Nasceu em Junho de 1963 na cidade de Lourenço
Marques, hoje Maputo, capital de Moçambique. Em 1986 foi viver para a Itália
onde depois de um período de integração resolveu estudar de novo. Com quarenta
anos de idade começou uma nova vida com os estudos obtidos e hoje é uma mulher
conhecida internacionalmente, chama-se Amilca Ismael, escreveu em italiano a “La Casa dei Ricordi”, traduzido para
português com o título “A Casa de Recordações”, editora Ndjira – Moçambique e “Il racconto di Nádia”. Em 2010 recebeu o
Prémio Mulher do Ano 2010 “Secção Social”, atribuída pela Universidade da Suíça
Italiana.
Baía da
Lusofonia --- Há um conselho chinês que nos diz “Veremos o que nos traz o
tempo” sugerindo que não devemos nos precipitar e considerar um azar uma
operação a um joelho ou uma sorte uma sugestão ponderada. Hoje, o que é mais
importante para si ser assistente social ou escritora?
Amilca Ismael --- Bem posso dizer que para mim a coisa mas
importante neste momento é ser assistente social, porque fazendo esse trabalho
consigo ajudar de verdade as pessoas que sofrem e que necessitam de muito amor.
Mas não escondo que gostaria de ser uma boa escritora.
“A
Europa tem abandonado as suas bibliotecas humanas”. Os seniores autónomos ao
irem para um lar de idosos, perdem muitas das suas capacidades por falta de
estímulos físicos e mentais. Será o apoio domiciliário a melhor resposta social
para estes idosos?
Eu acho e tenho quase a certeza “depois de 13
anos de trabalho directo com os idosos” que a melhor forma de ajudá-los é na
própria casa porque só assim conseguimos manter o próprio ritmo de vida. O
problema é que no momento em que eles entram num lar para idosos a vida muda
radicalmente e isso faz com que eles fiquem confusos e por vezes caiam numa
grave depressão.
O ano
de 2012 foi o Ano Europeu do Envelhecimento Activo e Solidariedade entre
Gerações.
Sentiu na prática, estamos no terceiro
trimestre de 2013, já algum impacto desta decisão política no dia-a-dia da
actividade do lar de idosos?
Sinceramente eu senti alguma diferença, o
problema de base é que muitas vezes o lar dos idosos está considerado como um “business” e é muito cómodo fazer muitas
mudanças.
A
Amilca é natural de Moçambique, país que se encontra noutro patamar de apoio
social muito diferente da Europa. Caso um dia, fosse convidada para colaborar
com o seu país de natalidade no processo evolutivo de apoio social a seniores,
seguiria o mesmo percurso já feito pelos europeus? Ou criava, depois de treze
anos de experiência em Itália, um apoio social mais humano, mais próximo das
raízes tradicionais moçambicanas?
Antes de responder directamente à sua
pergunta permito-me dizer que espero no meu país, ou melhor em África, não
chegue a este nível e que os idosos continuem a viver no núcleo familiar.
Voltando à sua pergunta, se fosse convidada a
colaborar nesta actividade apostaria num apoio social mais humano e faria o
possível para manter as raízes porque o objectivo dum assistente social é de
manter os próprios princípios de vida do seu assistido.
Num
dado momento, a Amilca sentiu necessidade de escrever, penso eu, para libertar
um grito contido. Que sentimentos foram esses, que levaram-na a pegar na caneta
e escrever?
Na verdade, ao princípio a decisão de
escrever não foi ligada a nenhum sentimento mas sim foi um pouco como alertar
os meus amigos que pensam só no trabalho. Mas, enquanto escrevia percebi que no
fundo eu precisava de libertar o sentimento que tinha dentro de mim e que era
uma grande honra ser a porta-voz de histórias de vidas maravilhosas.
Segundo
Fernanda Angius e passo a citar “Casa de Recordações não é apenas uma história
que existe no mundo da ficção. É uma história autobiográfica, segundo sabemos.
Mas é muito mais do que isso: é um universo onde vivem seres humanos condenados
ao esquecimento e à solidão. A leitura deste livro impõe-se como uma chamada de
atenção para o que se faz e o que se deveria fazer quanto à prevenção do futuro
dos idosos em todo o mundo, mas em especial em Moçambique, constantemente
evocado pela narradora como a origem que não deseja esquecer.” O livro foi
editado em língua portuguesa em Moçambique. Para quando a sua divulgação por
todo o universo lusófono?
Como diz a Paulina Chiziane “A casa de recordações é uma obra fundamental
para a compreensão das sociedades ditas modernas, civilizadas e desenvolvidas
numa altura em que a europeia advoga os direitos humanos, enquanto na prática condena
os idosos, ou doentes crónicos à solidão ou isolamento venenoso ou amargo das
casas de repouso.”
Como vê o romance narra-nos uma casa de
repouso italiana mas na verdade, conta-nos o “problema” da terceira idade que envolve
toda a Europa. Por essa razão espero que o meu romance não seja apenas divulgado
o mais rápido possível no universo lusófono mas em toda a Europa.
“Dizem
que sou romancista e que fui a primeira mulher moçambicana a escrever um
romance, mas eu afirmo: sou contadora de estórias e não romancista. Escrevo
livros com muitas estórias, estórias grandes e pequenas. Inspiro-me nos contos
à volta da fogueira, minha primeira escola de arte." Palavras da escritora
Paulina Chiziane autora do prefácio do seu primeiro livro. Como conheceu a
Paulina Chiziane?
Conheci pessoamente a Paulina Chiziane quando
ela depois de haver feito o prefácio “a cinco estrelas” da Casa de Recordaçoes
apresentou o meu livro no Instituto Luís de Camões em Maputo durante a “Semana
de língua italiana no mundo”.
Foi uma honra receber a Paulina e o Mia Couto
que apresentou também o meu livro, mas na Universidade Eduardo Mondlane.
Depois
de “A Casa de Recordações” e “A história de Nádia” o que podemos esperar da
escritora Amilca Ismael?
O mundo está cheio de história de mulheres. Num
jornal italiano uma jornalista intitulou a minha entrevista “ Amilca Ismael a
caçadora de histórias”. O título diz tudo.
Agora estou terminando o terceiro romance sobre
a situação das mulheres africanas e nao só, atraídas pela Europa com falsas
promessas e que depois são obrigadas a prostituir-se.
Nasceu
na capital moçambicana em 1963. Que memórias tem da sua infância e da sua
juventude?
Não é fácil responder a esta pergunta porque
a minha infância e de muitos jovens como eu foi numa época muito crítica para
Moçambique. A minha infância foi no tempo colonial e a vida era tranquila,
durante as férias os meus pais levava-nos à praia e não faltava nenhum género
alimentar.
Na minha juventude as coisas mudaram porque
em Moçambique começou a guerra civil e a fome. Mesmo assim tive sorte porque
vivia em Maputo, visto que na capital não tinha guerra e tive o privilégio de estudar,
praticar desporto, ir à discoteca, enfim viver uma vida mais ou menos normal.
A ilha
de Moçambique foi considerada pela Unesco em 1991 Património Mundial da
Humanidade. Já sonhou projectar num livro, uma história que envolva este
extraordinário património arquitectónico entrelaçado com uma língua materna
moçambicana?
Para ser sincera não, talvez porque eu gosto
de escrever histórias de mulheres e nunca meditei sobre isso.
Se uma
das suas filhas lhe disser: Mãe vou viver e trabalhar para Moçambique, que
conselhos lhe daria?
De levar com ela a mais humanidade possível e
de se lembrar que antes de um título de estudo vem o respeito pelo próximo.
A
língua galaico-portuguesa conhecida internacionalmente como língua portuguesa é
a sexta mais falada no mundo e a terceira do mundo ocidental. Com quase
trezentos milhões de falantes por todos os continentes, que mensagem deseja
transmitir a todos estes cidadãos das mais diversas camadas sociais?
Simplesmente, tenham respeito pelo próximo.
Baía da
Lusofonia
Entrevista conduzida por João Peres de
Seixas, realizada em Agosto de 2013.
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