Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Cabo Verde - De pequenos nada se faz a História

A propósito da minha filha, um dia desses, comentar à mesa com os filhotes, meus netos, de que quando era criança e que ia passar parte das férias estivais, ou fins-de- semana ao Tarrafal, ela e mais outras crianças, amigas da altura, não puderem entrar, nadar, ou tomar banho na pequena praia, (ao lado da grande praia) da Vila do Tarrafal, uma enseada segura para crianças, e que só para lá entrou depois de 1990, ano da abertura democrática em Cabo Verde, lembrei-me que por cá nas ilhas, vamos tendo paulatinamente e de modo sub-reptício, os nossos “apagões” históricos muito bem urdidos e realizados.

É bom não esquecer esta data na História das ilhas, pois o que querem é exactamente, riscá-la também do nosso calendário histórico.

Mas antes, e voltando à dita praia no Tarrafal, esta era chamada, imagine-se! “Praia do Presidente”, só o Presidente da República à época, é que a frequentava. Seguramente ele mais a família dele.

Era uma praia vigiada por militares com um grande cordão à volta quando lá estava o Presidente e vedada ao público.

Pois é, era assim, e se a memória não me trai por todas as ilhas, havia uma parcela com acesso exclusivo, geralmente a melhor situada, com casa e/ou com praia, para o então Presidente da República da 1ª República (1975 – 1990). Como se fosse herdeiro de alguma coisa...

Igualmente, na mesma linha de separação do cidadão comum em que eles (os governantes, a classe política de então) viviam, o praiense deixou de ter acesso ao melhor miradouro da pequena urbe, da capital do país, o Miradouro Diogo Gomes, de onde se desfruta uma paisagem marítima lindíssima e de saudosa memória dos praienses!

E porquê? Porque situado ao lado do palácio presidencial. Vigiado por tropa, como se estivessemos em país que tivesse conhecido ou experimentado a guerra. Felizmente que cá nunca a houve, por que se não, não sei com viveríamos depois da independência com o que para nós parecia já excessos de segurança dos senhores vindos de Conacry.

Os governantes de Cabo Verde na altura, imitavam - no seu pior - os seus congéneres do continente africano Só que como pobres imitadores, não passavam de alguns tiques bem folclóricos...

E apenas com o advento da II República, esta trazida pelas eleições livres de 13 de Janeiro de 1991 com a eleição (sufrágio directo e universal) do MPD e do Presidente da República, houve ordens expressas e imediatas para pôr fim às coutadas presidenciais e que se devolvesse o miradouro aos seus legítimos donos, ou seja, ao cidadão praiense, e aos seus visitantes para que dele usufruíssem.

Serão pequenos nada, dir-me-ão alguns. De acordo, responderei. Mas também de pequenos nada se faz a História. E este “nada” não é tão negligenciável como pode parecer. Numa época em que até havia polícia política – hoje os seus mentores são todos grandes democratas – para coarctar e reprimir o bem mais precioso do Homem – a liberdade – o mais “inocente” gesto ou palavra poderia conduzir a consequências desastrosas para o seu autor e família. Quando para se sair do País era necessária a famigerada “autorização de saída” até o “exílio” era condicionado…

Por isso sempre direi que será sempre, sempre bom recordar que antes de 1990, Cabo Verde não tinha conhecido nem vivia em liberdade e muito menos em liberdade política. Ondina Ferreira – Cabo Verde in “coral-vermelho.blogspot”

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