Um traiçoeiro murro
no “estômago” das Artes
Quando se fala que um personagem desferiu um
murro a outrem, ocorre-nos logo a ideia que esse é, inequivocamente, um acto
que implica quase sempre cenas de violência extrema.
Tratando-se então de um murro aplicado a um
«órgão» do corpo humano cuja função é decisiva na vida do ser vivo, a apreensão
é grande. Se o caso for um acto, premeditado, vil e traiçoeiro, maior se torna
ainda, a nossa preocupação.
Traiçoeiro funciona, no fundo como uma
atitude daquele, que ataca, preferencialmente, na calada da noite, encapuzado,
trazendo na «bagagem» uma subtil mas mortífera “arma” que ao deflagrar se
revela de fragmentação.
Perdoem-nos essa indignada franqueza,
colocada numa linguagem que consideramos bélica a todos os níveis. Assumimos
esse risco. A nossa indignação não tem, neste momento qualquer limite.
Pensamos, que, após a publicação deste
pequeno Manifesto, haja uma franja significativa da elite, de intelectuais, de
jovens, de compatriotas anónimos, da nossa praça, que insurjam contra aquilo
que, eventualmente se possa apelidar, como é habitual no nosso meio de …
politiquices.
Politiquices à parte, tomamos a liberdade,
enquanto cidadãos, de pleno direito, desta Pátria em exprimir o nosso
descontentamento, escrevendo nas páginas do jornal digital «Tela Nom».
A nossa legitimidade em redigir estas linhas
passa por uma só palavra: ARTE.
A Arte, palavra originária do Latim é
definida pelo dicionário como sendo um“ conjunto de preceitos ou regras para
bem dizer ou fazer qualquer coisa”. Contudo, é de salientar que (…) “o
principal problema na definição do que é arte é o facto de que esta definição
varia com o tempo e de acordo com as várias culturas humanas”.
O motivo da nossa
(in)contida indignação!
A razão que nos leva a falar da “violência”
prende-se com a agressão feita a uma autêntica “Obra de Arte” que temos no
nosso país, pintada por um Artista com letra grande, que já não pertence ao
mundo dos vivos.
Existe uma máxima popular que diz textualmente,
que o pior cego é aquele que não quer ver! “Cegueiras” há muitas e alguns de
nós estamos, neste momento a precisar de usar umas lentes que nos ajudem a
orientar no bom caminho.
Voltamos a frisar, sentindo o “impacto”
violentíssimo desse murro.
Ficamos bastante incomodados com o procedimento
que as autoridades da República nos impuseram – estamos perante um facto consumado
– relativamente a uma autêntica Obra de Arte existente na emblemática Praça da
Independência. Essa praça que em termos simbólicos, tende a perpetuar-se na
memória colectiva do mundo, visto ser o palco onde se proclamou a nossa
independência, naquele tranquilo e solarengo dia 12 de Julho de 1975.
A Obra de Arte em causa é uma pintura mural desenhada
pelo pincel mágico do grande Mestre moçambicano Malangatana.
Uma Obra de Arte não cai do céu; não aparece
por obras do acaso; não sai da cartola de nenhum mago, nem tão pouco surge por
decreto-lei.
Não é artista de dimensão internacional quem
quer, mas sim quem pode, ou seja, só os predestinados lá chegam. E Malangatana
foi um deles.
Voltemos à cena do murro no “estômago”!
O murro no “estômago” é uma alegoria que é aqui
utilizada para retractar a aberração que vem acontecendo impunemente, há cerca
de 6 (seis) dias, na citada Praça da Independência.
Existe nesse espaço central uma pintura – que
enche o olho do mais empedernido cidadão – do Mestre Malangatana, feita na
parede dum prédio de traços arquitectónicos coloniais. O prédio mandado
construir pelo antigo Banco Nacional Ultramarino, que é constituído por 6
andares e tem a capacidade para receber 24 famílias.
É justamente aí nesse recanto que as
autoridades público-privadas resolveram colocar em frente dessa Obra, um
gerador de energia eléctrica de grandes dimensões, retirando a tudo e a todos a
beleza dessa pintura.
Para além dos prejuízos materiais que advém
desse bárbaro acto, nomeadamente, o fumo exalado, o gasóleo e outros
combustíveis utilizados na manutenção, desse “bisonte” fornecedor de energia,
existe o perigo da mais que provável e involuntária degradação.
A nossa dor de estômago está no beliscar,
aqui e ali, dos pormenorizados traços artísticos do Pintor, feitos
involuntariamente, sobretudo pelos empregados que diariamente se encarregam do
ranger dos potentes motores colocados indiscriminadamente pela empresa
concessionária.
Abordamos alguns transeuntes e os indivíduos
que na altura colocavam esse «motor» na Praça, perguntando quem seria o
responsável de tamanha monstruosidade.
Foi-nos dito, com toda a parcimónia, que a
máquina era pertença de uma Empresa de nome SPAUT (Sistemas de Pagamentos
Automáticos), da qual o Estado parece ser accionista maioritário, através do
Banco Central – a ser assim, é grave e deixa o Estado em muito maus lençóis –
juntamente com os Bancos comerciais, a CST e outros… A montagem e a provável
manutenção, está nas mãos de uma Empresa de nome Electro-frio.
PETIÇÃO
Meus senhores, por favor, retirem, usando da
vossa influência na sociedade, esse “maldito” aparelho do sítio onde está e coloquem-no
num outro local.
Esta petição é subscrita pelo cidadão
nacional, Lúcio Barbosa Neto Amado, residente na Cidade-capital, Professor de
Educação Física e Desporto de profissão, portador do Bilhete de Identidade
número 08778 e com o Cartão de Eleitor cujo número de inscrição é
AG07A25000041.
É uma Petição simbólica dirigida, através do
Jornal digital «Tela Nom», aos principais Órgãos Nacionais de Soberania,
nomeadamente:
Ao Excelentíssimo senhor Presidente da
República;
Ao Excelentíssimo senhor Presidente da
Assembleia Nacional;
Ao Excelentíssimo Governo na pessoa do senhor
Primeiro Ministro;
Ao Excelentíssimo senhor Presidente do
Supremo Tribunal de Justiça;
Ao Excelentíssimo senhor Procurador Geral da
República;
Ao Excelentíssimo senhor Presidente do
Tribunal de Contas;
Aos Excelentíssimos senhores Presidentes de
todos os Partidos Políticos, com ou sem assento Parlamentar;
Ao Excelentíssimo senhor Presidente da Câmara
(Municipal) de Água Grande;
Aos Excelentíssimos cidadãos fazedores de
opinião.
Protecção da Pintura
Criem, por favor, condições objectivas, para
que essa Obra de Arte seja protegida com um vidro especial, para que os nossos
vindouros conheçam e saibam a História dessa louvável iniciativa, produzida na
segunda metade do Século XX.
Obra emblemática e de um simbolismo único
Os protagonistas:
- Doutor Mário Soares;
- Malangatana;
- Artistas plásticos São-tomenses.
- Doutor Mário Soares
Essa obra terá sido pintada cerca de 1986,
aquando da primeira visita oficial feita pelo Presidente da República
Portuguesa doutor Mário Alberto Nobre Lopes Soares, a São Tomé e Príncipe
como país soberano e independente.
Nessa histórica visita, Soares fez-se
acompanhar de dois moçambicanos ilustres: Malangatana e Eusébio da Silva
Ferreira. Ambos fizeram com zelo e mestria aquilo que melhor sabiam fazer nos
seus místeres.
Mário Soares teria, provavelmente o intuito
de agradecer as provas de solidariedade que recebeu de todo o povo, aquando do
seu desterro em terras de São Tomé e Príncipe, imposto pela ditadura do Estado
Novo. Esse cativeiro durou entre Março e Novembro de 1968.
Tudo leva a crer que Mário Soares tenha
trazido o Mestre Malangatana para pintar um mural que ficasse na memória
simbólica de portugueses e de africanos (Países Africanos de Língua Oficial
Portuguesa) nesse longo caminhar que representaram os 504 anos, da colonização.
- Malangatana
Malangatana Valente Nguenya, cidadão
moçambicano, poeta, artista plástico.
Aprendeu a ler e a escrever numa Escola da
Missão Suíça protestante. Essa Escola foi no entanto, encerrada. Mais tarde,
Malangatana conclui o exame da terceira classe em 1948, na Escola da Missão
Católica. Ele foi para Lourenço Marques (actualmente Maputo) à procura de meios
de subsistência. Trabalhou em vários ofícios, tendo ao mesmo tempo estudado à
noite, adquirindo a escolaridade considerada mínima na altura.
A arte surge a partir da experimentação de
vários ofícios. Vários foram os indivíduos que colaboraram ajudando o artista,
dando incentivos que ele dificilmente teria, numa Lourenço Marques colonial. De
entre esses indivíduos convém destacar o arquitecto Garizo do Carmo, o artista
plástico e biólogo Augusto Cabral e o pintor Zé Júlio.
A sua primeira exposição individual
realizou-se no Banco Nacional Ultramarino em 1961. Publicou poemas no jornal
«Orfeu Negro» (1963) incluído na Antologia da Poesia Moderna Africana. Expôs em
Portugal, Moçambique, Alemanha, Áustria, Bulgária, Chile, Brasil, Angola, Cuba,
Estados Unidos, Índia.
- Os Artistas plásticos São-tomenses
De acordo com as informações por nós
recolhidas, vários foram os artistas plásticos São-tomenses que tiveram o
privilégio de conviver e pintar conjuntamente com esse grande Mestre
Malangatana. Não sei se existe alguma fotografia desse acto. Provavelmente, os
intervenientes terão alguma em seu poder. Se assim for divulguem-nas, por
favor.
Os nomes foram-nos avançados, mas falta-nos a
confirmação de alguns deles.
Pedimos desculpas por este grande lapso, mas
na verdade, não conseguimos encontrar documento algum que faça referência a
este acto nem dos nomes dos Artistas São-tomense. Foram contudo adiantados
nomes como Ismael, Litos Silva, Nezó (?), Osvaldo Reis (?).
Os compatriotas que não constem digam-nos e
contem a história. Lúcio Amado – São
Tomé e Príncipe in “Tela Nom”
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