Ontem estive num evento africano, que teve a
particularidade muito comum aos portugueses, refiro-me à pontualidade, ou à falta dela.
E isso fez-me recordar o João Tomo, um
soldado africano que no ano de 1974, ainda no tempo da guerra colonial
recebemos em terras de Moçambique, quando ali chegámos, na vila de Palma, distrito de Cabo Delgado, no
mês de Junho desse ano.
De uma dezena de soldados africanos, o único
nome que me ficou na memória foi precisamente o do João Tomo, um jovem que como
os outros vinha classificado de servente, a mais baixa qualificação para um
soldado que ia cumprir tarefas num pelotão de intendência.
Uma análise que fiz, idêntica aos soldados
oriundos da metrópole (Portugal) que já fizera anteriormente, chamou-me a
atenção para o João Tomo, diferente dos restantes, com qualidades muito acima
da média, que me levaram a integrá-lo no departamento à minha responsabilidade,
a área administrativa.
Como devem calcular, esta minha decisão não
foi muito bem aceite pelos soldados “brancos”, mas nunca me arrependi da
decisão que tinha tomado.
E por que hoje, trinta e nove anos depois me
estou aqui a recordar do João Tomo, que o mais normal é ele já não se lembrar
de mim? Precisamente pela pontualidade.
Um dos factos que difere um país desenvolvido
dos outros é a pontualidade e sempre considerei que o João Tomo iria ser mais
que os outros por esta característica.
Ele sempre cumpriu as tarefas
administrativas, não como um soldado que cumpria obrigatoriamente o serviço
militar, mas sim como um funcionário administrativo, que pelas 9 horas da
manhã, quando da abertura dos serviços que eu diariamente fazia, o João Tomo
era o único que já se encontrava à porta do escritório esperando que as portas
se abrissem.
Porta da esquerda, entrada dos escritórios |
De uma caligrafia de alta qualidade,
responsável pela entrada e registo dos documentos entretanto classificados e
posterior arquivamento, o João Tomo dava uma confiança no trabalho executado,
que perdurou nos quase quatro meses que trabalhámos em conjunto, até ao dia 01
de Outubro de 1974, quando parti de férias, num dia atribulado, que me ficou na
memória, porque acidentalmente, foi o único dia até hoje, onde vi a morte
passar-me ao lado.
O rumo que felizmente começara-se a traçar em
25 de Abril de 1974, tanto para Portugal como para as colónias e neste caso
Moçambique, fizeram-me que nunca mais visse o João Tomo, mas 39 anos depois
ainda o recordo com admiração e respeito. Baía
da Lusofonia
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