativeiro durou entre Março e Novembro de 1968.

Tudo leva a crer que Mário Soares tenha trazido o Mestre Malangatana para pintar um mural que ficasse na memória simbólica de portugueses e de africanos (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa) nesse longo caminhar que representaram os 504 anos, da colonização.

- Malangatana

Malangatana Valente Nguenya, cidadão moçambicano, poeta, artista plástico.

Aprendeu a ler e a escrever numa Escola da Missão Suíça protestante. Essa Escola foi no entanto, encerrada. Mais tarde, Malangatana conclui o exame da terceira classe em 1948, na Escola da Missão Católica. Ele foi para Lourenço Marques (actualmente Maputo) à procura de meios de subsistência. Trabalhou em vários ofícios, tendo ao mesmo tempo estudado à noite, adquirindo a escolaridade considerada mínima na altura.

A arte surge a partir da experimentação de vários ofícios. Vários foram os indivíduos que colaboraram ajudando o artista, dando incentivos que ele dificilmente teria, numa Lourenço Marques colonial. De entre esses indivíduos convém destacar o arquitecto Garizo do Carmo, o artista plástico e biólogo Augusto Cabral e o pintor Zé Júlio.

A sua primeira exposição individual realizou-se no Banco Nacional Ultramarino em 1961. Publicou poemas no jornal «Orfeu Negro» (1963) incluído na Antologia da Poesia Moderna Africana. Expôs em Portugal, Moçambique, Alemanha, Áustria, Bulgária, Chile, Brasil, Angola, Cuba, Estados Unidos, Índia.

- Os Artistas plásticos São-tomenses

De acordo com as informações por nós recolhidas, vários foram os artistas plásticos São-tomenses que tiveram o privilégio de conviver e pintar conjuntamente com esse grande Mestre Malangatana. Não sei se existe alguma fotografia desse acto. Provavelmente, os intervenientes terão alguma em seu poder. Se assim for divulguem-nas, por favor.

Os nomes foram-nos avançados, mas falta-nos a confirmação de alguns deles.
Pedimos desculpas por este grande lapso, mas na verdade, não conseguimos encontrar documento algum que faça referência a este acto nem dos nomes dos Artistas São-tomense. Foram contudo adiantados nomes como Ismael, Litos Silva, Nezó (?), Osvaldo Reis (?).

Os compatriotas que não constem digam-nos e contem a história. Lúcio Amado – São Tomé e Príncipe in “Tela Nom”

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